A idosa S.B.A. exibe o cartão das videntes: ela tentou resolver tudo sozinha, mas acabou sendo presa  - Gilvan de Souza
A idosa S.B.A. exibe o cartão das videntes: ela tentou resolver tudo sozinha, mas acabou sendo presa Gilvan de Souza
Por Bruna Fantti
Rio de Janeiro - Apoiada numa bengala para amenizar as dores da artrose que afeta seus joelhos, S.B.A., de 76 anos, abre a porta do seu apartamento na Tijuca, Zona Norte do Rio. Foi ali que, num ato de desespero, em 2017, pegou um revólver velho e tentou reaver as joias avaliadas em R$ 40 mil, perdidas durante um golpe aplicado por um grupo de falsas videntes. Acabou presa, acusada de sequestro e ficou três noites no Complexo Penitenciário de Bangu.
Conforme O DIA noticiou ontem, uma investigação da 19ª DP (Tijuca) concluiu que um grupo de mulheres de um centro místico na Rua Pereira Nunes aplicou golpes que atingiram a cifra de R$ 300 mil. Os alvos eram principalmente idosas, que perderam as economias de uma vida inteira. Algumas cediam o dinheiro após convencimento. Outras, por coação. S.B.A. foi uma dessas vítimas.
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A idosa S.B.A. exibe o cartão das videntes: ela tentou resolver tudo sozinha, mas acabou sendo presa - Gilvan de Souza
"Elas prometeram a cura do autismo do meu neto. Meu único neto. Me iludiram que a cura era possível e que precisavam de dinheiro para entidades", contou S.B.A., chorando ao lembrar de como caiu no golpe. Logo na primeira consulta, realizada em março de 2017, a vidente Mãe Valentina pediu R$ 10 mil para realizar um serviço mediúnico. A aposentada afirmou que não tinha a quantia, mas foi convencida a pegar um empréstimo. No mesmo dia, o crédito foi aprovado, e o dinheiro acabou transferido para a conta de uma das adivinhas do bando.
Dois dias depois, Mãe Valentina teria passado o recado do além: era preciso matar um boi e esfregar as joias no seu sangue. "Cheguei a perguntar: matar um boi? Como se mata um boi na Tijuca? Onde vocês vão matar? Mas elas falavam que precisavam das joias e que isso iria curar meu neto. Acreditei. Desesperada a gente se agarra a tudo", relembrou. Foi então que convidou quatro mulheres do bando a irem ao seu apartamento. "Quando abri a caixa de joias elas começaram a brigar. 'Esse brinco é meu', falava uma. A outra puxava o colar de pérolas e dizia 'esse fica comigo'. Vi que era golpe. Como moro sozinha, me tranquei no quarto, fiquei com medo de elas me matarem. Elas foram embora com todas as minhas joias", afirmou ela.
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Plano: Revólver e fita de cetim do robe
Querendo reaver tudo o que comprara no decorrer de sua juventude, bolou um plano: pegou o revólver enferrujado do ex-marido, um oficial da PM aposentado, para intimidar uma das videntes. "Chamei uma delas aqui em casa, falando que tinha mais joias. Quando ela chegou, segurei a arma com uma mão. Com a outra, a bengala. Mandei ela se amarrar na cadeira com a fita de cetim do meu robe e ligar para as outras, mandando elas devolverem minhas joias". A mulher amarrada era Maria Cristina do Nascimento, a Mãe Maria.
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Com a ligação, as mulheres acionaram a Polícia Militar que levaram todos para a delegacia. S.B.A. passou três dias na cadeia, acusada de sequestro e cárcere privado.
Aos prantos, ela relembra como recebeu ordem de prisão na frente das falsas ciganas, na Cidade da Polícia. "Falei tudo para o delegado, que eu era a vítima, que estava desesperada. Que o revólver nem funcionava. Mas ele não quis escutar e me mandou para a prisão", contou. Na cadeia, sem a bengala, teve que ser carregada pelos carcereiros. Dividiu a cela com outras quatro mulheres, que a ensinaram a comer a refeição usando a tampa da quentinha como colher. Agora, tenta na Justiça provar a inocência pelo crime que cometeu.

Vidente se defende
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O Centro Espírita Dona Valentina, onde as denunciadas por estelionato atuavam, foi fechado ontem. O dono da casa pediu o imóvel de volta, segundo uma das denunciadas, Merian Petrovich, que afirma não ter aplicado golpe. "Não sou estelionatária. Não conheço as pessoas que se dizem vítimas, até porque não fiz o atendimento delas", disse Merian, conhecida como Mãe Samira. As outras rés não foram encontradas.

O Ministério Público chegou a pedir a prisão de Maria Cristina do Nascimento, Inaiara Lúcia Farias Gonçalves e Merian Greco Petrovich, mas a Justiça negou. Mãe Valentina faleceu no início do ano. Elas irão responder por estelionato e associação criminosa.