Publicado 02/06/2020 16:10 | Atualizado 02/06/2020 21:09
Rio - A influenciadora digital Larissa Busch, de 24 anos, admitiu ter fraudado o sistema de cota racial na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em uma longa postagem em seu perfil no Instagram, nesta terça-feira (2). A jovem, que é branca, ingressou na instituição de ensino no curso Comunicação Social, no segundo semestre de 2014, na modalidade que contemplava "candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas independentemente da renda".
"Em 2014, seis anos atrás, fiz a pior escolha da minha vida e estou aqui para falar sobre ela com toda culpa que carrego. Entrei na universidade me autodeclarando 'parda'. Sim, isso é horrível e não tem um dia que não pense nisso. Há muito tempo guardo essa vergonha dentro de mim e por mais que me sinta triste que o episódio mais sujo da minha vida esteja se tornando público, no fundo sempre soube que esse dia iria chegar", disse Larissa em um trecho do texto.
O pedido de desculpas da produtora de conteúdo, no entanto, aconteceu após a repercussão de uma publicação dela sobre o movimento antirracista #VidasNegrasImportam — ato em resposta ao racismo e à violência policial praticada pelo Estado, nas periferias do Brasil e no mundo, contra a população preta, que segue acontecendo e aumentando nos últimos tempos mesmo em meio à uma pandemia.
A jovem, que também trabalha como DJ e faz eventos de diversas marcas, passou a receber diversas críticas em seu perfil no Instagram. Primeiro, ela apagou o post em que falava sobre o racismo. Porém, as críticas persistiram e a jovem chegou a desativar sua conta na rede social. Até a publicação desta reportagem, Larissa já havia perdido quase 3 mil seguidores.
'Achava que minha ancestralidade negra me justificava parda
Nesta manhã, a influenciadora compartilhou o seu posicionamento sobre o episódio. "Por mais absurdo que pareça, aos 18 anos, eu achava que minha ancestralidade negra me justificava parda. Acreditava que ter uma bisavó negra me tornava não-branca. Eu estava errada. Minha ancestralidade NÃO me torna parda. Eu sou uma mulher branca e tive muitos privilégios por isso", comentou a DJ, em outro trecho da postagem no Instagram.
Para Thamy Lopes, jornalista e militante do movimento negro, o pedido de desculpas de Larissa é problemático. "É muito complicado, ela utilizar da questão da ancestralidade para justificar a entrada na universidade. Porque basta ver o que ela representa. Ela representa a imagem de uma mulher branca e é mais complicado ainda, ela usar a questão da avó para se colocar numa posição. Quando na verdade, ela está tirando a vaga de outra pessoa negra", afirma a fundadora do canal Favelize-se.
"O objetivo dela era ocupar uma vaga, que teoricamente era para ser ocupada por uma pessoa negra, que passa por diversas desigualdades sociais oriundas do racismo", completa a jornalista.
Thamy destaca que a questão da cor no Brasil é diferente dos Estados Unidos, por exemplo. "Lá vigora a regra de uma gota de sangue. Então, se você tiver um pai negro e uma mãe branca, você não vai ser lido como branco. No entanto, aqui no Brasil, você pode ser lido como branco e vai ser socializado como branco. E isso significa que você vai ter mais privilégios por isso."
Ainda segundo a publicação de Larissa Busch, ela abandonou a graduação na UFRJ dois anos depois "por não conseguir carregar o peso da culpa". Ao O DIA, colegas de turma da influenciadora disseram, porém, que ela deixou o curso por querer se concentrar na produção de conteúdo para as redes sociais.
Questionada, a UFRJ informou que Larissa não tem matrícula na universidade desde 2018. "A regra que garantia o acesso à UFRJ na época foi cumprida - autodeclaração. Não houve quaisquer denúncias com relação a esta ex-aluna, especificamente. As denúncias recebidas passaram a ser apuradas a partir de 2019 e a nova gestão da UFRJ, empossada em julho de 2019, passou a heteroidentificar os estudantes a partir de 2020, justamente para evitar fraudes nas ações afirmativas", informou a assessoria da instituição.
Procurada, Larissa não quis comentar o episódio. O DIA reforça que o espaço está aberto para a manifestação da influenciadora.
Confira a publicação de Larissa Busch na íntegra
Em 2014, seis anos atrás, fiz a pior escolha da minha e estou aqui para falar sobre ela com toda culpa que carrego. Entrei na universidade me autodeclarando "parda". Sim, isso é horrível e não tem um dia que não pense nisso. Há muito tempo guardo essa vergonha dentro de mim e por mais que sinta triste que o episódio mais sujo da minha vida esteja se tornando público, no fundo sempre soube que esse dia iria chegar.
Antes de qualquer coisa, eu quero pedir desculpas para as pessoas que realmente deveriam preencher a vaga. Quero pedir perdão também para todas as pessoas negras e minorias que lutaram/lutam para que um sistema como as cotas, que busca justiça social, tenha sido criado. Eu me sinto muito envergonhada, mas estou aqui para assumir o meu erro. Se não puderem me perdoar, entendo perfeitamente. O erro foi grande e eu eu sei. Queria também me desculpar à todas as pessoas próximas, amigos e família, à quem nunca contei isso antes.
Por mais absurdo que pareça, aos 18 anos, eu achava que minha ancestralidade negra me justificativa parda. Acreditava que ter uma bisavó negra me tornava não-branca. Eu estava errada. Minha ancestralidade NÃO me torna parda. Eu sou uma mulher branca e tive muitos privilégios por isso.
Dois anos depois, em 2016 abandonei o curso, justamente por não conseguir carregar o peso dessa culpa. Eu não me formei na universidade, abri mão do diploma porque sabia que não merecia estar ali. Claro, isso não exime o meu erro e NÃO quero receber palmas por isso.
Essa é a minha parte mais feia, imoral e suja. E agora vocês estão encarando ela.
A Larissa de 6 anos atrás já aprendeu muito nos últimos anos e eu estou disposta a seguir aprendendo. Estou disposta a abrir mão dos meus privilégios e continuar lutando pelas causas que acredito mesmo sabendo que dos erros irreparáveis que cometi. Mesmo sabendo que a internet não perdoa, espero continuar aprendendo com esse erro, agora público.
Antes de qualquer coisa, eu quero pedir desculpas para as pessoas que realmente deveriam preencher a vaga. Quero pedir perdão também para todas as pessoas negras e minorias que lutaram/lutam para que um sistema como as cotas, que busca justiça social, tenha sido criado. Eu me sinto muito envergonhada, mas estou aqui para assumir o meu erro. Se não puderem me perdoar, entendo perfeitamente. O erro foi grande e eu eu sei. Queria também me desculpar à todas as pessoas próximas, amigos e família, à quem nunca contei isso antes.
Por mais absurdo que pareça, aos 18 anos, eu achava que minha ancestralidade negra me justificativa parda. Acreditava que ter uma bisavó negra me tornava não-branca. Eu estava errada. Minha ancestralidade NÃO me torna parda. Eu sou uma mulher branca e tive muitos privilégios por isso.
Dois anos depois, em 2016 abandonei o curso, justamente por não conseguir carregar o peso dessa culpa. Eu não me formei na universidade, abri mão do diploma porque sabia que não merecia estar ali. Claro, isso não exime o meu erro e NÃO quero receber palmas por isso.
Essa é a minha parte mais feia, imoral e suja. E agora vocês estão encarando ela.
A Larissa de 6 anos atrás já aprendeu muito nos últimos anos e eu estou disposta a seguir aprendendo. Estou disposta a abrir mão dos meus privilégios e continuar lutando pelas causas que acredito mesmo sabendo que dos erros irreparáveis que cometi. Mesmo sabendo que a internet não perdoa, espero continuar aprendendo com esse erro, agora público.
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