Lígia Ferreira, 41 anos - Arquivo Pessoal
Lígia Ferreira, 41 anosArquivo Pessoal
Por Natasha Amaral
Rio - Em um país miscigenado, com mais de 50% da população autodeclarada negra, denúncias de racismo continuam constantes e engrossam tristes estatísticas. O caso mais recente é o da Ligia Ferreira, de 41 anos, que foi atacada com insultos racistas na saída do NorteShopping, no Cachambi, na Zona Norte do Rio, na tarde de quinta-feira, e foi desencorajada a registrar ocorrência após o crime. "É uma coisa triste, sou uma mulher de 41 anos, mãe de dois filhos negros, gestora da minha família. Nós aprendemos a conviver com o peso do olhar alheio, a gente se blinda quando não deveria, quando é explícito assim não podemos aceitar. Eu tenho o mesmo direito e preciso que ele seja respeitado mas, infelizmente, é preciso ir pra rede social pedir respeito", conta.

As agressões aconteceram no momento em que Lígia aguardava uma amiga na frente do shopping. "Foi tudo muito rápido no que se refere ao momento da agressão. Eu tinha acabado de sair do trabalho e estava na porta do shopping esperando uma amiga. Minha cunhada, que mora na Região dos Lagos, me ligou e disse que meu sobrinho perdeu um documento. Em determinado momento, eu gritei: "poxa, caraca, meu Deus, que trabalho". Aí essa cidadã passou por mim e me encarou. Eu fiz sinal que não estava falando com ela e a mesma começou a gritar e me xingar de 'macaca'", relata a vítima.

"Eu não tive reação, não respondi ela, não finalizei a ligação, eu fiquei paralisada. As pessoas que estavam ao nosso redor começaram a se incomodar e chamaram ela de racista. Foi aí que ela entrou no shopping e eu, em um momento de lucidez, fui atrás de um policial". Lígia conta que foi até a uma cabine policial e, sem sucesso, voltou ao shopping. "Na cabine eu disse "acabei de ser vítima de um racismo" e o policial disse que eu tinha que ligar pro 190. Voltei para o shopping e encontrei a Nathália, que é a testemunha. Ela contou que a agressora estava escondida no banheiro e que tinha chamado os seguranças. Após cerca de 40 minutos ela saiu do banheiro, foi levada pelos seguranças e agrediu a Nathália que estava filmando".

Os envolvidos foram encaminhados para a 23ª DP (Méier) e, no local, Lígia contou que um dos agentes reconheceu a agressora. "Ele olhou pra ela disse: 'você aqui de novo?'. Eu não sei em qual circunstância, mas ela já esteve ali. Por conta do horário, tivemos que seguir para a 21ª DP (Bonsucesso) para realizar o registro da ocorrência".

Já na 21ª DP, a vítima conta que foi desencorajada a todo momento a não realizar o registro da ocorrência. "Chegando na delegacia, eles falavam que não ia dar em nada. Ela começou a falar sozinha e eles falavam que ela era tão vítima quanto eu. Eu sofri o racismo, a vítima sou eu, ela precisa de tratamento se for constatado, mas isso não abona uma pessoa passar na rua, cometer um crime e seguir. Desencorajam a realizar uma ação que é direito nosso como cidadão. Isso precisa ser freado. Se ela realmente tem algum distúrbio, agora ela pode ser tratada e outras pessoas não vão passar por isso".

Questionada sobre a situação, a consultora de relacionamento finaliza: "Eu acordei vazia, a gente se sente muito diminuída. Falta gentileza nas pessoas, falta amor. Não julgue meu caráter pela cor da minha pele. A sociedade é sem cor e nós negros fingimos que não temos e vamos levando na raça. É preciso denunciar".
Procurada, a Polícia Civil ainda não se pronunciou sobre as declarações de Lígia. Anteriormente, a instituição apenas confirmou a prisão em flagrante da agressora (leia abaixo).
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O caso
Uma mulher foi presa em flagrante, na tarde de quinta-feira, após cometer injúria racial contra outra mulher em frente ao NorteShopping, no Cachambi, na Zona Norte do Rio. Segundo relatos, Luciene Braga, de 33 anos, chamou Lígia Ferreira, 41, de "macaca mal educada" enquanto esperava uma amiga na porta do local. Parte das agressões foi filmada por uma testemunha e divulgado nas redes sociais. Na plataforma, um internauta acusou Luciene de ter cometido o mesmo crime em Caxias, no ano passado. Confira o vídeo:
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De acordo com a Polícia Militar, uma equipe do 3º BPM (Méier) foi acionada para checar uma ocorrência de possível injúria racial em um shopping na Avenida Dom Helder Câmara. Chegando ao local, os policiais ouviram as duas mulheres envolvidas e conduziram para a 21ª DP (Bonsucesso) para esclarecimento dos fatos.
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Em nota, a Polícia Civil informou que "uma mulher foi presa em flagrante pelo crime de racismo. A vítima, autora e uma testemunha prestaram depoimento na unidade policial e a acusada foi encaminhada para o sistema prisional".
Procurada, a assessoria do NorteShopping disse que "o ato ocorreu fora do shopping e repudia qualquer ato de discriminação e preconceito. Defendemos em nosso espaço um ambiente de diversidade e inclusão. Estamos à disposição da polícia para colaborar com as investigações".
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A reportagem tenta contato a defesa de Luciene Braga.