Eduardo Moreira (de branco), Edson Moura, Francisco Ximenes, Evaristo Alves e Sérgio Ferreira: acusados de formarem perigosa quadrilha - Estefan Radovicz
Eduardo Moreira (de branco), Edson Moura, Francisco Ximenes, Evaristo Alves e Sérgio Ferreira: acusados de formarem perigosa quadrilhaEstefan Radovicz
Por Maria Luisa de Melo

Imagine passar quase sete meses encarcerado, acusado de ter estuprado sete mulheres, sem ter cometido o crime. E, após conseguir provar sua inocência através de exame de DNA, ter que mudar de cidade para evitar represálias. Parece ficção, mas o caso aconteceu, em 2014, com o dentista André Luiz Biazucci, hoje com 32 anos. Este é um dos inúmeros episódios nos quais os inocentados após a prisão amargam até hoje as consequências do cárcere por engano provocado por falhas na investigação.

O que aconteceu com André está longe de ser um fato isolado e não para de se repetir. Em 2011, a Polícia Civil prendeu 15 homens, a maioria idosos, acusados de pertencer a um perigoso grupo de milicianos que agia no bairro da Taquara, em Jacarepaguá, na Zona Oeste da cidade. Depois de ampla divulgação do caso e seis meses e 21 dias de prisão, o grupo foi solto. A Justiça inocentou todos eles das acusações de homicídio, enriquecimento ilícito, formação de quadrilha, entre outras. O processo acabou extinto.

Mas foi difícil retomar a vida normal. "Até hoje o sofrimento é muito grande. Em cada lugar que eu vou, sempre acho que estão me apontando e me chamando de miliciano. Acabaram com a nossa vida. Um de nós saiu da prisão maluco. Eu estou fazendo tratamento com psicólogo e vou iniciar também com o psiquiatra. Foi um baque muito grande para todos nós", recorda o aposentado Edson Dias de Moura, de 75 anos.

Preso em dezembro do ano passado acusado de homicídio, Leandro Pereira Rosa, de 23 anos, foi solto depois de sua família reunir provas de que ele estava trabalhando, no Jardim Botânico, no momento em que o assassinato aconteceu. Após dez dias, voltou para casa, por força de uma liminar. Mas nem tudo está resolvido. "Minha sorte foi que no meu trabalho todos me conheciam, sabiam da minha índole. Mas o processo continua", diz.

 

Exame só cinco meses após prisão
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Para o dentista André Luiz, mesmo após a mudança de cidade, ainda não foi possível esquecer o período no cárcere. "O pior de tudo foram as humilhações. Apanhei dos agentes na prisão. Um completo absurdo", relembra ele, que só conseguiu ser liberado depois do resultado de um exame de DNA indicar que o material genético coletado das vítimas era incompatível com o seu. O problema é que o exame só foi feito quando André já estava preso havia cinco meses. "Essas investigações são muito falhas. Lembro quando as vítimas estiveram na delegacia para fazer o reconhecimento. Ligaram para as mulheres dizendo 'ele está aqui, só vir e reconhecer'. Já me condenaram ali"
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Casos são passíveis de indenização
Depois de deixar a cadeia, o dentista André Biazucci teve dificuldade de voltar ao trabalho e ficou três meses parado. O fato foi um dos motivos que o levou a entrar na Justiça cobrando indenização do Estado. O mesmo aconteceu com o grupo de idosos da Taquara, após serem inocentados.
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"No caso de os presos serem inocentados pela Justiça, cabe indenização por danos morais e materiais. São pessoas que passaram meses presas, sem conseguir trabalhar. Muitas, depois de soltas, não conseguem retomar sua vida profissional. É muito grave", aponta o advogado João Tancredo.
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ONG presta atendimento gratuito para vítimas
Voltada para auxiliar presos que tenham sido condenados inocentemente, a ONG Innocence Brasil (www.innocencebrasil.org), de origem americana, auxilia brasileiros desde 2013.
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Para receber atendimento, é preciso submeter o caso à análise da organização. A assistência jurídica é voltada para aqueles cujos processos já tenham sido julgados e haja indícios de falhas.
Mas, antes do julgamento, resta aos acusados recorrerem aos seus advogados de confiança ou à Defensoria Pública.
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Para o advogado João Tancredo, que atendeu inúmeros casos desse tipo, o problema recorrente é provocado não apenas por falhas de investigação. "O problema começa na investigação mal feita e equivocada. Mas é continuado no Ministério Público, que inúmeras vezes pede prisões sem provas. A Justiça, por sua vez, concede as prisões", avalia.
Elizete Perez sabe bem como todo esse caminho é tortuoso: à reportagem de O DIA, ela mostrou parte dos documentos que ajudaram a escrever a liberdade de seu marido, Edson Moura.
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O Tribunal de Justiça do Rio informou à repórter que não dispõe de estatística sobre presos que são inocentados.
Procurada para comentar as falhas nas investigações, a Secretaria de Polícia Civil informou que as prisões são baseadas em provas colhidas durante as investigações. E que os pedidos de prisão são submetidos ao Ministério Público, com a decisão cabendo ao Poder Judiciário.
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