Publicado 05/06/2020 17:02 | Atualizado 27/07/2020 16:17
Rio - Na última terça-feira (2), as redes sociais foram tomadas pela campanha Blackout Tuesday (traduzido do inglês "terça-feira do apagão") — manifestação virtual em apoio aos protestos antirracistas do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). A carioca Carmel Rio foi uma das empresas que aderiram ao protesto e compartilhou no Instagram, uma imagem preta com a legenda: "Nós acreditamos que qualquer forma de racismo e um ataque violento, e quando um de nós e atacado, todos somos". A publicação, no entanto, passou a receber relatos de ex-funcionárias sobre preconceitos raciais e assédios morais sofridos no escritório e fábrica, do negócio comandado por Cristiane Rezende, em São Cristóvão, na Zona Norte do Rio.
Os comentários dos ex-colaboradores foram apagados da publicação. Porém, influenciadoras e consumidoras da marca de moda passaram a questionar a empresa, que se posicionou na rede social nesta quarta-feira (4). No pronunciamento, a Carmel disse "sofrer ataques infundados", afirmou ter um "canal de comunicação aberto com todos que de alguma forma trabalharam na empresa" e argumentou que "a cultura do cancelamento não é saudável".
Ao O DIA, pelo menos nove ex-funcionárias, que preferiram manter a identidade no anonimato, denunciaram racismo, assédio moral, desvio e acúmulo de função, além de humilhações praticadas pela dona da empresa. "Diversas vezes, enquanto trabalhava, a Cristiane tirava o mouse e a caneta da minha mão com toda fúria. E ainda dizia que se fosse para ela fazer, não me pagaria. Por muitas vezes, ela gritou comigo na frente de outras pessoas", conta uma das colaboradoras, que passou pela Carmel.
"Vi a dona da empresa humilhar um amigo que tinha acabado de perder o irmão com a desculpa de que a empresa não tinha sentimentos", diz outra ex-funcionária. "Também a vi colocar uma colega com pneumonia para organizar o estoque todo empoeirado e a menina quase desmaiou", completa.
A Carmel surgiu em 2017, na tradicional Babilônia Feira Hype — evento itinerante de moda, arte, design, decoração, artesanato e gastronomia na capital fluminense. A primeira loja física foi aberta na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, em 2019. Atualmente, a marca conta ainda com uma loja de fábrica, em São Cristóvão, e uma outra filial na Tijuca, ambas na Zona Norte.
Entretanto, a história de Cristiane com a moda é anterior, começou com a marca Lilla Rio, e alguns funcionários, que acompanharam a transição para a nova grife, relatam como foi o processo.
"Na loja Lilla, que ficava no Feirão de Malhas, em Duque de Caxias (Baixada Fluminense), e recebia pessoas de diversos lugares, Cristiane dizia que nenhuma foto podia ser feita por uma modelo negra. Argumentava que era porque os clientes, muitas vezes de outras regiões, não iriam receber bem uma ‘afrodescendente’, era assim que ela dizia. Já na Carmel, ela adotou outra postura. Usava as fotos dessa mesmo modelo porque para Zona Sul, ela queria colocar como se negros e brancos pudessem comprar a roupa dela, que ficava bem em qualquer cor", revela outra ex-funcionária.
Procurada, a Carmel Rio informou que "nessa semana recebeu comentários de três ex-colaboradores via Instagram relatando condutas dentro da empresa que vão contra o que a empresa acredita e quer ser. Uma marca inclusiva que leva beleza e autenticidade para todos" e também negou as denúncias. "Nos colocamos à disposição para ouvir nossos funcionários atuais e ex-funcionários e vamos lançar um novo canal de comunicação, para que isso fique ainda mais claro", disse em outro trecho.
‘Estava com pneumonia e me colocaram para trabalhar no estoque. Com dificuldade para respirar, quase desmaiei’
Uma ex-funcionária conta que no início sua experiência com a marca foi muito feliz, no entanto, com o passar dos dias começou a vivenciar humilhações que outros empregados da marca sofriam e depois ela passou a sofrer nas mãos da chefe. "Quando viam pelas câmeras que ela estava chegando, todos ficavam nervosos. Eu ficava com as mãos trêmulas", diz.
"No inverno daquele ano tive pneumonia aguda, ela com raiva me colocou dentro de um estoque todo empoeirado, para seu sozinha dobrar todas as roupas, contar as peças e registrar as mesmas. O estoque não tinha ventilação, era abafado. Fiquei com dificuldades para respirar e fraca, quase desmaiei", relembra.
De acordo com a ex-funcionária, ela foi contratada para trabalhar no escritório, entretanto, no período que estava doente foi transferida para o estoque. "Ela sabia que eu não reclamaria, pois necessitava do emprego, pois pagava aluguel e meu pai estava desempregado. Então a situação estava muito difícil. Ela falava que: 'você não presta pra nada', 'não me interessa pra que te contratei, você vai fazer o quê eu mando', 'você não é ninguém'. Algumas vezes jogava a roupa que ela estivesse nas mãos em cima da minha mesa enquanto eu trabalhava, ou em cima de mim enquanto almoçava, ou quando me encontrava no corredor. Cristiane falava: 'dobra isso que estou mandando' , ou, 'dobra isso agora'".
E a ex-funcionária ressalta que o antigo emprego deixou muitos traumas: "Quando fala em reunião, no trabalho, fico trêmula e suando frio, minhas mãos ficam geladas. O mesmo acontece quando os meus patrões chegam, eles são bons pra mim, mas é uma das aflições que carrego".
'Trabalhava no escritório, mas no aviso prévio me colocaram para passar roupa'
Uma outra história ouvida pela reportagem é de uma de jovem negra que diz ter sofrido racismo na empresa. "Eu fui muito humilhada e maltratada. Com certeza, foi o pior lugar que trabalhei. Eu chorava diariamente, emagreci horrores ao ponto da minha mãe pedir para eu sair da empresa, porque meu final de semana era ficar trancada dentro de quarto, mas eu fui levando. Até o dia em que eu estava fazendo o balanço do estoque e ela acusou que eu tinha retirado uma peça", lembra.
"Eu disse que não tinha mexido e ela falou que eu tinha mexido sim. Ao berros, ela mandou eu levantar da cadeira para irmos ao estoque. Quando chegamos lá, as peças estavam exatamente do jeito que deixamos. Chorei muito e fiz minha carta de demissão. Cris, no entanto, pediu para eu cumprir o aviso prévio", afirma a ex-funcionária.
Uma ex-funcionária conta que no início sua experiência com a marca foi muito feliz, no entanto, com o passar dos dias começou a vivenciar humilhações que outros empregados da marca sofriam e depois ela passou a sofrer nas mãos da chefe. "Quando viam pelas câmeras que ela estava chegando, todos ficavam nervosos. Eu ficava com as mãos trêmulas", diz.
"No inverno daquele ano tive pneumonia aguda, ela com raiva me colocou dentro de um estoque todo empoeirado, para seu sozinha dobrar todas as roupas, contar as peças e registrar as mesmas. O estoque não tinha ventilação, era abafado. Fiquei com dificuldades para respirar e fraca, quase desmaiei", relembra.
De acordo com a ex-funcionária, ela foi contratada para trabalhar no escritório, entretanto, no período que estava doente foi transferida para o estoque. "Ela sabia que eu não reclamaria, pois necessitava do emprego, pois pagava aluguel e meu pai estava desempregado. Então a situação estava muito difícil. Ela falava que: 'você não presta pra nada', 'não me interessa pra que te contratei, você vai fazer o quê eu mando', 'você não é ninguém'. Algumas vezes jogava a roupa que ela estivesse nas mãos em cima da minha mesa enquanto eu trabalhava, ou em cima de mim enquanto almoçava, ou quando me encontrava no corredor. Cristiane falava: 'dobra isso que estou mandando' , ou, 'dobra isso agora'".
E a ex-funcionária ressalta que o antigo emprego deixou muitos traumas: "Quando fala em reunião, no trabalho, fico trêmula e suando frio, minhas mãos ficam geladas. O mesmo acontece quando os meus patrões chegam, eles são bons pra mim, mas é uma das aflições que carrego".
'Trabalhava no escritório, mas no aviso prévio me colocaram para passar roupa'
Uma outra história ouvida pela reportagem é de uma de jovem negra que diz ter sofrido racismo na empresa. "Eu fui muito humilhada e maltratada. Com certeza, foi o pior lugar que trabalhei. Eu chorava diariamente, emagreci horrores ao ponto da minha mãe pedir para eu sair da empresa, porque meu final de semana era ficar trancada dentro de quarto, mas eu fui levando. Até o dia em que eu estava fazendo o balanço do estoque e ela acusou que eu tinha retirado uma peça", lembra.
"Eu disse que não tinha mexido e ela falou que eu tinha mexido sim. Ao berros, ela mandou eu levantar da cadeira para irmos ao estoque. Quando chegamos lá, as peças estavam exatamente do jeito que deixamos. Chorei muito e fiz minha carta de demissão. Cris, no entanto, pediu para eu cumprir o aviso prévio", afirma a ex-funcionária.
No dia seguinte, quando a então colaboradora da empresa chegou ao local de trabalho foi impedida, de acordo com a jovem, de subir para o escritório e todas as suas senhas tinham sido trocadas. "Fui informada que iria trabalhar os dias só aviso na produção. Passando roupa, dobrando e embalando", conta. "Pensei em colocar a Carmel na Justiça, mas deixei para lá. E hoje com tudo isso, eu espero que ela reflita sobre tudo que fez", conclui.
'Comecei a tomar ansiolítico e antidepressivos por causa dos assédios'
Uma ex-colaboradora da Carmel diz, que durante o período em que trabalhou na marca, testemunhou e viveu assédio moral. Como consequência, ela afirma carregar transtornos psicológicos até hoje. "A Cristiane [dona da empresa] é uma pessoa soberba que faz questão de maltratar todos que são subordinados a ela. É uma pessoa que te desrespeita, te xinga e te humilha sem peso na consciência. Aguentei o que aguentei pois precisava do dinheiro. Fui agredida psicologicamente, verbalmente e quase fisicamente na frente de outras pessoas."
"Ela ameaçava me mandar embora todo dia, me xingava e gritava comigo. Uma vez me disse que não sabia porque ainda pagava meu salário. Por conta dessas situações, passei a precisar tomar ansiolítico e antidepressivos", lamenta a ex-funcionária.
A jovem acredita que ter sofrido humilhações por ser pobre também e pelo local em que morava. "Não consigo pensar na ideia de voltar para aquele lugar, só de ouvir a voz daquela mulher eu me sinto mal", conclui.
'Ela atirou o celular na minha direção'
'Comecei a tomar ansiolítico e antidepressivos por causa dos assédios'
Uma ex-colaboradora da Carmel diz, que durante o período em que trabalhou na marca, testemunhou e viveu assédio moral. Como consequência, ela afirma carregar transtornos psicológicos até hoje. "A Cristiane [dona da empresa] é uma pessoa soberba que faz questão de maltratar todos que são subordinados a ela. É uma pessoa que te desrespeita, te xinga e te humilha sem peso na consciência. Aguentei o que aguentei pois precisava do dinheiro. Fui agredida psicologicamente, verbalmente e quase fisicamente na frente de outras pessoas."
"Ela ameaçava me mandar embora todo dia, me xingava e gritava comigo. Uma vez me disse que não sabia porque ainda pagava meu salário. Por conta dessas situações, passei a precisar tomar ansiolítico e antidepressivos", lamenta a ex-funcionária.
A jovem acredita que ter sofrido humilhações por ser pobre também e pelo local em que morava. "Não consigo pensar na ideia de voltar para aquele lugar, só de ouvir a voz daquela mulher eu me sinto mal", conclui.
'Ela atirou o celular na minha direção'
Uma outra ex-funcionária diz ter trabalhado na empresa por mais de cinco anos. "Meu cargo era de confiança, mas como meu cargo era em loja, eu não tinha muito acesso à Cris. A gente se falava por telefone, então, nunca tinha tido estresse até o dia que ela fechou a Lilla e lançou a Carmel. Neste momento, passei a lidar diretamente com ela", relata.
A ex-funcionária classifica a ex-chefe como uma pessoa difícil. "Ao contrário do que acontecia com as meninas, que era recorrente os abusos, comigo foi só uma vez. Ela jogou um celular na minha direção, eu logo pedi para que me demitissem. Na ocasião, cheguei a ir à delegacia, mas lá me disseram que não podiam fazer nada", afirma.
"Desde deste dia, a gente não se falou mais. Não quis mais falar com a Cris, eu cumpri meu aviso e no dia da minha saída, ela veio me dar um abraço e se desculpar pelo que tinha acontecido. Eu disse que estava muito chateada e que abraço eu não queria", finaliza.
O posicionamento da Carmel Rio na íntegra:
A ex-funcionária classifica a ex-chefe como uma pessoa difícil. "Ao contrário do que acontecia com as meninas, que era recorrente os abusos, comigo foi só uma vez. Ela jogou um celular na minha direção, eu logo pedi para que me demitissem. Na ocasião, cheguei a ir à delegacia, mas lá me disseram que não podiam fazer nada", afirma.
"Desde deste dia, a gente não se falou mais. Não quis mais falar com a Cris, eu cumpri meu aviso e no dia da minha saída, ela veio me dar um abraço e se desculpar pelo que tinha acontecido. Eu disse que estava muito chateada e que abraço eu não queria", finaliza.
O posicionamento da Carmel Rio na íntegra:
Nessa semana, recebemos comentários de 3 ex-colaboradores via Instagram relatando condutas dentro da empresa que vão contra o que acreditamos como marca e quem queremos ser. Uma marca inclusiva que leva beleza e autenticidade para todos.
Nós, da Carmel, prezamos pelo bem estar de todos os nossos colaboradores, seja na fábrica ou loja, e lamentamos que qualquer pessoa tenha se sentido ofendida por qualquer razão. Negamos os relatos e para reforçar o compromisso com nossos valores, nos colocamos à disposição para ouvir nossos funcionários atuais e ex-funcionários e vamos lançar um novo canal de comunicação, para que isso fique ainda mais claro. Mais do que à disposição, nós queremos ouvir.
Todo marketing estratégico da Carmel hoje, sim, está buscando informações e fazendo um planejamento para trabalhar com consultorias. Entendemos que esse não é nosso lugar de fala e estamos abertos a aprender e levar mais informação sobre o tema, utilizando nosso alcance para algo positivo.
Acreditamos que a cultura do cancelamento não é saudável porque não resolve o problema. Não queremos deixar de estar presentes como marca, construímos um público e acreditamos que podemos de fato sermos mais eficientes com relação a esse tema e a tantos outros importantes.
A cultura do cancelamento não transforma marcas e pessoas em agentes de mudança. Achamos muito mais eficiente aprender com isso e nos tornarmos esse agente, com relação a temas que são importantes diante de tantas questões estruturais que ainda carregamos na sociedade.
Como marca, queremos ser melhores a cada dia para nossos clientes mas, principalmente, para nossos funcionários que fazem tudo isso acontecer. Vamos ouvi-los e aprender juntos.
Nós, da Carmel, prezamos pelo bem estar de todos os nossos colaboradores, seja na fábrica ou loja, e lamentamos que qualquer pessoa tenha se sentido ofendida por qualquer razão. Negamos os relatos e para reforçar o compromisso com nossos valores, nos colocamos à disposição para ouvir nossos funcionários atuais e ex-funcionários e vamos lançar um novo canal de comunicação, para que isso fique ainda mais claro. Mais do que à disposição, nós queremos ouvir.
Todo marketing estratégico da Carmel hoje, sim, está buscando informações e fazendo um planejamento para trabalhar com consultorias. Entendemos que esse não é nosso lugar de fala e estamos abertos a aprender e levar mais informação sobre o tema, utilizando nosso alcance para algo positivo.
Acreditamos que a cultura do cancelamento não é saudável porque não resolve o problema. Não queremos deixar de estar presentes como marca, construímos um público e acreditamos que podemos de fato sermos mais eficientes com relação a esse tema e a tantos outros importantes.
A cultura do cancelamento não transforma marcas e pessoas em agentes de mudança. Achamos muito mais eficiente aprender com isso e nos tornarmos esse agente, com relação a temas que são importantes diante de tantas questões estruturais que ainda carregamos na sociedade.
Como marca, queremos ser melhores a cada dia para nossos clientes mas, principalmente, para nossos funcionários que fazem tudo isso acontecer. Vamos ouvi-los e aprender juntos.
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