Mãe, pai e irmão mais velho de Gabriel mostram a camiseta que ele vestia quando foi baleado, na Tijuca, na última sexta-feira (9) - FOTOS Gilvan de Souza
Mãe, pai e irmão mais velho de Gabriel mostram a camiseta que ele vestia quando foi baleado, na Tijuca, na última sexta-feira (9)FOTOS Gilvan de Souza
Por Maria Luisa de Melo e Rafael Nascimento
Rio - Depois de longa espera no Instituto Médico Legal (IML) pela liberação do corpo do estudante Gabriel Pereira Alves, de 18 anos, a auxiliar de creche Rosimar Pereira Marçal, de 45 anos, se debruçou sobre o caixão do filho e pediu paz na cidade. O enterro do jovem, morador do Morro do Borel, na Tijuca, aconteceu por volta das 15h30 deste domingo, no Cemitério da Penitência, no Caju. Cerca de 250 pessoas participaram do enterro, entre amigos, familiares, dirigentes do Olaria Atlético Clube, onde o jovem jogava futsal. Durante o velório, amigos leram uma carta escrita por eles como se fosse uma mensagem de Gabriel para os pais.
Gabriel foi morto com um tiro do lado direito do peito, na última sexta-feira, enquanto aguardava o ônibus que o levaria para a aula, na Rua Conde de Bonfim, na Tijuca. Ele estava em frente ao Morro do Borel, onde morava. Segundo a família, Gabriel fazia também curso técnico em Administração. Era para essa aula que ele se dirigia quando foi atingido. 
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Sepultamento do estudante Gabriel Pereira Alves, que foi morto depois de ser atingido no peito na última sexta-feira quando estava em um ponto de ônibus na Tijuca - Gilvan de Souza / Agencia O Dia


"Quando eu via, na TV, as outras mães de filhos assassinados, eu chorava. Eu chorava pelas outras mães de filhos mortos pela violência. Mas nunca imaginei que essa também seria a minha dor", diz. "Meu filho era muito carinhoso. Me abraçava, me beijava e prometia que a gente venceria na vida. Era estudioso e apaixonado por esporte. Queria que a nossa família progredisse e se esforçava para isso", falou.
Ela contou ainda que Gabriel terminaria o Ensino Médio no fim deste ano e tinha o sonho de cursar Educação Física. Ao lado do pai da vítima, Fabrício Moreira, ela expôs a camisa que o filho usava quando foi baleado no ponto de ônibus. Além da marca de tiro, a peça tinha uma mancha de sangue. "Era a blusa que ele usava para ir ao curso". 
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Rosimar Marçal, mãe do estudante - Luciano Belford/Agência O Dia
O pai de Gabriel, Fabrício Moreira Alves, voltou a lamentar o fato de estar sepultando um de seus filhos justamente no Dia dos Pais. "Acho que Deus quis que ele fosse inesquecível. Só posso acreditar nisso. Mas a dor é imensa", lamentou. "Desde que ele tinha 11 anos, eu o levava para os jogos. Sempre acompanhei tudo de perto para realizar o sonho do meu filho. É um absurdo tudo acabar assim", desabafou.
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Segundo o pai, no dia da morte de Gabriel, a favela teve um tiroteio por volta das 6h. O menino, então, esperou a situação acalmar para descer o morro. Só que, ao chegar no ponto de ônibus, por volta das 6h30, foi surpreendido por um tiro no peito. Muito abalado, Fabrício não acompanhou o sepultamento do filho mais velho.  
"Ele e dois amigos fizeram sinal para o ônibus, que parou. Os dois correram para subir no ônibus, mas o Gabriel foi atingido!", relembra a prima da vítima, Michele da Silva Verlinger, 40 anos. 
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Sepultamento do estudante Gabriel Pereira Alves, que foi morto depois de ser atingido no peito na última sexta-feira quando estava em um ponto de ônibus na Tijuca - Luciano Belford
Amigos do jovem cobraram das autoridades mais responsabilidade durante operações policiais.
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"Ele era muito bom jogador, tinha futuro", avalia o treinador do Olaria, Carlos André, mais conhecido como "Carré". O professor acompanhava Gabriel há dois anos. "Independente do que acontecesse onde ele morava, nunca faltou um treino ou chegou atrasado. Sempre foi muito focado e talentoso.  É uma grande perda para todos nós", lamenta ele que, antes do Olaria, já trabalhou com Gabriel em times como a Casa Espanha e o Mackenzie. O presidente do Olaria Atlético Clube, Augusto Pinto, também participou do velório. 
Sepultamento do estudante Gabriel Pereira Alves, que foi morto depois de ser atingido no peito na última sexta-feira quando estava em um ponto de ônibus na Tijuca - Luciano Belford/Agência O Dia
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Homenagem na pele

O soldado do Exército Matheus de Jesus Silva, 19, amigo de infância de Gabriel decidiu prestar uma homenagem para o estudante e tatuou uma frase no braço. "Eterno em meu coração, anjo Gabriel". O rapaz lembra que esse o mínimo que ele pôde fazer para lembrar para sempre de Gabriel, parceiro de amizade e futebol. "Eu estava no quartel trabalhando quando a minha irmã me ligou avisando que o Gabriel tinha sido baleado no peito e havia morrido", lembra o rapaz emocionado.

"O meu amigo estava indo estudar. Não estava metido em coisa errada", disse Matheus. "Até quando? Quantos outros jovens vão precisar morrer pra essa guerra acabar?" desabafou. "Nós crescemos juntos. Jogamos bola muitas vezes na rua. Chegamos a tentar jogar no Flamengo. O meu amigo era apaixonado pela vida e tinha milhares de sonhos", completa o soldado.

Sobre a tatuagem, o rapaz conta como decidiu fazer a homenagem. "Eu estava lá em casa chorando e me veio essa inspiração. Isso aqui é um mínimo que eu posso fazer para homenageá-lo. Não tem dor que vai fazer esquecer o meu irmão", declarou o amigo.
Carta de Gabriel para os pais
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No velório do estudante Gabriel, amigos leram uma carta aos pais do jovem.

Carta de Gabriel para os pais

Oi mãe, oi pai. Tudo bem? Sou eu Gabriel, o filho de vocês. É, eu estou vendo tudo o que meus amigos estão fazendo. Estou vendo toda a confusão na rua e todo o protesto.

Mãe, não fica triste, estou bem. Estou morando com Deus e aqui é lindo. Encontrei amigos meus que partiram antes de mim. Eles estão todos aqui morando com Deus. Eu, só quero pedir obrigado por tudo o que vocês estão fazendo por mim. Quantos amigos, conhecidos e familiares.

(Eu) estava indo para a escola. Não estava traficando, matando, roubando e nem fazendo mau para ninguém. Eu vim para um lugar melhor. Aqui não tem covardia, gente ruim e nem policial covarde. Mãe e pai, vocês não tem noção do quão lindo é aqui no Céu. Deus me recebeu de braços abertos. Aqui eu vou ser bem cuidado.

Fiquei triste pelo fato de não conseguir realizar meu sonho. Mas, Deus sabe o que faz. Ele achou melhor me trazer de volta para o Céu. Ele não quis deixar eu viver a covardia daí debaixo.

Minha blusa suja de sangue, minha mochila no chão e eu caído morto. Cenas que talvez não saia da cabeça de ninguém. Enfim.

Gente, se cuidem. Tomem cuidado aí nesse mundo tão cruel. Vou olhar por vocês daqui de cima. Eu e Deus. Amo muito vocês.