Academias de condomínio: abandonadas após lei obrigar a manter profissionais nas dependências - Fernando Miragaya
Academias de condomínio: abandonadas após lei obrigar a manter profissionais nas dependênciasFernando Miragaya
Por O Dia
Pesquisa do IBGE revela que o Rio de Janeiro é o estado mais sedentário do país. Apenas 19% da população fluminense pratica alguma atividade física. Se depender das autoridades, contudo, esse número tende a diminuir. Com a lei que obriga condomínios a manterem profissionais em suas academias, muitos moradores estão deixando de fazer exercícios.

A alta nos custos com a determinação de se ter um professor de educação física na sala de ginástica do prédio força o fechamento das mesmas ou ainda limita horários. Foi o que aconteceu no condomínio de 60 apartamento de Laranjeiras onde mora o representante comercial Paulo Henrique de Figueiredo Junior, de 47 anos.

Com funcionamento praticamente apenas em uma parte da manhã, ele e a esposa deixaram de usar a academia do local. “Ela ainda tentou nessa nova configuração, mas como os horários são limitados, acabou indo para uma academia fora do prédio, pagando mensalidade”, explica.

Além do custo a mais de quase R$ 30 na taxa condominial, há ainda as despesas com uma academia externa, já que eles não podem usar a que funciona dentro da propriedade do prédio. “Os moradores estão indignados com essa lei, que foi motivo de muita discussão nas reuniões de condomínio”, conta Figueiredo.

Em um condomínio em São Gonçalo, a medida foi mais drástica. A síndica Andrea Notini, engenheira de 50 anos, fechou o espaço que tinha apenas cinco meses dentro do conjunto de casas em Várzea das Moças. Ela tomou a decisão depois de ser autuada por um fiscal do Conselho Regional de Educação Física (CREF1).

Ela conta que os moradores, que tinham adotado novos hábitos, deixaram de fazer atividades físicas. “Com a violência grande nas ruas, ninguém saía de casa para se exercitar. A academia trouxe comodidade. Estava perfeito, até idosos se exercitando. Foi uma onda de saúde que acabou”, lamenta Andrea.

A Lei Estadual 8.070/2018, que prevê tal obrigatoriedade, é criticada por juristas e também por profissionais do setor. O presidente da Associação Brasileira de Academias (Acad Brasil), o ex-nadador e medalhista olímpico Gustavo Borges, diz que a determinação é mais um empecilho no combate ao sedentarismo.

“Uma lei que exige que condomínios têm de ter profissional é atrapalhar, de forma estruturada, a atividade física. Caminhar na praia pode, mas caminhar na esteira do condomínio não pode. Ter uma academia ao ar livre pode, mas dentro de um condomínio não pode. Tem uma série de coisas que atrapalham nosso setor”, critica.

A profissional de educação física e membro da IHRSA (International Health, Racquets ands Sportclubs Association), Monica Marques, cita dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Eles apontam o Brasil como o quinto país mais sedentário do mundo e que sete em cada 10 pessoas no mundo morrem de doenças crônicas relacionadas à falta de exercícios.

Ao mesmo tempo, os estudos do American College of Sports Medicine (ACSM) apontam que o número de pessoas que sofrem de alguma ocorrência cardíaca decorrente do exercício são muito raros: uma ocorrência a cada 2,8 milhões de práticas.

“Toda vez que você dificulta o acesso à atividade física, o sedentarismo aumenta e os custos com doenças crônicas no sistema de saúde, explode. A pior perda com a introdução desta lei é para a população que tinha um lugar seguro e confortável para treinar e deixará de ter. Aqui no Brasil existe esta ideia de que o exercício é muito perigoso, mas perigoso é ficar no sofá”, diz Monica.

O vice-presidente do CREF1, André Fernandes, por meio de e-mail, argumenta que a prática do exercício sem orientação põe em risco a saúde da pessoa. “No intuito de proteger a sociedade e assegurar a qualidade daqueles que buscam a prática do exercício, se torna importante que os condomínios se organizem. Em vinte anos de trabalho junto às academias, como exemplo, o que vimos foi um crescimento do número de estabelecimentos e praticantes. Não temos dúvida que os condomínios vão ganhar muito com a nova lei”.

A recomendação de juristas e entidades é de contestar judicialmente qualquer autuação por parte do CREF1. Os advogados ouvidos pela reportagem apontam que a medida é inconstitucional e questionam até mesmo os poderes do CREF1.

“O limite de atuação para fiscalização do CREF1 é o de verificar se há atividade física sendo orientada por pessoas que não sejam profissionais de educação física. Qualquer atuação fiscalizatória fora desses limites será nula, por ofender a legalidade estrita que deve ser seguida pelo conselho”, diz o advogado Sergio Itagiba, delegado da Comissão de Direito Imobiliário da OAB Niterói.

Monica Marques lembra o lema da campanha da OMS contra o sedentarismo: “Let´s be active. Everyone, everywhere, everyday”, ou “Vamos ser ativos. Todos, todos os dias, em todos os lugares” em tradução livre. “No Rio de Janeiro, infelizmente, estamos na direção contrária. Já somos muito poucos ativos e agora, com esta lei, vai ter gente que nem em casa vai poder treinar mais”, ressalta.