Thais Bernardes é jornalista, assessora de imprensa e idealizadora do portal Notícia Preta - Divulgação
Thais Bernardes é jornalista, assessora de imprensa e idealizadora do portal Notícia PretaDivulgação
Por Natasha Amaral
Rio - Nos últimos dias, o mundo foi tomado por manifestações antirracistas a partir do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). Desencadeada pelo assassinato de George Floyd, nos EUA, e a morte do menino Miguel, em Recife, a comoção internacional impulsionou o portal "Notícia Preta" e fez com que a página passasse dos 60 mil acessos semanais para mais de um milhão em menos de dois dias. Idealizadora do site – que conta com 23 jornalistas negros e voluntários, em nove estados do Brasil – a jornalista Thais Bernardes contou ao DIA como surgiu a ideia e a importância de racializar a informação – processo de atribuir identidades raciais a uma prática social.
"O portal existe desde novembro de 2018. Eu era coordenadora de comunicação de Direitos Humanos do estado e as demandas eram sempre relacionadas à violência nas favelas. Quando comecei o projeto, tudo que saía na mídia eu reescrevia com a escrita antirracista. Por exemplo, dizer que alguém tem antecedentes criminais não significa nada. O antecedente pro povo preto é como uma marca de gado, fica muitas vezes subentendido algo pelo qual ele já pagou. Infelizmente, nesse jornalismo tradicional, acabam dando a versão da polícia. Tem que manter os dois lados sempre, mas tem que ter um cuidado linguístico", contou Thaís.
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Segundo a jornalista, a informação racializada tira o cunho pejorativo do povo preto. "Quando eu trabalho uma informação racializada, eu faço com que o leitor entenda a situação dentro de uma linguagem antirracista. Quando falam que a polícia invadiu uma casa no morro, ninguém diz que foi sem mandado, e aí normalizam essa ação. O portal foi criado para trabalhar um jornalismo que não seja racista e pejorativo. Fazer jornalismo antirracista é, sobretudo, uma ação educativa, pois reforça a importância do respeito entre as pessoas e reduz os casos de preconceito".
Em menos de uma semana, os acessos ao portal passaram de 60 mil semanais para mais de um milhão em menos de dois dias. Para a idealizadora, os recentes casos de racismo impulsionaram a procura pelo site. "Por termos colaboradores espalhados pelo Brasil, nós demos antes de todos os veículos. Depois que soltamos, viralizou e foi aí que congestionou o site. Essa sequência de casos gerou um debate na sociedade e isso refletiu no consumo de mídia. Foi nessa sequência de se perguntarem como ser antirracistas que foram em busca desses jornais e caíram no Notícia Preta", contou Thais, que complementou falando sobre a importância de ter colaboradores espalhados pelo Brasil: "Essa divisão geográfica faz com que consigamos cobrir diversas manifestações. Temos um repórter em alagoas, tocantins, e em outra regiões. No Norte, a pauta dos quilombolas é muito forte e passa por questões de terra, de reforma agrária. A gente consegue cobrir tudo".
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Além de racializar a informação, o projeto tem como objetivo dar visibilidade aos jornalistas negros. De acordo com Jéssica Andrade, de 27 anos, colaboradora do Notícia Preta, o portal é uma mídia que está fazendo barulho nas redes e dando voz aos pretos. "Sou uma estudante desempregada. Exercer a função de jornalista com tanta gente experiente é muito importante para a vida profissional que eu quero, para o meu futuro. Fazer parte deste projeto é muito importante, me traz um prazer enorme. Eu espero que, não só nesse momento, futuramente as pessoas comecem a consumir a mídia preta, a colocar mais jornalistas negros em seus canais de comunicação".
Embora o portal seja de comunicação antirracista para a não reprodução de preconceitos e estereótipos, comentários e ataques de ódio acontecem nas redes sociais da página. "Ataques acontecem todos os dias, a maioria falando que somos racistas e que a gente segrega, que a gente que separar preto de branco. Quando você faz um trabalho voluntário e alguém te ataca, isso vai te minando machuca. Várias vezes eu já pensei em parar, fiquei dois dias sem publicar, com medo de ser atacada. Mas aí eu penso, meu filho vai ser xingado ou luto e faço algo pra ele não ser", desabafou Thais.
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"Ser antirracista é uma prática diária, que todo esse movimento sirva para fomentar os projetos negros. O branco sempre tem o protagonismo, ser antirracista é entender o seu lugar e como você pode colaborar. Consumindo o portal você está dando visibilidade para 23 jornalistas e toda uma população", finalizou.
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