Marielle foi a quinta mais votada em 2016Câmara Municipal do Rio de Janeiro
Por HUGO PERRUSO
Publicado 26/10/2020 00:00 | Atualizado 26/10/2020 07:32
Assassinada em março de 2018, Marielle Franco segue presente na política do Rio. Quinta mais votada em sua primeira tentativa, em 2016, a vereadora já fazia parte de um movimento maior pela participação de mulheres na política e, após a tragédia, serviu como inspiração para que muitas outras se lançassem na política.
"A história da Marielle ficou muito visível, de maneira trágica, lamentavelmente, mas a tornou conhecida mais do que em vida. História de uma menina bem-sucedida, que batalhou demais para superar as dificuldades, sem nunca tem abandonado a Maré, o local de origem. Virou uma história nacional, uma referência para mulheres negras, pobres, faveladas. Muitas pessoas estão se candidatando inspiradas por ela. Mesmo que sejam de direita, porque se inspiram na história de vida", analisa o cientista político e sociólogo da UFRJ Paulo Baía.
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Na primeira eleição sem a vereadora, em 2018, o Rio foi o estado com mais mulheres negras candidatas a cargos políticos: 141 concorreram, um aumento de 151% em relação a 2014. Em 2020, em todo o Brasil, 19.780 se declararam negras ao se candidatar, segundo levantamento com base nos dados fornecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O número é superior às 13.382 em 2016. No Estado do Rio, foram 1.660, superando as 1.144 de quatro anos atrás.
"O crescimento do número de mulheres candidatas é fruto do levante feminista que vivemos desde 2014. Marielle representava um grande avanço, seus 46.502 mil votos anunciaram um anseio: queremos ver no parlamento mais mulheres, negros e negras, LGBTQIs, favelados. Elegemos quatro mulheres negras em 2018 e três faziam parte do mandato dela. Em 2020, estamos trabalhando com empenho para ampliar essa ocupação", afirma Monica Benício, viúva de Marielle e candidata a vereadora pelo PSOL pela primeira vez.
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Nem todas as estreantes foram influenciadas por Marielle para concorrer, mas ainda assim se identificam de alguma maneira. É o caso da terapeuta Cláudia Lima (PDT), que trabalha há 12 anos com serviço social em comunidades próximas ao bairro de Cascadura, onde mora.
"Conheço pouco da história dela, mas sei que lutava pela comunidade dela. Há várias mulheres que se encaixam nessa luta mas não têm tanta visibilidade nem se espelham nela. Ainda assim, há algo em que podemos nos ver nela, como ser mulher, negra e pobre, e o quanto isso torna mais difícil. Por isso acho muita gente passou a querer entrar na política após o assassinato dela. Esse movimento das mulheres veio para ficar, mais estão se conscientizando de que é preciso agir", diz.
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Pensando em ampliar o legado e buscar mais representatividade nos partidos, o Instituto Marielle Franco, criado após a morte da ex-vereadora e comandado por sua irmã Anielle Franco, busca dar apoio, em especial a mulheres negras de favelas, a entrar na política.
" Podemos dizer que mulheres negras ocupando lugares na política sempre tivemos. De 30 anos para cá esse levante já estava sendo pensado, mas, quando a Marielle é assassinada, a gente vê uma forma totalmente mais urgente de ocupar esse espaço. Resolvemos entrar de bonde, pois é assim que entendo o legado que ela nos deixou. Não é para ser apenas uma a entrar, mas mil", afirma Monica Cunha, candidata pelo PSOL, que teve contato direto com a vereadora na Comissão de Direitos Humanos da Alerj e se candidata pela primeira vez.
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Sementes foram 'plantadas' em 2018
Ainda com o trauma do assassinato recente, quatro candidatas ligadas a Marielle conseguiram cargos legislativos nas eleições de 2018: a amiga Talíria Petrone foi eleita deputada federal, e Renata Souza (hoje candidata à Prefeitura do Rio), Mônica Francisco e Dani Monteiro, integrantes do gabinete da vereadora, deputadas estaduais.
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Com os primeiros frutos do legado de Marielle entrando na política, as diretoras Julia Mariano e Éthel Oliveira acompanharam a trajetória de seis "herdeiras" na campanha de 2018 (Talíria, Mônica e Renata, além de Jaqueline Gomes de Jesus, Rose Cipriano e Tainá de Paula, que não se elegeram) e produziram o documentário "Sementes: mulheres pretas no poder", lançado em setembro no Youtube, onde ficou acessível por um mês, e está fora do ar para participar de festivais.
"Durante as filmagens ficou muito claro o quanto os espaços de poder estão ocupados por uma parcela da população que não é nem de longe a cara do povo. As candidaturas que saem do eixo de poder são nossa linha de fuga para a crise de representatividade e para avançarmos como sociedade civil", afirma Julia.
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