Garotinho era identificado por codinomes em planilhas de propina - Armando Paiva
Garotinho era identificado por codinomes em planilhas de propinaArmando Paiva
Por GUSTAVO RIBEIRO
Rio - O ex-governador Anthony Garotinho era identificado pelos apelidos Bolinha, Bolinho e Pescador nas planilhas de pagamento da Odebrecht no esquema de superfaturamento de contratos licitatórios em Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, quando sua mulher, a também ex-governadora Rosinha Garotinho, era prefeita. Eles foram presos no apartamento do casal, no Flamengo, Zona Sul do Rio, na manhã desta terça-feira, acusados de superfaturar cerca de R$ 62 milhões em contratos para a construção dos programas habitacionais Morar Feliz I e Morar Feliz II durante o mandato de Rosinha, entre 2009 e 2016. Outras três pessoas acusadas de participação no esquema foram presas nesta terça-feira.

De acordo com as investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), que deflagrou a operação Secretum Domus nesta terça-feira, ficou constatado que os procedimentos licitatórios para a construção dos conjuntos habitacionais foram “flagramente direcionados para que a Odebrecht se sagrasse vencedora”. Os bastidores dos contratos foram revelados após declarações prestadas ao MPRJ por dois executivos da empresa, os denunciados Leandro Andrade Azevedo e Benedicto da Silva Junior, em acordo de colaboração no âmbito da Lava Jato. O MPRJ apurou que R$ 25 milhões foram repassados aos ex-governadores a título de propina.

“As investigações apontaram que a sistemática empregada pela Odebrecht possuía a identificação de beneficiários através de codinomes. Segundo os réus colaboradores, os codinomes utilizados para identificar o Garotinho eram Bolinha, Bolinho e Pescador. E, para tanto, constavam tais nomes nas planilhas encontradas. Isso foi alvo também de outros meios de prova que não apenas as planilhas apresentadas pela Odebrecht”, afirmou a promotora de Justiça Ludmila Bissonho Rodrigues em coletiva de imprensa. A origem dos codinomes, no entanto, não foi esclarecida.
O contrato do Morar Feliz I foi celebrado em 2009 para a construção de 5.100 unidades habitacionais e a urbanização de seus respectivos loteamentos, com pagamento do valor inicial de quase R$ 357,5 milhões, além dos aditivos. Em fevereiro de 2013, por acasião da reeleição de Rosinha, foi celebrado o contrato do Morar Feliz II, que previa a construção de 4.574 unidades habitacionais pelo valor inicial de R$ 476,5 milhões. Estudos técnicos elaborados pelo Grupo de Apoio Técnico Especializado (GATE/MPRJ) constataram superfaturamento contratual na ordem de R$ 29.197.561,07 em relação ao Morar Feliz I e de R$ 33.368.684,18 em decorrência do Morar Feliz II, em prejuízo dos cofres públicos municipais.
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Na coletiva de imprensa, a promotora Ludmila Bissonho Rodrigues ressaltou que o Morar Feliz II ficou incompleto e que a qualidade das construções era precária. "Sobre os valores, o que temos apurado até o momento é que o contrato para a construção das casas do programa Morar Feliz I girou em torno de R$ 500 milhões, somados os termos aditivos que foram celebrados ao longo do contrato. E o Morar Feliz II, cerca de R$ 400 milhões com mais os seus termos aditivos. Daí estamos falando em uma cifra total, ou seja, um custo para o município de Campos, em torno de R$ 1 bilhão. Deixando claro que houve uma execução do contrato Morar Feliz I, ou seja, as cerca de 5 mil casas foram entregues, mas no Morar Feliz II houve uma interrupção em contrato e uma inexecução contratual. Cerca de 700 casas apenas foram construídas de cerca de 4.700 previstas para serem construídas", informou Ludmila.
Os outros presos são Sérgio dos Santos Barcelos, Ângelo Alvarenga Cardoso Gomes e Gabriela Trindade Quintanilha. Eles são apontados como intermediários dos repasses indevidos. Sérgio Barcelos é subsecretário estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos de Wilson Witzel, nomeado no dia 19 de agosto, e sua exoneração foi determinada logo após a prisão
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"No que ficou apurado, a solicitação das vantagens se dava em benefício de ambos (Rosinha e Garotinho). Os outros três denunciados figuravam como intermediários desse recebimento, dessas quantias indevidas", disse a promotora Ludmila Bissonho Rodrigues. "Sérgio Barcelos figurou como intermediário do recebimento das quantias indevidas no ano de 2008. Foi o primeiro período em que essas solicitações se iniciaram e se efetivaram, e através da participação dele isso foi possível. O outro preso, Ângelo Gomes, foi o intermediário identificado para o ano de 2012 e a Gabriela Quintanilha, para o ano de 2014", completou Ludmila.
Setor de operacionalização da propina na Odebrecht
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De acordo com Ludmila Bissonho, existia um setor específico na Odebrecht destinado para operacionalizar os pagamentos indevidos, denominado Setor de Operações Estruturadas.  As planilhas entregues pelos réus colaboradores indicavam o codinome do beneficiário direto, valor, data de pagamento e, em alguns casos, a obra vinculada ao pagamento da quantia, como "Casas Campos II". Uma vez determinado o pagamento da quantia espúria, a entrega da vantagem se dava por meio do prestador Álvaro Galliez Novis e da Transportadora Transmar, que levavam o dinheiro, em espécie, até o local acordado.
"As investigações apontaram que, no âmbito da Odebrecht, havia o funcionamento de um setor especificamente destinado para operacionalizar esses pagamentos indevidos, o denominado Setor de Operações Estruturadas. Através desse setor, diversos pagamentos eram autorizados e confeccionadas planilhas em que os pagamentos eram então autorizados e executados através de um prestador, o Álvaro Galliez Novis, e uma transportadora era então responsável por fazer a efetiva entrega da quantia ilícita em favor dos beneficiários, em espécie", destacou a promotora.
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Segundo Ludmila, Álvaro Galliez Novis não configura no mesmo núcleo investigatório, porque já foi denunciado por sua condição de prestador perante o Ministério Público Federal e porque conta com formalização de acordo de colaboração premiada devidamente homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). "Ele exercia a função de, através de sua corretora, a Hoya Corretora, operacionalizar a efetiva entrega dessas quantias ilícitas, valendo-se da transportadora Transmar para que esse dinheiro chegasse aos destinatários finais", acrescentou.
A promotora Simone Sibilio, subcoordenadora do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ) explicou que as prisões preventivas eram necessárias para preservar as investigações.
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"O Ministério Público, ao oferecer a denúncia, fundamentou todos os requisitos pelos quais entendia que a prisão preventiva deveria ser decretada em face dos cinco, e o Poder Judiciário decretou a prisão preventiva. A gente precisa entender que a contemporaneidade do crime praticado e a decretação da prisão preventiva não é o único requisito. Além desse requisito, existem outros que ficaram evidentemente demonstrados, sobretudo a conveniência da instrução criminal. É notório o poder dissuasório que os dois réus (Garotinho e Rosinha) possuem no município de Campos. A instrução criminal, ou seja, o regular andamento do processo, exige a prisão de todos os denunciados para que a colheita das provas em juízo possa se dar livre da indevida ingerência dos acusados nesta instrução criminal", destacou Simone.