Casa onde o PM Fábio Nascimento de Souza, o 'China', foi preso. Ele integrava uma milícia que atuava em Itaboraí - Rafael Nascimento / Agência O DIA
Casa onde o PM Fábio Nascimento de Souza, o 'China', foi preso. Ele integrava uma milícia que atuava em ItaboraíRafael Nascimento / Agência O DIA
Por RAFAEL NASCIMENTO e RAI AQUINO
Rio - A Polícia Civil fez, nesta quinta-feira, uma megaoperação em vários pontos do Rio, Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Rio Bonito para cumprir 74 mandados de prisão contra um grupo paramilitar ligado ao ex-PM e miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica — preso desde outubro de 2017. Entre os envolvidos estão cinco policiais militares, quatro ex-PMs e dois advogados.
A operação acabou com 50 mandados de prisão cumpridos (25 contra pessoas que já estavam presas). O bando é acusado de aterrorizar moradores e comerciantes em Itaboraí há cerca de um ano e meio, garantindo lucro mensal de R$ 500 mil.
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Dos PMs, um já estava preso pela chacina de Itaboraí, que deixou 10 mortos no último dia 20 de janeiro.
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O sargento Fábio Nascimento de Souza, conhecido como China, era um dos principais alvos da operação. Lotado na UPP Borel, ele foi encontrado em casa, em Rio Bonito, e uma pistola calibre 380 que estava com ele foi apreendida.
Dos ex-PMs, estão Alexandre Louback Geminiani, o Playboy, que conseguiu fugir quando os policiais chegaram à casa dele, em Niterói. Ele, que também é uma das lideranças da milícia, pulou do quarto andar de seu prédio e escapou. Uma mulher apontada como companheira dele foi detida no local. O ex-policial é considerado foragido. 
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O porta-voz da PM, coronel Mauro Fliess, disse em coletiva de imprensa que a PM reafirma que não irá tolerar esse tipo de crime: "Através da corregedoria temos um núcleo de combate à milícia".

O PM Fábio Nascimento de Souza (China) - Reginaldo Pimenta / Agencia O Dia
Um dos mandados da Operação Salvator, como foi batizada, foi contra o próprio Orlando Curicica. Em junho do ano passado, o miliciano foi transferido do Rio para um presídio federal em Mossoró (no Rio Grande do Norte). Os agentes também cumpriram 93 mandados de busca e apreensão.
Ao DIA, o delegado Antônio Ricardo Nunes, chefe do Departamento Geral de Homicídio e Proteção à Pessoa (DGHPP), disse que "combater essas organizações criminosas resulta em melhorias significativas na redução da criminalidade, especialmente o número de homicídios no município". Nunes afirmou também que "o DGHPP será implacável com esses criminosos".
Material apreendido na ação - Reginaldo Pimenta / Agência O Dia
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RACHA
De acordo com investigações da Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI), a milícia chegou a Itaboraí há pelo menos um ano e meio. Sob o comando de Orlando Curicica, China e Renato Nascimentos dos Santos, o Natan ou Renatinho Problema, praticavam homicídios, torturas, extorsões, desaparecimento de pessoas e tinham um cemitérios clandestinos. Curicica oferecia armamento e "soldados" para eles e, em troca, recebia um percentual dos valores arrecadados no município.
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Ao chegarem na região, o grupo passou a matar usuários de drogas, pessoas que praticavam pequenos roubos e até mesmo prender traficantes de outras comunidades. O objetivo era expandir o domínio.
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No entanto, no ano passado, houve um racha entre China e Renatinho Problema, quando China deixou o grupo e delatou Renatinho Problema para a 82ª DP (Maricá). Problema foi preso, em dezembro passado, em Guapimirim, durante as investigações do caso Marielle Franco.
"A divisão aconteceu basicamente depois da prisão de um outro PM e provavelmente aconteceu por discordâncias de atuação entre eles; um querendo explorar alguma atividade econômica, ter uma certa tolerância com o tráfico, e o outro discordando dessa parte", explica a titular da DHNSGI, a delegada Barbara Lomba.
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Durante as investigações, que duraram um ano, a DHNSGI descobriu que Curicica colocou Renatinho Problema para expandir os negócios da quadrilha no município.  
AO MENOS CEM MORTOS E FAMÍLIAS COAGIDAS
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Ao menos cem pessoas foram executadas pela milícia em Itaboraí e tiveram os corpos desaparecidos, segundo o Ministério Público. Os investigadores, agora, querem saber se o grupo paramilitar usava um cemitério clandestino para desovar os restos mortais das vítimas. Muitas famílias das vítimas assassinadas pela milícia foram coagidas a não divulgarem ou denunciarem os assassinatos.
Operação foi desencadeada pela DHNSGI - Reginaldo Pimenta / Agência O Dia
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MÃE DE RENATINHO PROBLEMA RECOLHIA LUCROS DA MILÍCIA
A mãe de Renato Nascimento dos Santos, o Renatinho Problema, foi presa em Campo Grande, Zona Oeste do Rio. Maria do Socorro do Nascimento dos Santos recolhia parte dos lucros da quadrilha em nome do filho. O valor era de R$10 mil a R$ 15 mil por mês. Ela entregava parte desta quantia ao filho na prisão.
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A milícia também cobrava mensalidade entre R$1,5 mil e R$ 2 mil de comerciantes.
COMPERJ
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Em Itaboraí, o grupo passou a atuar de diversas formas. Além de ameaçarem e extorquirem moradores e comerciantes — em serviços como exploração de gás, TV a cabo e mototáxi — o bando começou a exigir taxas para empresas que prestavam serviços para o Complexo Petroquímico do Rio (Comperj). A polícia identificou que o grupo cobrava o transporte das empresas que levavam funcionários ao Comperj. Eles ainda atuavam na compra e venda de imóveis da região. 
"Casas tomadas dos moradores eram alugadas e viravam fonte de renda", diz delegado Gabriel Poiava.
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Os milicianos estariam por trás de diversas mortes e desaparecimentos em Itaboraí. Em um primeiro momento, os desafetos do grupo eram mortos e seus corpos deixados à mostra. Por conta das diversas investigações da DHNSGI, o bando passou a matar e desaparecer com os corpos. Alguns milicianos se passavam por policiais civis para praticar os crimes.
"Uma das vítimas foi mutilada, tiraram o coração dela, chegaram a tirar a cabeça e isso demonstra que eles tinham um requinte de crueldade", conta o delegado responsável pelas investigações, Gabriel Poiava Martins conta, sobre uma morte que aconteceu há cerca de três meses. "Alguns deles (dos milicianos) foram indiciados e presos também por crime de tortura".
Mayson César Fidelis de Santana - Reginaldo Pimenta / Agência O Dia

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EXTORSÃO EM ESCOLAS
Uma ligação interceptada em operação contra a Milícia de Itaboraí revela um homem identificado como Thiago coagindo uma diretora de escola a pagar 300 reais por semana ao grupo paramilitar. Ele conta que cobra o dinheiro de todo o comércio e das escolas da região.
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EXPULSÃO DE TRAFICANTES
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De acordo com o Ministério Público estadual (MPRJ), a organização criminosa tinha funções bem definidas, como donos, lideranças, gerência, matadores, recolhedores, soldados e olheiros. O grupo começou a se instalar em Itaboraí no final de 2017 e início de 2018, quando aconteceram os primeiros crimes praticados pelo eles, tais como a cobrança das "taxas de segurança" e "gatonet", especialmente nas áreas de Visconde de Itaboraí, Areal e Porto das Caixas.
Até então, as comunidades eram dominadas pelo tráfico de drogas, com criminosos ligados à facção Comando Vermelho.
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"Existia uma hierarquia bem definida, até uma responsável pela parte financeira da organização", Poiava reforça. "As mulheres, alguma delas, tinham a função de controlar as finanças da organização criminosa e outras teriam a função de recolher as taxas de segurança, que na verdade seriam as extorsões cobradas dos moradores".
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A operação desta quinta contou com pelo menos 300 policiais. Os agentes deixaram a sede da DHNSGI, em Niterói, no fim da madrugada, por volta das 5h. A Corregedoria da Polícia Militar, a Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) e o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado do Ministério Público (Gaeco/MPRJ) acompanharam e deram apoio à ação.
Material apreendido na ação - Reginaldo Pimenta / Agência O Dia