Alunos e professores terão acesso gratuito ao material de estudos - Divulgação
Alunos e professores terão acesso gratuito ao material de estudosDivulgação
Por Waleska Borges
Rio - Fora da escola, com portas fechadas na família, no convívio social e no mercado de trabalho, jovens com sete anos ou menos de estudo (Ensino Fundamental incompleto) são as principais vítimas de homicídios no estado. É o que revela o Atlas da Violência 2019, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O estudo apontou que o total de homicídios de jovens, entre 15 e 29 anos, no estado chegou a 3.328 casos, em 2017. Desses, 76,7% (2.554) tinham até sete anos de estudo. A situação piorou em 10 anos. Em 2007, a taxa era de 74,7% (2.308 casos).

De acordo com Daniel Cerqueira, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, as chances de homens com até sete anos de estudo sofrerem homicídio no Brasil são 15,9 vezes maiores que aqueles com nível universitário. O especialista alerta que a educação é o principal escudo contra os homicídios no país. Segundo Cerqueira, para cada 1% a mais de jovens entre 15 e 17 anos nas escolas, há uma diminuição de 2% na taxa de assassinatos nos municípios.

Daniel Cerqueira alerta que é fundamental investir na juventude, com políticas focalizadas nos territórios mais vulneráveis socioeconomicamente. O pesquisador explica ainda que é preciso garantir condições de desenvolvimento infantojuvenil, acesso à educação, cultura e esportes.

“A escola se tornou um depositário de informações, quando precisava ser um lugar agradável. Logo, o jovem se evade. Com maior desvantagem social, se torna presa fácil para o crime”, conta o especialista, lembrando de uma pesquisa que fez no Rio: “Os jovens contaram que não foram aceitos em muitas escolas, porque eram reprovados e acabaram sendo segregados. Eles enxergam no crime aquilo que dificilmente conseguiriam de outra forma, como bens materiais, respeito e status social”.

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) revela que, em 2018, os jovens fora da escola ou com atraso escolar no Estado do Rio, de 15 a 17 anos, chegaram a 32,3% (221.901) e de 18 a 24 anos alcançaram o índice de 72,3% (1.221.147). Nos casos de evasão, o aluno sai da escola e não é matriculado no ano seguinte. Já no abandono, deixa a escola e retorna no próximo ano letivo. O coordenador do Núcleo de Inteligência do Todos pela Educação, Caio Sato, acredita que é preciso se antecipar à ruptura de vínculos do estudante com a escola. Ele assegura ser fundamental o investimento nas políticas voltadas para a primeira infância, com o início da vida escolar da criança.
Segundo Sato, há necessidade de as escolas terem um novo modelo, mais flexível: “A escola está muito conteudista. O jovem, num ambiente hostil, deixa de se interessar. Ele não enxerga sentido ali”, explicou. De acordo com Sato, a educação pública precisa ter uma política de busca ativa, tentando recuperar o jovem de volta para o sistema educacional e responsabiliza o governo por essa ação.

O Secretário estadual de Educação, Pedro Fernandes, informou que pesquisa interna nas escolas apontou que o principal motivo para a evasão escolar na rede era a falta de professores. Em janeiro deste ano, quando assumiu a pasta, Fernandes disse que o sistema contava com apenas 5% dos tempos de aula completos. Atualmente, esse índice está em torno de 94%.

“Os alunos também disseram que acham as escolas arcaicas e chatas. Estamos investindo em atividades extra-curriculares, como shows de talentos, feira de ciências, exposição de artes. Vamos adquirir 120 ônibus para passeios extraclasses”, adianta. O secretário estadual de Educação informou, ainda, que será feita parceria com a Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec) para oferta de cursos profissionalizantes.

A oficial do Programa de Desenvolvimento de Adolescentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Ana Carolina Fonseca, ressalta que a educação tem papel fundamental na prevenção da violência. Segundo ela, há 2,8 milhões de crianças e adolescentes, com idades entre 04 e 17 anos, fora das escolas no país.

Para a especialista, os gestores da educação devem buscar esses jovens que estão fora das salas de aula. Ela lembra que uma pesquisa feita pela Unicef, no Ceará, apontou dados semelhantes aos do Rio de Janeiro, em 2015: os jovens que foram vítimas de homicídios estavam fora das escolas há mais de seis meses. “No Rio, a violência afeta o acesso à escola, além da permanência e do aprendizado. Isso é inaceitável”, declarou Ana Fonseca.

Nenhum a menos
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Mãe de oito filhos, quatro deles menores, Rute Fagundes, de 48 anos, moradora do Complexo da Maré, sai de casa às 6h e só retorna às 18h. A auxiliar de serviços gerais conta com a escola e uma instituição social para não deixar as crianças na rua. O projeto Nenhum a Menos, que exite desde 2014 na Lona Cultural Herbert Vianna, reúne cerca de 50 crianças e adolescentes, que estavam fora da escola ou corriam risco de evasão.
“Minhas gêmeas, de 12 anos, amam estar no projeto. Para ficar, é preciso ter boas notas na escola”, contou Rute.
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De acordo com a coordenadora do projeto, Inês Cristina Salles, o trabalho é focado na construção do vínculo entre alunos, família e a escola. A proposta inclui melhoria da aprendizagem formal, valorização do ambiente escolar e também apoio de assistência social às famílias. “Ele é realizado na área com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Complexo da Maré. Muitos dos moradores vieram da população de rua e eram usuários de drogas”.
Segundo Inês, os jovens do projeto sofriam de falta de auto-estima, achavam que não iam aprender, se consideravam feios e eram agressivos: “A maioria tinha como base alguma crença racista e de gênero. Se chamavam de “macacos” e as crianças mais velhas precisam tomar conta das mais novas. Estamos conseguindo refazer os vínculos e mudar essa mentalidade”.