Boa Esperança: moradora enviou à página oficial do prefeito no Facebook, em 2016, alerta sobre riscos de deslizamento - Reprodução
Boa Esperança: moradora enviou à página oficial do prefeito no Facebook, em 2016, alerta sobre riscos de deslizamentoReprodução
Por RAFAEL NASCIMENTO

Rio - "A gente não queria estar aqui. Isso é desumano. Não respeitaram a gente", desabafa Raquel Caetano, de 27 anos, moradora do Morro Boa Esperança, em Piratininga, Região Metropolitana de Niterói. Na tragédia do último sábado, Raquel perdeu os dois sobrinhos: o menino Arthur Caetano Carvalho, de 3 anos, e Nicole Caetano Carvalho, de 10 meses. 

A revolta de Raquel é ainda maior porque, em 2016, ela já havia alertado a Prefeitura de Niterói sobre os riscos de deslizamento. Ao DIA, ela mostrou uma troca de mensagens de 2016 com a página oficial do prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, denunciando a situação da encosta do morro ao redor de sua casa, e recebeu, como resposta que uma equipe da Defesa Civil fora acionada para retornar ao local e que, "por conta de problemas como esse, está sendo realizado um mapeamento em toda a cidade para realizar obras de contenção de encostas em pontos que necessitem".

A última mensagem deu esperanças a Raquel: "Qualquer dúvida ou problema, pode me chamar aqui novamente. Um abraço". As mensagens foram trocadas no dia 21 de setembro de 2016. Na conversa, Raquel também compartilhou imagens da encosta de sua casa, onde é possível ver indícios de deslizamento. Agora, o sentimento é de dor: "Vou chamar para enterrar os meus sobrinhos", desabafou.

É importante ressaltar que, apesar de a conversa ter ocorrido na página oficial do prefeito no Facebook, isso não significa que tenha sido o próprio Rodrigo Neves a responder. A comunicação é feita em nome da prefeitura através da equipe de comunicação do prefeito. Trata-se de um canal aberto para o diálogo com a população.

Em nota, a Prefeitura se limitou a dizer que “a Defesa Civil de Niterói vistoriou o imóvel, que foi interditado em 8 de março de 2017, por motivos não relacionados à ruptura do maciço”. O município destaca ainda que a ocorrência trata-se de um “processo de difícil previsibilidade”. A Prefeitura divulgou um levantamento feito em março que indicava o custo de R$ 343 mil com obras no local, que nunca foram executadas. Ao Jornal Nacional, a empresa Thalweg, que vistoriou o morro, afirmou que não identificou a rocha que deslizou e a obra proposta não teria sido suficiente para evitar a tragédia.

"Eu tenho pena das pessoas da prefeitura porque a mão de Deus é pior, ela pesa, foram duas crianças mortas na minha família, nada muda essa dor", declara Raquel, que ficou muito machucada no deslizamento e precisou passar por cirurgias. 

Ao DIA, a jovem contou que em 2017 sua casa já havia sido interditada, junto com a do seu vizinho, Johni Silva Nascimento, que também sobreviveu à tragédia do último sábado. Na documentação emitida pela Defesa Civil do Município de Niterói, consta o auto de interdição, com a data de março de 2017, por risco de deslizamentos que poderiam afetar a moradia. 

Há ainda a recomendação de adoção de medidas de contenção e estabilização da encosta, acompanhado de um sistema de drenagem de água, além de uma limpeza do lixo do local e o impedimento do despejo de mais resíduos.  

O documento ainda indica que todas as obras que fossem realizadas deveriam ser acompanhadas por "profissional capacitado e credenciado com Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), registro no Conselho Regional de Engenharia (Crea) e ou Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) com registro no Conselho Regional de Arquitetura e Urbanismo (CAU)". 

O irmão de Raquel Caetano, Rafael Caetano, também já havia alertado a prefeitura há dois anos. Ele encomendou, por conta própria, na época, uma avaliação de um arquiteto sobre as condições do imóvel onde morava em Boa Esperança. Em 2016, sua casa foi atingida por uma pedra de meia tonelada, e o estudo já alertava para outra grande pedra prestes a causar ‘prejuízo catastrófico’, conforme documento assinado pelo arquiteto Aécio Nery de Almeida.

Encostas: 50 processos em recurso no MP

De acordo com a Comissão de Direitos Humanos de Niterói, mais de 50 processos tramitam no Ministério Público para que a prefeitura faça encostas em áreas de risco. No entanto, o município tem recorrido alegando que “está preparando um estudo nessas localidades”.

Na manhã desta terça, vereadores de Niterói aprovaram, em sessão extraordinária, o benefício de R$ 1.002 mensais por um ano aos desabrigados. Das 22 famílias atingidas pelo deslizamento da encosta, apenas sete quiseram ir para o abrigo municipal no bairro São Lourenço, a 16 km de Boa Esperança.

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