Prefeito de Niterói negou as acusações ao chegar à Cidade da Polícia - Luciano Belford / Agência O Dia
Prefeito de Niterói negou as acusações ao chegar à Cidade da PolíciaLuciano Belford / Agência O Dia
Por Adriano Araujo e Rafael Nascimento

Rio - O prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, preso na manhã desta segunda-feira em uma operação do Ministério Público do Rio (MPRJ) e da Polícia Civil, desdobramento da Lava Jato no Rio, chegou por volta das 9h10 na Cidade da Polícia, no Jacarezinho. Em sua chegada, com lagrimas nos olhos, ele negou as acusações de recebimento de propina do transporte público. Segundo denúncia do Ministério Público do Rio, empresas de ônibus pagaram propina de R$ 10,9 milhões para quadrilha chefiada por Neves.

"Vou defender minha honra, com respeito às instituições. Eu acho que foi uma decisão monocrática, isso poderia ser esclarecido sem uma decisão de força, mas respeito e espero que o estado democrático de direito funcione", disse. 

A mulher de Rodrigo Neves chegou à Cidade da Polícia 12h52 acompanhada do deputado estadual Waldeck Carneiro (PT).

De acordo com Neves, a concorrência para o setor de transportes de Niterói, cidade da qual é prefeito reeleito, foram realizadas antes de suas gestões. Segundo ele, assim que assumiu foi realizada a unificação das tarifas do município. 

"Se eu não tivesse feito isso, a tarifa de Niterói hoje seria de mais de R$ 4,50, bem superior à tarifa atual. Nós cobramos muito do sistema de transporte e Niterói tem hoje o sistema mais organizado da Região Metropolitana, com quase 90% da frota com ar-condicionado, coisa que não acontece em nenhuma outra cidade do Rio de Janeiro. Nós contratamos uma auditoria da Fundação Getúlio Vargas, independente, para analisar o equilíbrio econômico-financeiro. Ela apontou que as tarifas eram equilibradas e que em 2018 não deveria ter aumento, e não demos aumento. Eu realmente estou perplexo , absolutamente perplexo", concluiu.

Ao DIA o advogado Marcello Ramalho, que defende Rodrigo Neves, disse que seu cliente “está confiante de que não fez nada”. "Vamos avaliar a decisão (da justiça) para tomarmos uma medida cabível. Desconhecemos os termos no processo”, falou. Segundo o defensor, ainda hoje ele pedirá no Supremo Tribunal Federal (STF) um habeas corpus para seu cliente. O deputado federal Chico D’Angelo, aliado político do prefeito, esteve na sede da Cidade da Polícia. Segundo ele, Neves passou mal.

“Eu vim como médico. Ele passou mal e a pressão dele está muito alta. Mas como eu vim correndo eu não trouxe o aparelho (de aferição de pressão), pedi que eles meçam a pressão dele. O Rodrigo está muito abalado e chorando muito”, diz Chico d’Ângelo (PDT). Neves já recebeu atendimento médico na Cidade da Polícia. 

Além de Rodrigo Neves, estão presos o ex-secretário de obras de Niterói e ex-conselheiro de administração da Nittrans, Domício Mascarenhas de Andrade, o presidente do consórcio transoceânico e sócio da viação Pendotiba, João Carlos Félix Teixeira e o administrador do consórcio Transnit e sócio da auto lotação Ingá, João dos Anjos Silva Soares. Mais um empresário do ramo do transporte público rodoviário, que ainda não teve sua identidade revelada, também é alvo da operação. Após prestarem depoimentos e fazerem o exame de corpo de delito, os presos serão encaminhados à Cadeia Pública Frederico Marques, em Benfica. Eles são acusados de integrar uma organização criminosa para a prática dos crimes de corrupção ativa e passiva.

Segundo a promotoria do Ministério Público, pelo menos uma vez por ano Rodrigo Neves se encontrava com donos de empresas de ônibus em restaurantes de luxo, para estreitar os “laços de amizade” e combinar a propina. O ex-secretário Dominício Mascarenhas é apontado como o operador do prefeito.

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João Carlos Félix Teixeira, presidente do consórcio transoceânico e sócio da viação Pendotiba, também foi preso em operação que prendeu o prefeito de Niterói, Rodrigo Neves Luciano Belford / Agência O Dia
João dos Anjos Soares, administrador do consórcio Transnit e sócio da Auto Lotação Ingá, foi preso nesta segunda-feira Luciano Belford / Agência O Dia
Ex-secretário de obras de Niterói e ex-conselheiro de administração da Nittrans, Domício Mascarenhas de Andrade, também foi preso nesta segunda-feira em operação que prendeu o prefeito de Niterói, Rodrigo Neves Luciano Belford / Agência O Dia

Rodrigo Neves leva livros para o cárcere

Abatido e com os olhos marejados, Rodrigo Neves chegou à Cidade da Polícia acompanhado dos policiais da Polícia Civil por volta das 9h10 e falou rapidamente com a imprensa. Em mãos, ele trazia consigo dois livros e uma bíblia.

Os livros são o "Memórias da Segunda Guerra”, de Winston Churchill, e "Contra os Novos Despotismos", do filósofo político Norberto Bobbio. Este último descreve a gestão de Silvio Berlusconi na Itália, quando interesses pessoais se misturaram com interesses políticos. Na obra, Bobbio indaga sobre a fonte de financiamento do primeiro-ministro, dono dos mais importantes canais de TV na Itália, e aponta seu governo como déspota. 

O prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, ao chegar preso na Cidade da Polícia. Ele negou acusações de recebimento de propina do setor de transporte - Luciano Belford / Agência O Dia

A Polícia Civil e o Ministério Público chegaram a casa de Rodrigo Neves por volta das 6h. Os policiais esperavam o prefeito tomar café da manhã e ele deixou o local às 8h26, indo até o carro da Polícia Civil acompanhado da esposa, Fernanda Sixel, no estacionamento do prédio onde moram. Após o marido entrar no veículo, a primeira-dama se desesperou e chorou muito.

Fernanda Sixel, primeira-dama de Niterói, chora ao ver o marido Rodrigo Neves entrar no carro da polícia - Alexandre Brum / Agência O Dia
 

Propina vinha gratuidades, diz MP

Rodrigo Neves e Dominício Mascarenhas são apontados como o núcleo político de organização criminosa, este último o operador financeiro do prefeito. Mascarenhas era quem solicita as vantagens indevidas vindas dos reembolso da gratuidade de passagens para alunos da rede pública, pessoas idosas e portadores de deficiência. Eram cobrados 20% sobre os valores pagos pela prefeitura aos consórcios de transporte.

Segundo a denúncia do Ministério Público, o prefeito controlava a liberação dos recursos pagos aos consórcios pela gratuidade, retardando a liquidação das despesas e o pagamento como forma de pressionar as empresas a repassarem os valores indevidos. Em troca, apoiava projetos de interesse do setor e incrementava as atividades de combate ao transporte clandestino.

O núcleo econômico era formado por executivos do setor de transporte coletivo de Niterói, sendo eles João Carlos Felix Teixeira, presidente e sócio-administrador do Consórcio Transoceânico, e João dos Anjos Silva Soares, presidente do consórcio Transnit.

O esquema foi articulado para o recebimento de propina paga por empresários do setor aos agentes públicos da cidade. De acordo com a investigação realizada pelo MPRJ em parceria com a Polícia Civil, entre os anos de 2014 e 2018, foram desviados aproximadamente R$ 10,9 milhões dos cofres públicos para pagamentos ilegais.

Ainda segundo a denúncia, os encontros e reuniões junto ao setor de transportes foram realizados entre abril de 2014 até os dias atuais, com a participação de Domício e os representantes das empresas-líderes dos consórcios, João Carlos e João dos Anjos, sempre por intermédio do também denunciado Marcelo Traça, que já que exerceu o cargo de vice-presidente do Conselho de Administração da Fetranspor, bem como a posição de presidente do Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro (Setrerj), entre os anos de 2007 e 2017.

Os locais dos encontros eram restaurantes, shoppings e na própria sede da Setrerj, apelidada de “alameda” e que deu nome à operação de hoje. os empresários denunciados exerciam a função de receber e arrecadar de cada empresa integrante dos consórcios Transoceânico e Transnit os valores ilícitos para repassar a Neves e Dominício Marcarenhas. O dinheiro, em espécie, era colocado em uma mochila e levada por Domício. Traça, que fazia ponte entre os núcleos político e econômico, foi preso em julho de 2017 na Operação Ponto Final, e foi colaborador da atual investigação.

Outra prova colhida contra Rodrigo Neves e Dominício Mascarenhas é o depoimento de outro réu colaborador, o empresário Renato Pereira. Segundo Pereira, ao relatar o impasse na negociação de valores de propaganda a serem gastos na campanha à reeleição, Rodrigo Neves propôs ao empresário o pagamento das despesas via caixa 2, tendo o colaborador afirmado que Domício era o “braço financeiro” da campanha e teria mencionado a possibilidade de efetuar pagamentos utilizando o dinheiro da "caixinha" da propina conseguida com empresários do ramo de transportes. A declaração bate com a mesma de Marcelo Traça.

De acordo com a investigação do Ministério Público, somando-se os pagamentos realizados no exercícios financeiros de 2014 até 2018, foram pagos a título de gratuidade pelo município de Niterói aos consórcios o montante de R$ 28.857.761,66 em favor do consórcio Transoceânico e R$ 26.054.058,01 em favor do consórcio Transnit. Levando em conta o retorno de 20% pago em propina, o grupo ligado a Rodrigo Neves recebeu pelo menos R$ 10.982.363,93.

O levantamento foi realizado a partir de consultas e cruzamento de dados, em fontes oficiais, pelo Laboratório de Análise de Orçamentos e de Políticas Públicas (LOPP/MPRJ). A Operação Alameda foi executada pela Polícia Civil, pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO/MPRJ) e pela Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI/MPRJ).

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