"Não posso vir ao Centro sem passar aqui", diz a cliente da livraria Folha Seca, Marcia de Figueiredo Costa, de 55 anos, enquanto folheia um livrofotos Alexandre Brum / Agência O Dia
Por *Felipe Rebouças

Rio - 'Os dinossauros morrem, mas as lagartixas sobrevivem". Foi assim que o cartunista Cássio Loredano definiu o fechamento das grandes livrarias do Brasil em face à sobrevivência das livrarias de estimação, espécie de aperfeiçoamento dos clássicos sebos e símbolos de resistência da cultura popular, sobretudo no Rio.

Apoiadas na relação de afeto e fidelidade com sua clientela, as livrarias de rua seguem vivas como alternativas ao leitor em um cenário em que 981 lojas fecharam nos últimos seis anos, o que representa uma queda substancial de 29% no mercado de livros do país, segundo estimativa da Associação Nacional das Livrarias (ANL).

"Eu não gosto de ir à livraria com um livro em mente para comprar, como vou ao mercado com uma lista de compras. Gosto de folhear, explorar, até escolher", revelou a cliente da livraria Folha Seca, Marcia de Figueiredo, de 55 anos.

A tradição dessas pequenas livrarias se faz no contato próximo e intimista entre o livreiro e o leitor, cujo nome e estilo de obra predileto são decorados pelo dono do estabelecimento após o primeiro contato. Trato que fomenta o retorno do cliente.

Para Daniel Chomski, dono da livraria Berinjela, o grande erro das gigantes do mercado de livros nasceu da ganância. "A Berinjela não tem risco de acabar. Temos uma estrutura pequena, mas cuidamos da nossa clientela com o mesmo carinho que eles têm pela gente", contou o proprietário, que após adquirir pessoalmente as novidades do seu acervo em sebos espalhados pela cidade, as transporta, limpa e põe à venda. "Esse trabalho braçal faz parte da alegria de capitanear um projeto desse", concluiu Chomski.

Além do aconchego, as livrarias de estimação também são ponto de encontro da boemia carioca. A cada lançamento, normalmente realizado uma vez por mês, os amantes dos livros se reúnem em rodas de samba que irrompem o silêncio habitual da leitura para dar lugar ao choro. "O grande diferencial é transcender as paredes dos shoppings e ocupar as ruas da cidade", disse Loredano. "Isso é insubstituível", afirmou Heloisa Seixas, escritora e esposa do escritor Ruy Castro.

Algumas lagartixas, contudo, não resistiram à penúria. Foi o caso da Bookmakers, uma das primeiras livrarias a inaugurar um café em suas instalações. "Como ocorre ao longo da história, sobreviverão aqueles que conseguirem se adaptar às exigências dos novos tempos", declarou Bernardo Gurbanov, presidente da ANL.

Competição desleal é o principal desafio do mercado

Apesar do que muitos acreditam, os livreiros garantem que a tecnologia não é inimiga. "Nunca pensei que teria que pronunciar livro físico, mas a realidade é que tais como outros meios de informação que foram considerados ultrapassados e resistiram, os livros não vão acabar nunca", cravou Chomski.

A grande problemática, na verdade, está no preço praticado pelas editoras e grandes redes de distribuição - com destaque no mundo digital para a Amazon - em detrimento aos pequenos polos de venda, capazes de ampliar o acesso aos livros. Por ser capaz de adquirir uma enorme quantidade de exemplares por encomenda, as grandes distribuidoras são beneficiadas pelas editoras com descontos de até 25%, enquanto as pequenas livrarias pagam o valor de capa.

Na vitrine, o consumidor vê a diferença no preço sem dar conta do que ocorre no processo de repasse. Para corrigir tal desequilíbrio, foi criado o projeto conhecido como Lei do Preço Fixo, de autoria da governadora eleita do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT-RN). Entretanto, apesar da aprovação em primeira discussão, em 2017, o texto está parado na Comissão de Assuntos Econômicos.

*Estagiário sob supervisão de Luiz Almeida

Você pode gostar
Comentários