Antiga sede da UPP Cidade de Deus, agora desativada: traficantes retomaram local e instalaram até 
um 'Big Brother' - Estefan Radovicz
Antiga sede da UPP Cidade de Deus, agora desativada: traficantes retomaram local e instalaram até um 'Big Brother'Estefan Radovicz
Por Thuany Dossares

Rio - Onze anos depois e nove bases a menos. Esse é o saldo atual do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), inaugurado em 2008 pelo então governador Sergio Cabral. Na época, o político afirmou que a iniciativa seria a solução para o fim do tráfico de drogas, mas isso não ocorreu. O programa chegou a contar com 38 unidades em comunidades do Rio e um efetivo de nove mil PMs, mas, hoje, apenas 29 UPPs ainda resistem.

Esta semana, quatro dessas comunidades em que o programa foi desativado viraram palco de guerras travadas com intensas trocas de tiros, tanto durante operações policiais, quanto em disputas entre traficantes rivais. Na Cidade de Deus, por exemplo, a PM encontrou, na quarta-feira, dia 17, um 'Big Brother' do tráfico, usado para monitorar a favela.
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Para os moradores, que confiavam que a chegada da UPP melhoraria a segurança e as condições de dignidade humana, o sentimento que fica é o de frustração.
O DIA entrou em contato com a Polícia Militar, questionando sobre o estágio atual do programa e perspectivas futuras, mas não recebeu resposta. Na sexta-feira, no entanto, o coronel Rogério Figueredo de Lacerda, secretário de Estado de Polícia Militar do Rio, enviou um artigo à redação, já publicado no site da corporação, em que reconhece que as Unidades de Polícia Pacificadora "sofreram um profundo processo de sucateamento. A perda contínua de recursos humanos e materiais enfraqueceu o programa", escreveu o secretário.
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Ocupação do Alemão
O auge do projeto aconteceu em 2010, com a tomada do Complexo do Alemão. Considerado pelas forças de segurança como o maior reduto do Comando Vermelho e uma das regiões mais violentas do Rio, o conjunto de favelas foi ocupado em novembro daquele ano pelas polícias Militar e Civil, além de militares do Exército.
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"Quando as UPPs chegaram ao complexo, as pessoas tiveram uma sensação de segurança melhor no início, porque imaginavam que seria uma polícia diferenciada, que não viria para fazer operação e tiroteio. Mas com o tempo vimos que era mais do mesmo. Logo após a ocupação ficamos um tempo sem ouvir tiroteios.
Depois, isso voltou a fazer parte da nossa rotina, até em pontos onde antes não era costume. Hoje em dia temos UPP de um lado, o tráfico do outro, e a gente acaba vivendo em meio ao tiroteio, não tem dois dias sem troca de tiros. No formato que está a UPP, eu não sei se deveria continuar, ainda temos muitos tiroteios e a insegurança é constante", declarou um morador do Alemão.
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Vida mais digna
Mais do que segurança, os moradores esperavam que o projeto do governo estadual lhes oferecesse uma condição de vida mais digna, o que também não ocorreu. "Só a Secretaria de Segurança que entrou aqui, e usando a força. As outras (secretarias) não se esforçaram para atuar nas comunidades. Acreditávamos que com a polícia garantindo a segurança, outros servidores viriam. Se, lá em 2010, uma criança de 7 ou 8 anos tivesse tido educação, esporte e cultura, hoje ela não estaria no tráfico. Isso é uma responsabilidade muito grande do Estado", avalia Renê Silva, morador do Alemão e fundador do portal 'Voz das Comunidades'.
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Primeira comunidade a receber uma UPP, o Santa Marta, em Botafogo, era considerado um exemplo a ser seguido. Entretanto, nos últimos dois anos, traficantes retomaram o local e tiroteios voltaram a fazer parte da realidade. Nascido e criado no morro, um recepcionista de 60 anos, que não quis se identificar, aprova o projeto, mas desde que a polícia atue como pacificadora, o objetivo inicial.
"Não tenho nada contra a polícia, sou trabalhador e sempre respeitei. No início foi ótimo, os policiais fizeram vários projetos sociais, mas conforme vai mudando o comando da unidade, o jeito de trabalhar dos PMs vai mudando também. Se a ideia for aproximar a polícia da comunidade, oferecer melhorias para os moradores, sou a favor que continue. O que não aceitamos é o policial que trata os moradores como se fossem bandidos, agindo de forma grosseira, dando tiros no meio da rua. O tráfico nunca vai acabar, infelizmente. Mesmo assim tenho esperanças de que o projeto volte a ficar bom de novo", disse.
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Sem diferença
As baixas de bases do programa aconteceram no Batan, na Vila Kennedy, Mangueirinha, Cidade de Deus, no São Carlos, na Coroa/Fallet/Fogueteiro, no Caju, Cerro Corá e Camarista Méier. Todas foram substituídas por companhias destacadas ou absorvidas pelo batalhão de Polícia Militar responsável pela área.
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"Quando a UPP chegou, esperava um aparato melhor para a vinda de serviços básicos, água encanada. Mas em relação à violência, melhorou bastante, diminuiu o número de roubos. Com a saída da UPP não houve muita diferença para nós, porque ainda tem a companhia destacada", falou um morador do Morro Camarista Méier, no Engenho de Dentro. 
'A derrocada das UPPs começou a partir do caso Amarildo'
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"A derrocada das UPPs começou a partir do caso Amarildo. Problemas de corrupção e violência geraram uma rejeição de boa parte das comunidades. A marca UPP, o nome, foi desqualificado, tanto pela comunidade quanto pela polícia, pelo policial". Esse é o balanço do coronel reformado da PM Robson Rodrigues, que coordenou o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora no período entre 2010 e 2011.
Com conhecimento de causa sobre o programa, coronel Rodrigues vê pontos positivos sobre as UPPs, mas acredita que o projeto deva ser reformulado para voltar a ter eficiência. "Entre 2010 e 2012 houve alguns impactos na redução no crime no Rio, sobretudo nessas áreas das UPPs. Então, de alguma forma houve aspectos positivos, uma nova forma de fazer policiamento em área conflagrada. Mas a polícia precisa se modernizar. Antes, a UPP era para aproximar a polícia da comunidade, agora algumas unidades viraram até companhia destacada, perdeu-se a essência da UPP", analisou o oficial.
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Amarildo: pedreiro foi visto com policiais da UPP antes de desaparecer - Reprodução
Em fevereiro deste ano, a Assembleia Legislativa do Rio promoveu um debate sobre o fim das UPPs. O presidente da Comissão de Segurança Pública e Assuntos de Polícia, deputado Carlos Augusto Nogueira (PSD), participou do evento e afirmou que, se dependesse do Legislativo, o programa seria extinto, já que não atende mais à população e ainda compromete o policiamento em áreas estratégicas.
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"Na nossa opinião, votamos por extinguir porque a UPP deveria vir com diversos outros serviços aliados ao serviço policial, mas não veio", falou o parlamentar.
Para o secretário de Estado de Polícia Militar do Rio, coronel Rogério Figueredo de Lacerda, apesar do reconhecimento de que o programa sofreu um declínio, há uma perspectiva de reverter esse quadro.
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Segundo escreveu em artigo enviado a O DIA, o governo atual pretende "imprimir uma nova trajetória para as UPPs", reestruturando o programa, passo iniciado, segundo ele, pelos gestores do Gabinete de Intervenção Federal. "Concluída essa reestruturação, já demos início à segunda fase. Com apoio integral do governador Wilson Witzel, está em curso a recuperação física das instalações das UPPs, com substituição de contêineres por construções fortificadas de alvenaria, como também a recomposição e requalificação do efeitivo e reposição de perdas materiais - viaturas, armamentos, coletes balísticos", escreveu.
Segundo o coronel, essas ações são "suficientes para demonstrar que o Programa de Polícia Pacificadora precisa ser mantido, fortalecido e, num futuro próximo, expandido", concluiu.
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