Motociclistas fincaram mil pipas nas areias da Praia de CopacabanaDivulgação
Por Lucas Cardoso e Martha Imenes
Publicado 28/07/2019 19:27 | Atualizado 28/07/2019 20:09
Rio - Cerca de 250 motociclistas participaram de ato para alertar sobre os riscos das linhas cortantes em pipas, na manhã de ontem, em Copacabana. A ação começou em uma "motociata" (como uma carreata, só que de motos) da sede da Guarda Municipal, em São Cristóvão, rumo à Praia de Copacabana, em frente ao Posto 5, onde o grupo fincou mil pipas pretas em memória das vítimas das linhas cortantes. Dados da Associação Brasileira de Motociclistas (Abram) apontam que no Brasil são mais de 100 acidentes por ano, sendo que 50% causam ferimentos graves, e 25% fatais, segundo informou a vereadora Vera Lins (PP), autora da lei n° 5414, de maio de 2012, que proíbe a comercialização e uso no município da linha chilena, que contém dióxido de alumínio, quartzo e outros materiais cortantes.
De acordo com a Guarda, que apoiou o ato, é proibido o uso, fabricação e comercialização de linhas chilenas, de cerol (mistura de pó de vidro com cola de madeira) ou de outros materiais cortantes em pipas e raias no Rio. A partir de hoje a Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Municipal colocou à disposição da população o número 08002852121 para denunciar todo o manuseio da linha cortante.
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Além dos grupos de motociclistas, parentes das vítimas das linhas cortantes, como Kelly Silva, de 45 anos, também participaram do ato. Ela é mãe do jovem Kevin da Silva, de 23, que morreu após ser atingido por uma linha chilena, no dia 20 de novembro de 2015, quando retornava para casa de moto na Rodovia Presidente Dutra.
"Essa campanha representa uma vitória muito grande porque coloca a Prefeitura do Rio na nossa luta contra a utilização dos materiais cortantes em linhas. Faz quase quatro anos que perdi o meu filho por causa de uma linha. Estou aqui para mostrar o meu sofrimento. Assim como aconteceu com o Kevin, podem ser com qualquer um. Não precisa estar de moto. Temos casos de pedestres que foram vítimas desse tipo de material", disse Kelly lembrando o caso da menina Eloáh Oliveira de Macedo, de 8 anos, que teve a perna amputada após ser vítima de linha chilena.
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A mãe do rapaz contou ao DIA que ele estava com a noiva na garupa da moto na hora do acidente. Teve apenas tempo de encostar o veículo no acostamento e cair sem vida com o pescoço cortado pela linha. Quem soltava pipa? Não se sabe. Os culpados até hoje não foram identificados.
Para a mãe do motociclista, ações educativas como essa podem mostrar a realidade aos pais, que formarão os novos membros da sociedade. "A mudança tem que começar desde pequeno. Os filhos não aprendem a soltar pipa com cerol sozinhos. Muitas vezes os próprios pais transmitem isso. Se os pais mostrarem os riscos, talvez as coisas mudem". O ato contou com a distribuição de 600 panfletos informativos sobre o risco do uso de linhas cortantes.

"Os pais devem ter cuidado com os filhos, que vão soltar pipa e muitas vezes não sabem que estão usando linhas com cerol. As crianças e os jovens precisam entender que esses materiais são muito perigosos e deixam sequelas nas pessoas, podendo causar a morte e acidentes seríssimos", complementou a comandante da Guarda Municipal, inspetora geral Tatiana Mendes.
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Casos anteriores
Em abril, a menina Eloáh Oliveira de Macedo, de 8 anos, teve uma perna amputada após ser ferida por uma linha chilena.  Ela passava a pé por uma passarela em Realengo, na Zona Oeste, quando foi atingida. 
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Outro caso foi o da projetista Geiza Martins, 38 anos. Quando pilotava sua motocicleta pela Linha Vermelha, Geiza quase virou mais uma das vítimas da linha cortante. Ela conta que, na ocasião, viu crianças soltando pipa no acostamento e ficou apreensiva. Nesse momento, uma linha atravessou a frente da moto. Calçando luvas, Geiza conseguiu minimizar um pouco o estrago, mas seu pescoço foi ferido.

E mesmo instalando antenas nas motocicletas, medida obrigatória no Rio, condutores têm sido feridos constantemente, segundo a Federação de Motoclubes do Estado do Rio de Janeiro. A eficácia dessa lei, inclusive, é contestada por motociclistas, já que não há a garantia de que o equipamento resista às linhas cortantes.

"Há relatos de pessoas que tiveram esse equipamento cerrado pela linha cortante e foram feridas da mesma forma", conta Humberto Montenegro, 50 anos, mecânico. "As antenas são ocas, e não há um teste de esforço que comprove a sua resistência mediante o impacto do fio na motocicleta em movimento", diz. 

Arma sem portador
"A linha cortante é uma arma invisível e que não tem portador", diz o engenheiro e motociclista José Paiva, 62 anos. E, de fato, segundo relatos de motociclistas que em abril compareceram à sede do DIA para discutir o assunto, pessoas soltando pipas nas ruas representam desespero e apreensão. De uso proibido, esse produto tem provocado mutilações, ferimentos e, em alguns casos, até mortes.

"As linhas cortantes representam perigo não somente para quem anda de moto, mas também para quem usa skate, bicicleta e até mesmo para os 'pipeiros', que têm as mãos cortadas com o cerol", disse Paiva.

Inon Ramos, 41, acrescenta: "No dia em que o Poder Público fizer valer a lei, as mortes e os acidentes com a linha param". Uma outra sugestão é do mecânico Aristeliano Ferrão, 39. Segundo ele, é preciso informar crianças sobre o perigo do cerol. "Tudo parte da educação".
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Ofício à Polícia Civil
A vereadora Vera Lins (PP), autora da lei n° 5414, de maio de 2012, que proíbe a comercialização e uso no município da linha chilena, encaminhará ao secretário estadual de Polícia Civil um ofício solicitando maior rigor no combate a comercialização desse produto; além da possibilidade de se programar blitzes em conjunto. De acordo com a parlamentar,  é cada vez maior o número de casos de pessoas que se acidentam com esse tipo de linha.
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"Temos consciência de que a secretaria está atarefada com outros casos, mas creio que seja de grande importância tentar coibir essa atividade que ao invés de trazer prazer, acaba se tornando algo letal para as pessoas e principalmente motociclistas. Não queremos proibir, ou que deixem de soltar pipa, mas essas linhas são verdadeiras armas, pois são compostas por óxido de alumínio e algodão, tendo um poder de corte quatro vezes maior que o do tradicional cerol, que é feito de cola de madeira e vidro", diz. 
Ela informou ainda que para burlar a fiscalização, em alguns casos os primeiros metros do rolo desse tipo de linha não possuem o produto, e que essas linhas são de fácil identificação, pois são comercializadas em rolos grandes e nas cores azul, rosa e vermelho. Para agravar a situação, elas podem ser compradas facilmente pela internet e sem nenhum tipo de informação ao risco que causa à vida humana.
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A lei determina ainda que o infrator, em se tratando de pessoa jurídica, poderá sofrer sanções que vão desde ao pagamento de multa no valor de R$ 2 mil, sendo esse valor acrescido em 50 vezes em caso de reincidência, até o fechamento do estabelecimento. No caso da comercialização da linha chinela em feiras livres ou camelódromo, o proprietário poderá ter sua permissão de funcionamento cassada.