José Antônio Milagre, advogado especialista em crimes digitais, fundador do Instituto de Defesa do Cidadão na Internet (IDCI):
José Antônio Milagre, advogado especialista em crimes digitais, fundador do Instituto de Defesa do Cidadão na Internet (IDCI): "Somos vigiados 24h por dia"Divulgação
Por FRANCISCO EDSON ALVES

Rio - Rastros deixados na internet, na nuvem (o HD virtual hospedado à quilômetros de distância do internauta), pelos assassinos da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, levaram a polícia do Rio ao sargento reformado Ronnie Lessa — ele é apontado como o autor dos disparos — e ao comparsa dele, o ex-PM Élcio Queiroz, identificado como condutor do Cobalt, veículo usado na ação, há um ano. Depois de identificar o aparelho usado pelo suspeito, os investigadores conseguiram, como achar agulha num palheiro, acessar os aplicativos dos acusados.

Os investigadores descobriram ainda que Marielle, o deputado Marcelo Freixo, o general Richard Nunes e delegados, tinham tido endereços, hábitos, agendas e trajetos pesquisados, meses antes do crime. A chamada computação forense havia entrado em cena.

Segundo especialistas, o avanço das técnicas de análise de tráfego cibernético e sistemas operacionais de celulares e computadores permitem a reconstrução de cenários de delitos. E mais: identificam até artefatos e armas usadas em crimes.

"O recurso é empregado a cada dia com mais frequência no Brasil, em todos os tipos de casos, especialmente criminais", ressalta José Antônio Milagre, advogado especialista em crimes digitais, fundador do Instituto de Defesa do Cidadão na Internet (IDCI). O aumento da vigilância de quem acessa a internet, celulares e outros dispositivos eletrônicos, é o que propicia o êxito das investigações, segundo Milagre.

"A expressão 'Grande Irmão' (Big Brother, em tradução literal), surgida na década de 1980, já é plena realidade. "Não há dúvidas. Somos espionados, sim, 24h por dia. Note que depois de uma simples consulta de preços de um produto em algum site, por exemplo, começam a pipocar nas redes sociais, propagandas de uma infinidade de itens alusivos ao que foi pesquisado. É apenas uma fagulha da vigilância a que estamos submetidos", enfatiza Milagre.

As relações humanas, do amanhecer ao anoitecer, requerem transferências de informações cibernéticas, mesmo involuntariamente. "É inevitável. Se os pais publicam a foto do recém-nascido numa rede social, por exemplo, informações do bebê já começam a ser armazenadas em ambiente digital", diz o advogado.

Parte dos 150 milhões de brasileiros conectados hoje às redes sociais (70% da população) é recorrente em deixar marcas na web. Internautas nacionais passam 9h29 em média na internet diariamente, atrás apenas dos filipinos (10h02), segundo o último relatório sobre uso da rede no Brasil e no mundo.

Êxito no garimpo de informações na nuvem

A Polícia Civil do Rio não comenta investigações, mas José Antônio Milagre lembra que no caso Marielle foram analisados 760 gigabytes de imagens de antes, durante e após o crime. As checagens de históricos de navegação começaram nas antenas — Estações Rádio Base (ERBs). Ao todo, 2.428 ERBs no trajeto das vítimas foram rastreadas, entre 33,3 mil linhas. Delas, 318 foram interceptadas, com a checagem de IMEI, o ‘chassi’ de cada celular. O garimpo nas informações na nuvem, por quebra telemática, garantiu o êxito da Operação Lume. Ao salvar conteúdos, o internauta tem dados guardados também na nuvem — a réplica vem sendo padrão nas configurações de equipamentos modernos. Para Marcelo Passos, chefe de Divisão de Informática do Centro Universitário de Volta Redonda (UniFoa), a computação em nuvem é uma revolução na Tecnologia da Informação (TI). “Ampliou políticas de controles, aumentando a segurança tanto para o usuário, quanto para as empresas”, afirma. Familiares, amigos, ativistas e defensores de direitos humanos, porém, classificam os esforços como “vitória parcial”, já que as duas perguntas ainda continuam sem respostas: quem mandou matar Marielle e Anderson? E por quê?.

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