Publicado 30/06/2019 04:30 | Atualizado 30/06/2019 08:50
Rio - Seja em reuniões corriqueiras ou em visitas inesperadas às salas de controle do complexo nuclear de Angra dos Reis, no Sul Fluminense, o engenheiro Jefferson Borges Araújo carrega um lema: 'Não pode gaguejar'. Chefe da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) no município — órgão regulador da atividade no Brasil —, assim, de supetão, ele testa os conhecimentos dos operadores das usinas Angra 1 e Angra 2. A realidade é incomparável à retratada na minissérie 'Chernobyl', que recontou o maior desastre nuclear da história, em 1986, na Ucrânia Soviética. A tragédia foi resultado da falta de habilidade de técnicos envolvidos num teste de segurança e de falhas no projeto.
Uma simulação de queda de energia em Chernobyl provocou superaquecimento e explosão de um reator, matando 31 pessoas em semanas, a maioria no combate ao fogo. A fumaça tóxica se espalhou na Europa, e estima-se que milhares desenvolveram doenças, como o câncer. Os prejuízos foram agravados pela demora do governo em divulgar a gravidade do acidente. A produção do canal 'HBO' trouxe novamente à tona a preocupação com a produção de energia nuclear. Desde a catástrofe, no entanto, uma série de medidas foi implementada em Angra para evitar riscos de vazamento e de contaminação.
Os engenheiros garantem, inclusive, que um evento como aquele é impossível no Rio de Janeiro, já que as tecnologias são distintas. Angra 1 entrou em operação comercial em 1985 e, Angra 2, em 2001. "Pela falta de conhecimento, o técnico (em Chernobyl) desligava o sistema de segurança. Quando ele viu que precisava atuar, tentou usar as barras de controle, que tinham um agravante: a ponta era de grafite, e o grafite ajuda a reação. Em vez de reduzir a potência, aumentava", explica Jefferson Araújo, da CNEN. "O acidente provocou uma enorme fogueira de grafite, que jogou para o ar cinzas radioativas. Um acidente desse tipo é impossível de ocorrer aqui, porque o nosso processo de fissão é controlado com água e não com grafite", ressalta o presidente da Eletronuclear, responsável pelas usinas brasileiras, Leonam dos Santos Guimarães.
Araújo destaca que os reatores de Angra são protegidos com uma sucessão de barreiras que impedem a liberação de material radioativo para o meio ambiente. A primeira barreira são varetas que guardam as pastilhas de urânio utilizadas na produção de energia nuclear. A última contenção é uma estrutura de aço que envolve o reator. Abaixo dela ainda há uma camada de concreto de 70 centímetros de espessura. O espaço aéreo é fechado na região para evitar desastres. Aeronaves que desrespeitarem a norma podem ser interceptadas.
Outros eventos de grande magnitude também estimularam o desenvolvimento de novos protocolos, como os acidentes nucleares de Three Mile, nos Estados Unidos, em 1979, e Fukushima, no Japão, em 2011. Todos levaram a recomendações de melhorias nos procedimentos e tecnologias, inclusive em Angra. "Cada acidente é estudado para ver o que pode ser feito para evitar", comenta o chefe da CNEN.
O complexo nuclear brasileiro é referência em plano de emergência. A cada dois anos é promovido em Angra dos Reis um exercício de evacuação para treinar agentes que atuariam diante de risco de liberação de material radioativo e voluntários que vivem nas redondezas. A próxima atividade será em outubro. O órgão regulador determina a remoção preventiva da população em um raio de no máximo 5 quilômetros, caso seja constatada a possibilidade de vazamento. Estudos apontam que não haveria chance de contaminação após esse limite territorial no pior dos cenários possíveis.
Testes das sirenes são feitos todo dia 10 de cada mês, rigorosamente às 10h da manhã. A população local é avisada por meio de sistemas sonoros de que se trata de testes. Para não assustar motoristas que desconhecem a região, faixas são colocadas nas estradas avisando sobre a atividade.
Obras em Angra 3 serão retomadas em 2020
A produção das duas usinas de Angra equivale a 40% da energia elétrica do Estado do Rio. Com a inauguração de Angra 3 - que está com obras interrompidas desde 2015 em função de indícios de corrupção investigados pela Lava Jato - a Eletronuclear estima que essa taxa subirá para 70%. Iniciada em 1984, a construção já tinha ficado duas décadas paralisada devido a dificuldades econômicas. O estágio físico da obra é de 67%.
Na última semana, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, informou que será definido, no fim de julho, modelo de parceria público-privada (PPP) para promover a conclusão das obras. "Um edital de chamada pública será lançado até o fim do ano. Ainda no primeiro semestre do ano que vem será escolhido o parceiro, para retomar as obras em 2020. O prazo de conclusão é 2026", aponta o presidente da Eletronuclear, Leonam dos Santos Guimarães. Equipamentos comprados para Angra 3 estão preservados em galpões no complexo nuclear, e alguns já são aproveitados nas outras usinas. Estima-se que o gasto para preservar as instalações supera R$ 10 milhões ao ano.
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