O recém-nascido encontrado debaixo de um carro por um estudante em São Gonçalo, há duas semanas, ganhou vida nova e uma família acolhedora. Enquanto o abandono é investigado, um casal morador do município assumiu a missão de dar teto, amor e dignidade a Pedro em seus primeiros meses no mundo. A confeiteira X., de 28 anos, e o motorista Y., 30, cuidarão do bebê até a Vara da Infância e Juventude decidir se ele seguirá para adoção ou se voltará para a família de origem.
Pioneiro no Estado do Rio, o programa Família Acolhedora de São Gonçalo, lançado em 2010, conta com 21 famílias aptas para acolher crianças de 0 a 11 anos em vulnerabilidade sócio-familiar. Graças ao projeto, Pedro e outras 15 crianças que estão acolhidas por voluntários têm direito a um lar provisório, onde ganham afeto, educação, assistência e aconchego, e não precisam ficar em abrigos até o desfecho dos casos na Justiça.
Pedro está saudável e foi a primeira criança que X. e Y., pais de uma menina de 8 e um menino de 4 anos, acolheram. Hoje com 14 dias de vida, o bebê foi para a casa deles com 4 dias, dois após ter sido abandonado pela mãe com cordão umbilical. O casal estava cadastrado no programa quando viu o caso pela mídia. Os nomes deles serão preservados para proteger a criança.
"Parece que eu o gerei. Consigo identificar quando ele chora e quer mamar e quando espera o banho para relaxar melhor. É uma relação surpreendente. Ver a gratidão em seu olhar é o melhor pagamento que posso receber. Pedro me mostrou que ninguém deveria amar pela metade", conta X.
Crianças vítimas de maus-tratos ou abandono também encontram esperança nos braços do motorista Marcos de Oliveira Justino, 52, e da administradora Lúcia Cláudia Teodoro, 51. O casal entrou para o Família Acolhedora há três anos e estão em seu quinto acolhimento, com um menino de nove meses que nasceu prematuro e passou seus cinco primeiros meses em um CTI, sem visitas. A avó paterna entrou com pedido de guarda e está sendo analisado. “A gente não sabe se a mãe tomou remédio para tirar a gravidez. A criança já sofre desde a barriga”, diz Marcos.
Outro bebê, acolhido pelo casal com 2 anos e 11 meses, aparentava 1 ano de tão desnutrido, com 2,9 quilos e evacuava o dia inteiro. Devido a maus-tratos da genitora, desenvolveu infecção intestinal. A doença não foi tratada e acarretou na perda de 70 centímetros do órgão. Lúcia e Cláudio descobriram que ele é surdo. O pequeno estava no hospital quando uma denúncia o levou para o programa. “Ele só conhecia pão e água. Devia ficar num chão onde comia como bicho. Tinha um corte no supercílio e todos os dentes necrosados. Ele não ficava em pé”, lembra Lúcia. Depois de seis meses com a família acolhedora, o bebê teve a guarda destinada ao pai e à madrasta.
Há quatro anos no programa, a auxiliar administrativa Marcele Ribeiro Taylor, 38, está acolhendo duas meninas, uma de 4 meses e outra de 4 anos. A mais nova é filha de uma moradora de rua dependente química que já teve outras cinco crianças. Todas passaram pelo Família Acolhedora e foram adotadas. “As pessoas têm que se conscientizar, se prevenir mais e pensar no futuro dessas crianças, porque quem sofre não somos nós, são eles”, ressalta Marcele.
Amor livre de apego
Um requisito para ser uma família acolhedora é não querer adotar as crianças. A adoção é impossível, já que o cadastro nacional obedece a uma fila. Os participantes são orientados a não se referirem como ‘mamãe’ ou ‘papai’, devem ter 18 anos ou mais e podem ser solteiros ou casais, incluindo homoafetivos. A renda não é fator para a seleção, já que o município subsidia os custos com a criança. Assistentes sociais, psicólogos e educadores acompanham a rotina nas residências. “O programa tem o objetivo de que essas crianças não sejam colocadas em instituições de acolhimento. Elas ficam em um ambiente de casa e têm todo um acompanhamento pela nossa equipe”, explica a secretária de Desenvolvimento Social de São Gonçalo, Marta Maria Figueiredo.
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