Delegado da Polícia Civil Marcus Vinícius Braga tomou posse na tarde desta quinta-feiraDaniel Castelo Branco/Agência O Dia
Por RAFAEL NASCIMENTO
Publicado 04/01/2019 09:33 | Atualizado 04/01/2019 09:34

Rio - Menos de 24 horas depois de assumir o cago de secretário de Polícia Civil, Marcus Vinícius Braga, empossado nesta quinta-feira, já enfrenta críticas por parte de alguns agentes às mudanças promovidas por ele nas delegacias do estado. Uma delas é a transferência do delegado Brenno Carnevale da 18ª DP (Praça da Bandeira) para a Delegacia de Combate às Drogas (Dcod), que será comandada pelo delegado Reginaldo Felix.

Para vários agentes, Breno foi privilegiado indo para a especializada, uma das mais importantes do estado, após criticar a Polícia Civil, principalmente as investigações do caso Marielle.

É que em junho do ano passado, ele estava lotado na Delegacia de Homicídios (DH) quando divulgou uma carta pedindo desculpas à família da vereadora Marielle Franco, assassinada com o motorista dela em março do ano passado, pela não elucidação do caso e atacando o estado pela precariedade das polícias. A especializada é responsável pela investigação do crime. Nove meses depois o crime continua sem solução.

As declarações geraram um mal-estar no governo do estado, principalmente na Polícia Civil, e Breno foi afastado da unidade. A carta foi divulgada pelo jornal O Globo.

 

Veja a carta

"Carta a Marielle Franco

Marielle, durante quatro anos ininterruptos de minha vida estive diretamente envolvido em investigações de mortes violentas no Estado do Rio de Janeiro. Acumulo em meu coração ardentes cicatrizes que me fazem lembrar mães, pais, filhos, irmãos, maridos, esposas. Todos vitimados pela maldade humana. Foram muitas madrugadas sem repouso. Muitas lágrimas na penumbra da folga. Assisti a muitos sorrisos desmancharem-se diante da morte. Ouvi gargantas secarem de tantos gritos de dor ao verem de perto a fragilidade do ser e deixar de ser humano.

Carregava em meus ombros a pesada esperança do sucesso das investigações, afinal, meu trabalho representava o horizonte pós-tempestade para as famílias aviltadas pela violência. Era pouco, mas era tudo. Não fui herói. Alguns casos foram solucionados, mas a maioria das investigações ainda segue o errante caminho entre Delegacia de Homicídios e Ministério Público, à espera de uma empoeirada prateleira de arquivo onde possa descansar em paz. Ali se abafam os gritos por justiça ecoados pelos parentes e amigos daqueles que passaram a ser apenas mais um nome impresso em uma guia de remoção de cadáver.

Não precisamos de heróis. Mas escrevo-lhe a verdade, Marielle. Poucos se preocupam com as mortes diárias. São muitas as agruras das investigações policiais em homicídios no Rio de Janeiro. As viaturas, por exemplo, estão sucateadas e sem manutenção. A quantidade de investigadores é pífia diante do volume de vidas humanas ceifadas. As escutas telefônicas, quase uma caixa-preta, muitas vezes inacessíveis a alguns delegados. Algumas armas somem, outras não funcionam. Nunca presenciei deputados ou outros poderosos lutando por equipamentos que permitam encontrar evidências durante a perícia no Instituto Médico-Legal. Aliás, esse mesmo instituto não tem impressora para permitir que uma testemunha seja ouvida imediatamente quando vai liberar o corpo de seu ente querido. Sim, muitos veículos apreendidos ficam abandonados e sem qualquer vigilância. Ouse chamar atenção para este fato e a resposta será sempre a mesma: "É assim mesmo".

E, mesmo assim alguns colegas ainda insistem em se apresentarem em impecáveis ternos e gravatas para bradar nos microfones que está tudo em ordem. Heróis? Diante do caos programado, sinto muito em confessar-lhe que a solução de seu caso pressupõe a paralisação de uma infinidade de investigações de outras mortes, pretas e brancas, ricas e pobres, todas covardes. Escolha de Sofia.

Infelizmente não tive a oportunidade de contribuir para a elucidação de sua covarde morte, e me desculpo por isso. Me aprofundei sobre a árdua e interrompida missão que você com êxito cumpriu por aqui e não pude deixar de escrever-lhe para pedir socorro. Socorro pelas investigações das mortes violentas. Socorro por amor ao ser humano que sei que você, Marielle, ainda nutre onde quer que esteja, mesmo em tempos difíceis de intervenção funeral.

Com respeito e afeto, Brenno Carnevale Nessimian".

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