Em vídeos infantis, a boneca Momo aparece induzindo crianças a se automutilarem - Reprodução de vídeo
Em vídeos infantis, a boneca Momo aparece induzindo crianças a se automutilaremReprodução de vídeo
Por Adriano Araújo e Bernardo Costa

Rio - Criados com o único objetivo de gerar pânico coletivo, vídeos em que a boneca Momo, uma espécie de "assombração virtual", aparece no meio de desenhos infantis orientando crianças a se automutilar não devem ser compartilhados pelos pais. Segundo especialistas, quanto menos esses filmes circularem, menor vai ser o alcance deles na internet. Até mesmo a procura pelo termo Momo no Google ou no Youtube deve ser evitada, já que os algoritmos destas plataformas valorizam a quantidade de buscas feitas, aumentando a relevância daquele conteúdo.

Os vídeos que passaram a circular nos últimos dias foram editados para que parecessem um "intervalo" em desenhos e filmes infantis. Neles, Momo dá instruções para que crianças peguem facas ou objetos afiados e se cortem. Não há qualquer relato muito menos provas de que tais desafios foram realmente cumpridos.

As imagens, no entanto, são assustadoras. A começar pela própria Momo, uma boneca com rosto deformado, criada por um artista plástico japonês e que foi desvirtuada por usuários mal-intencionados da internet.

Um dos primeiros relatos sobre a nova aparição da Momo (as anteriores foram ano passado, em mensagens de WhatsApp) foi feito pela professora Juliana Tedeschi. Em entrevista ao DIA, ela contou que recebeu informações sobre o 'Desafio da Boneca Momo' e decidiu conversar com os filhos. Foi quando a caçula, de 8 anos, começou a chorar. "Ela desabou na hora. Foi aí que soube que minha filha já tinha visto a boneca Momo aparecer em um vídeo há tempos, mas nunca nos falou nada com medo de que a Momo fizesse algo conosco. Nos vídeos, a Momo diz para a criança achar algo nas coisas do papai ou da mamãe e se cortar bem fundo. Senão, ela volta e leva os pais".

Segundo ela, a imagem da personagem apareceu para a filha no meio de um vídeo na internet. "Era um dos que ensinavam as crianças a brincar com as massinhas gelatinosas slimes. Esses são os mais acessados pelas crianças. Minha filha viu e não falou com a gente. Mas tem pesadelos e sente medo", disse Juliana.

De acordo com a Polícia Civil do Rio, as pessoas que estiverem por trás desse tipo de manipulação podem responder até pelo crime de homicídio.

Felipe Neto, dono do maior canal brasileiro no Youtube e ídolo de milhões de crianças, publicou ontem um vídeo direcionado aos pais. Segundo ele, não há evidência no YouTube com esse tipo de conteúdo.

Baleia Azul 

Em outro episódio envolvendo esse tipo de crime, a delegada Fernanda Fernandes esteve à frente de uma investigação que resultou na prisão temporária de quatro jovens. Eles foram acusados de serem administradores de um grupo do Facebook dedicado ao 'Desafio da Baleia Azul'. Por meio de ameaças, as crianças e adolescentes eram forçadas a cumprir tarefas que poderiam chegar ao suicídio.

Atualmente responsável pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), o delegado Pablo Sartori tem a mesma interpretação: "Os jovens ficam tão fragilizados e assustados com as ameaças que podem se sentir obrigados a cometer suicídio, obedecendo a vontade do criminoso e não a dele. Por isso, o crime de homicídio", explica.

Ele conta que, desde que assumiu o comando da especializada, em janeiro deste ano, não houve nenhuma denúncia sobre os desafios da 'Baleia Azul' ou da 'Boneca Momo'. "Se algum pai detectar algo nesse sentido, deve procurar a delegacia imediatamente", orienta.

Youtuber Luccas Neto se posicionou sobre o episódio - Daniel Castelo Branco / Agência O Dia

Repercussão: Irmãos Neto 

Os irmãos Neto, dois dos mais populares youtubers do país, se posicionaram sobre o assunto. Felipe Neto descartou a possibilidade da existência de vídeos da Momo no YouTube. E disse estar ocorrendo uma histeria coletiva. Luccas, que possui um canal voltado para o público infantil, disse ter excluído um vídeo com a imagem da boneca. “Eu utilizei a imagem da Momo para ilustrar um dos vídeos que fiz sobre bruxas, com o objetivo unicamente e simplesmente de dizer que elas não existem, que são fruto da nossa imaginação e que não há o que temer”, explicou. Segundo o youtuber, a intenção não era citar a mensagem que ela propaga. “Porém, como eu citei o nome dela, e essa imagem se transformou em algo tão grave e sério, me senti no dever de apagar o vídeo para não dar margem a interpretações e questionamentos equivocados e infundados”, esclareceu.

'Nenhuma evidência'

Em nota, o YouTube se manifestou sobre o assunto. “Ao contrário dos relatos apresentados, não recebemos nenhuma evidência recente de vídeos mostrando ou promovendo o desafio Momo no YouTube Kids. Conteúdo desse tipo violaria nossas políticas e seria removido imediatamente”, explicou a assessoria do portal de vídeos, em nota.

Mecanismo de denúncia 

Ainda de acordo com o posicionamento, a empresa diz ter mecanismos de denúncias de conteúdos impróprios. E recomenda supervisão dos pais para o uso da plataforma por menores de 13 anos. O YouTube esclarece que a imagem da boneca pode até ter aparecido em vídeos, mas em outro contexto. “É possível que a figura chamada de Momo apareça em vídeos no YouTube, mas somente naqueles que ofereçam um contexto sobre o ocorrido e estejam de acordo com nossas políticas”. Para mais detalhes, vale consultar a página sobre Segurança Infantil no YouTube.

Diálogo e cuidado

Celebridades também se posicionaram sobre o caso. “Temos que dialogar muito com as crianças e dar atenção e amor”, comenta a apresentadora Angélica, mãe de três crianças com idades entre 6 e 14 anos. A atriz Regiane Alves, mãe de meninos de 3 e 4 anos, disse ter sido alertada sobre a boneca em um grupo de WhatsApp de mães do condomínio onde mora. “Um filho disse para a mãe que já tinha visto a Momo e que morria de medo de ela aparecer em casa. A gente está muito sem saber como falar porque se eu pergunto, talvez ele nem saiba do assunto. A gente tem que ficar de olho”.

Pais devem ficar atentos aos conteúdos acessados pelos filhos

Psicóloga e terapeuta infantil, Renata Bento afirma que os pais devem estar atentos a tudo que seus filhos fazem na internet. Por ser um ambiente ilimitado, a rede oferece armadilhas que os pequenos não são capazes de mensurar e, muitas vezes, nem explicar.

“Os pais devem se mostrar receptivos e disponíveis ao diálogo, sem se desesperar. Devem buscar entender o que aconteceu. As crianças e adolescentes estão em fase de desenvolvimento emocional e são facilmente influenciados. Essa etapa da vida demanda muita atenção dos pais e da família”, diz.

Ainda segundo a especialista, alguns sinais como isolamento, introspecção, mudança de rotina e dificuldades para dormir, podem ser considerados indícios de problemas. “A supervisão dos pais é indispensável para reduzir a possibilidade de contato com esse tipo de conteúdo. Se houver exposição a esse tipo de crime, deve-se denunciar imediatamente”, alerta.

Apesar do medo diante de tantas ameaças escondidas na rede, a neuropsicóloga Wane Amaral garante que cortar o acesso à internet não é a melhor escolha. “Privá-los de acessar é uma decisão muito complicada. É importante monitorar os aparelhos utilizados, instalar aplicativos que limitem o acesso e filtrem o que é visto. Não é invasão de privacidade, os pais é quem respondem pelos atos de seus filhos”, adverte.

*Colaboraram Fábia Oliveira e Lucas Cardoso 

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