Alexandre Patrocínio, na UPA Campo Grande 1 - Mendanha, aguarda transferência do tio para um leito de covid-19 - Reginaldo Pimenta / Agencia O Dia
Alexandre Patrocínio, na UPA Campo Grande 1 - Mendanha, aguarda transferência do tio para um leito de covid-19Reginaldo Pimenta / Agencia O Dia
Por Gabriel Sobreira
Um dado alarmante e que expõe à luz do dia o nível de saturação do sistema de saúde na Cidade do Rio de Janeiro. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, em todos os hospitais públicos da capital - não apenas nas unidades da rede municipal - há 1.105 pessoas na fila da regulação de leitos, aguardando vaga dedicada à covid-19. O desespero e angústia dos familiares desses pacientes só se agrava ao ouvirem falar sobre a possibilidade de aplicação de um protocolo para orientar médicos na hora de definir quem terá direito a uma internação digna.
"Acho ridículo isso. É uma falta de humanidade. Como vão deixar alguém morrer?" questiona, indignado, o vigilante Alexandre Patrocínio, cujo tio, de 51 anos, espera por uma vaga de UTI. "Eles fazem juramento de que, enquanto tiver vida, tem que lutar por ela. Não importa se tem 20 ou 200 anos", diz Patrocínio, que é morador de Campo Grande, bairro com maior número de mortes atualmente no Rio. Também de Campo Grande, Matheus Azevedo faz coro: "Todos nós temos direito à vida. Não importa se é criança, cardíaco", defende ele, que é bombeiro civil.
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O Sindicato dos Médicos do Rio (Sinmed-RJ) explica ser possível ter leitos para todos. "Por meio de requisição administrativa dos leitos privados, como outros países fizeram, leitos de hospitais militares, ativação dos leitos municipais, estaduais e federais. Está faltando diálogo. Eles querem fazer protocolo para priorizar quem vive e quem morre sem antes esgotar outras medidas essenciais", reforça, Alexandre Telles, presidente do Sinmed-RJ.
Sem prazo
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O protocolo que deverá auxiliar médicos numa eventual escolha por pacientes, em caso de falta de leitos de UTI, ainda não tem data para sair no Diário Oficial. "Ficou escancarada a maneira como foi construído na primeira versão. Não foi democrático. Diversas entidades, inclusive da bioética, não foram consultadas", avalia Telles.
Segundo Sylvio Provenzano, presidente do Conselho Regional de Medicina (Cremerj), uma categoria foi retirada do documento da Secretaria estadual de Saúde: "Tiramos o critério de faixa etária, acima de 60 anos, que seria um absurdo".
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De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde, o documento estabelece, em conjunto com vários órgãos, entre eles o Cremerj, uma análise de protocolos que estão sendo utilizados em países como Espanha e Estados Unidos. "A SES reafirma, ainda, seu compromisso com ações que busquem evitar o maior número de óbitos", defende a pasta, por meio de nota.
O protocolo deverá levar em consideração o histórico clínico, nível de oxigenação, a pressão arterial, o nível de plaquetas no sangue, doenças pré-existentes (câncer, insuficiência cardíaca, complicações pulmonares, doenças hepáticas e doenças renais) e a percepção do médico.
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Defensoria Pública pondera sobre protocolo
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro diz que até terça-feira (05/05) houve 100 pedidos de internação para covid-19, sendo que apenas dois não foram atendidos. Um foi indeferido por falta de documentos essenciais no processo, outro por um agravo de instrumento.
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Para Alessandra Nascimento, subcoordenadora de Saúde e Tutela Coletiva da Defensoria Pública, precisaria de análise técnica para discutir o protocolo. Contudo, ela diz que, em tese, todos têm direito ao leito. "E lutamos para isso", defende ela.
Para a subcoordenadora, ninguém deveria ser deixado para trás. "Mas como compatibilizar a demanda em excesso com anos de ausência de investimento adequado no SUS?", questiona. Alessandra explica que inconstitucional é a falta de proteção ao SUS e à vida. "Apenas uma análise técnica é capaz de apontar os erros do protocolo, neste momento", avalia.

Segundo ela, os hospitais privados da capital também estão com sua capacidade quase esgotada. "Há unidade com mais de 90% de taxa de ocupação para CTI. Contar com o privado nesse momento acaba descobrindo sempre algum indivíduo. O que deveria fazer era ampliar leitos. Mas esse aumento foi muito tímido, até agora. E hoje estamos praticamente sem leitos públicos e privados livres. A requisição de leitos privados é oportuna quando há leitos ociosos. Mas esse não e o caso da capital fluminense. Talvez ainda possa ser no interior", afirma a subcoordenadora.
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'Não será diferente para quem tem plano'
O cenário para os hospitais privados no Estado do Rio não é nada positivo, segundo previsão da Associação de Hospitais do Estado (Aherj): em menos de duas semanas, todos os leitos da rede privada estarão ocupados. Hoje, a taxa gira em torno de 93%. 
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De acordo com Leonardo Barberes, do conselho-diretor da Aherj, a longa permanência de pacientes no CTI e a baixa adesão ao isolamento social são alguns dos fatores. "O quadro do paciente com coronavírus é arrastado, apresentando baixa rotatividade na troca de leitos. A pessoa fica de 10 a 15 dias no respirador. E, diante da diminuição do isolamento social, o sistema se encaminha para um transbordamento", afirma.
Para ele, nos próximos dias o cenário deve se agravar. "Daqui a 10 ou 15 dias deve ser catastrófico. Não muda muito o fato de quem conta com um plano de saúde, pois vão faltar leitos e também profissionais da saúde", disse ele. Uma saída seria contar com leitos vindos de outros estados, mas Barberes tem dúvidas se os governos cederiam. 
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Segundo estudo da Aherj, a capital fluminense tem uma carência no número de médicos por habitantes. A média da OCDE é de 3,44 por 1 mil habitantes. Enquanto isso, o Rio chega a 2,07. O estudo também aponta a diminuição de 10 mil leitos no sistema, de 2010 a 2018.
* Por Marina Cardoso
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