Comunidade do Santa Marta em Botafogo, Zona Sul, Rio de Janeiro - Daniel Castelo Branco
Comunidade do Santa Marta em Botafogo, Zona Sul, Rio de JaneiroDaniel Castelo Branco
Por Agência Brasil
Rio - A comunidade Santa Marta, em Botafogo, na Zona sul do Rio, é foco de um projeto de pesquisadores do Laboratório de Radioecologia e Mudanças Globais (Laramg), do Departamento de Biofísica e Biometria da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). As equipes da instituição colheram, nos últimos dois dias, amostras de aerossóis da saída de valas de esgotos que correm a céu aberto e de monitoramento do ar nas localidades do Cantão e do Pé da Escada, que são áreas de grande movimentação de moradores da favela. A intenção dos pesquisadores é avaliar se existe algum tipo de contaminação pelo novo coronavírus.
O líder comunitário e guia de turismo da Santa Marta, Thiago Firmino, 39 anos, disse que o material coletado será analisado pelas equipes da Uerj e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mas ainda não há previsão para a divulgação do laudo. Depois dessa etapa, segundo Firmino, os pesquisadores, que têm à frente o professor Heitor Evangelista, vão colher amostras da água de dez pontos de esgotos.

Para ele, se for comprovada a presença do vírus, será a oportunidade de fazer uma ação de política pública e obras de saneamento com a cobertura dos esgotos. "Tudo que for captado nessas áreas vai servir para a gente cobrar que fechem os esgotos. Também vai servir para outras favelas. A maioria tem esgoto a céu aberto. Isso aí já é um pé para fechar e evitar as doenças", disse em entrevista à Agência Brasil.

Thiago Firmino contou que o começo da pandemia acendeu um sinal vermelho sobre qual seria o impacto do novo coronavírus no Santa Marta. Ele teve a iniciativa de reunir voluntários para participar de ações de sanitização na comunidade, criando o grupo "Santa Marta contra a covid-19".

O projeto conta com 12 voluntários, mas conforme os dias de trabalho deles, é mais comum que oito participem do serviço, feito duas vezes na semana. A falta de água também era um problema. "Como você pode fazer a higiene sem água?", questionou, lembrando que o problema, que já existia, piorou com a pandemia.

Antes de começar a sanitização no dia 4 de abril, ele fez uma pesquisa de como o serviço era feito na China e procurou um químico para ter uma avaliação especializada. A ideia surgiu depois que ficou impedido de trabalhar, porque com a pandemia foram suspensas as visitas guiadas às favelas. Firmino, que nasceu e cresceu na comunidade, atualmente com cerca de 1.750 famílias e 700 casas e edificações, achou que era hora de fazer alguma coisa para o lugar que conhecia bem. “Eu sou guia local e, vendo o coronavírus chegar, as políticas para as favelas esquecidas, tive a ideia e fui estudar como era feita na China, afirmou.

Equipamentos
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Para a compra de equipamentos e produtos, Firmino, que também é DJ, contou com uma vaquinha. As primeiras contribuições, que somaram R$ 5 mil, vieram de amigos artistas de rap que moram na Dinamarca. Com os recursos que já conseguiram até agora, puderam comprar cinco equipamentos.

Após três meses desse serviço, resolveu convidar a Uerj para a realização da pesquisa, que pudesse levantar dados e verificar a possibilidade de outros tipos de contaminação. "A gente trabalha matando o coronavírus, desinfetando a favela e convidamos para fazerem um estudo. A gente que trouxe a Uerj para cá", disse.

Experiência compartilhada
As ações de sanitização já se espalharam para outras comunidades. Firmino revelou que a experiência foi levada para o Cantagalo, onde fez treinamento de voluntários, como também a comunidades do Leme, Jesuítas, Maré e Providência. “A gente serviu como base. O pessoal vinha para cá, treinava e voltava para as favelas deles”.

Estatísticas
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Na visão do líder comunitário, o número de mortes e casos de contaminação que costumam ser divulgados não são realistas. Parte do problema, acredita, ocorre porque as causas das mortes nem sempre indicam a covid-19. “Uma moradora foi internada com os sintomas da covid, foi entubada e no dia em que tiraram os tubos fizeram uma live do hospital pra ela falar com a família. No dia seguinte ela morreu. Aí a causa foi indeterminada. Como se ela foi entubada, desentubada e morreu? Entubou por quê?”, comentou, defendendo um estudo sério para avaliar a incidência da contaminação nas comunidades.

A proposta da equipe da Uerj é, depois de ter os dados das coletas analisados, avaliar a necessidade de implementação de novas medidas para reduzir os riscos de propagação, como maior ventilação, maior assepsia, uso de proteção mais eficiente e controle do número máximo de pessoas.

Segundo o professor Evangelista, quando uma pessoa espirra, o vírus rapidamente interage com o material que está na atmosfera. São micropartículas de diversos tamanhos. As maiores ficam mais retidas nas vias aéreas superiores e as menores podem chegar até a área dos pulmões diretamente. De acordo com ele, a quantidade de micro-organismos pode variar, conforme as condições ambientais, como umidade, poluição e incidência de luz solar.