corpo2 - Gustavo Moore
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Por Maria Luisa de Melo
Rio - Um grupo de pelo menos oito PMs segue para uma favela para "averiguar denúncia da atuação de traficantes". Ao chegar lá, se depara com um grupo de quatro a cinco homens, que estaria em "situação suspeita" e teria recebido os policiais a tiros. Para revidar "injusta agressão", os agentes fazem diversos disparos, deixando pelo menos um morto do outro lado. Do lado da polícia, sem feridos nem mortos. Os 109 casos de mortes decorrentes de intervenção policial provocadas por agentes do 7º BPM (São Gonçalo) são parecidos. Em números absolutos, o batalhão é, entre as 39 unidades, o que mais mata no estado do Rio. Ali, os supostos confrontos deixam um morto em dias alternados, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP).
E a letalidade vem crescendo: foram 106 casos no ano passado. Levando-se em consideração a população na segunda cidade mais populosa do estado, o número de mortos em supostos confrontos é de 10 a cada cem mil habitantes. Enquanto no estado a taxa é de seis mortos a cada cem mil pessoas.

Ainda de acordo com o número de mortos em confrontos a cada 100 mil habitantes, o 5º BPM (Centro) é o que tem taxa mais alta de letalidade decorrente de intervenção policial. Este ano, foram 17 mortos a cada 100 mil habitantes.

Para a promotora Renata Bressan, da 8ª Promotoria de Investigação Penal, que atua em ocorrências das 72ª DP (Mutuá), 74ª DP (Alcântara) e 75ª DP (Rio D'Ouro), o crescimento deste tipo de ocorrência em São Gonçalo está atrelado ao colapso da criminalidade na cidade.

"São Gonçalo tem uma criminalidade muito alta. São reações da polícia à prática do crime. Não estou dizendo que a polícia deve matar, mas deve reagir à prática criminal. Quando os policiais são chamados, é para coibir a ação criminosa e muitas vezes são recebidos a tiros", diz a promotora. "Lamento muito a epidemia criminal. Mas eu, que moro próximo a São Gonçalo, entro e saio da cidade para trabalhar, sem saber se sou a próxima vítima", alerta.

Ao analisar alguns boletins de ocorrência, percebe-se que os casos são bem parecidos. Uma ocorrência registrada no dia 21 de maio, mostra que um grupo de PMs do 7º BPM narra que, ao chegar na favela da Central, no bairro Raul Veiga, em Alcântara, foi recebido a tiros. E, ao perseguiu um grupo de homens em um terreno baldio e sem iluminação, matou um dos supostos traficantes atingido por um dos 12 disparos feitos em sua direção. O homem, de cerca de 30 anos e cavanhaque, acabou morto. Nenhum policial foi ferido.

Um outro caso, registrado no dia 4 de julho, se passou no Jardim Bom Retiro. Quatro homens foram "avistados em atitude suspeita" e teriam disparado na direção dos PMs. Um dos agentes revidou com nove tiros, deixando um morto e dois feridos. Os três estariam com revólveres e drogas.

No dia 1º de fevereiro, um outro registro dá conta de que um grupo de policiais, em ação na comunidade do Brejal, no Jardim do Bom Retiro, se deparou com um grupo suspeito. Um deles teria atirado contra o policial com um revólver. O agente revidou com um tiro de fuzil, e o traficante morreu.

Questionada sobre a investigação dos casos, capaz de comprovar se o que houve foi, de fato, legítima defesa ou uma execução, a promotora diz que a maior parte dos casos é arquivado.

"Temos uma ausência de informações pela não contribuição das testemunhas. Em 90% dos casos, as testemunhas intimadas não comparecem e o que temos são depoimentos dos servidores e os laudos da perícia. Geralmente, quem presencia o fato não quer falar", diz.

Diferente do que acontece na capital, em São Gonçalo, as mortes decorrentes de intervenções policiais são investigadas pelas próprias delegacias distritais e não pela Delegacia de Homicídios.
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Para especialista, há abuso de uso da força
Apesar de o 7º BPM (São Gonçalo)ser o recordista em mortes de autoria policial decorrentes de supostos confrontos, foi o 14º BPM (Bangu) que teve maior aumento de casos deste tipo nos primeiros sete meses deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Foram 70 casos a mais este ano. O aumento preocupa especialistas.
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"Anteriormente, tínhamos uma grande letalidade no 9º BPM (Rocha Miranda) e no 41º (Irajá). As altas taxas de letalidade policial são produto de outros dois fatores. É a criminalidade violenta aliada à subcultura policial de confronto armado", avalia o sociólogo Ignácio Cano, da Uerj.
Ainda de acordo com sua avaliação, o crescimento dos casos de mortes decorrentes de intervenção policial são uma clara constatação de abuso do uso da força não só no Rio, como em outros estados.
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A psicóloga Bruna Rodrigues, de 32 anos, atenta para o caso em que inocentes são classificados como criminosos. Foi o que aconteceu com seu primo Cosme de Araújo Aguiar, morto em outubro do ano passado, durante ação da polícia para coibir o roubo de cargas."Meu primo morava no Complexo do Morrão, em Vista Alegre, e saiu de casa para uma entrevista de emprego. Acabou baleado em uma ação da polícia, mas não era criminoso. Tivemos que contratar um advogado para limpar seu nome, que ficou registrado na polícia".