Rio de Janeiro - RJ - 19/10/2020 - Policia - Operaçao no Jacarezinho tem tiroteio e vias interditadas. Policiais militares do Batalhao de Açoes com Caes (BAC), do Batalhao de Policia de Choque (BPChq) e do Bope atuam nas comunidades do Jacarezinho, Manguinhos e Mandela - na foto, policiais entram na favela do Jacarezinho - Foto Reginaldo Pimenta / Agencia O DiaReginaldo Pimenta / Agencia O Dia
Por Gabriel Sobreira
Publicado 26/10/2020 19:03
Rio - A menos de um mês das eleições municipais, um estudo feito pela Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos encontrou indícios de articulação de milícias em áreas de prefeituras, casas legislativas e ainda ligações com igrejas evangélicas pentecostais. Inclusive, o documento, divulgado nesta segunda-feira, acusa ainda que a relação da milícia com as polícias – sobretudo a Militar - se tornou estrutural, com interferências em operações de segurança, diz o texto.
Segundo a PM, a acusação "é, no mínimo, irresponsável". "Ao contrário da especulação dos especialistas e colaboradores do estudo, toda a cadeia de comando da Polícia Militar tem sido montada a partir de critérios técnicos, explorando a capacidade de gestão de cada oficial, tanto na área administrativa quanto operacional", afirma a corporação em nota.
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"Em relação às milícias, a Polícia Militar tem atuado em apoio à Polícia Civil e ao Ministério Público em operações contra essas facções em todo o território estadual. Quando há suspeita de alguma participação de policiais militares com esses grupos, a Corregedoria da Corporação é acionada, não só para auxiliar nas investigações como no cumprimento dos mandados de prisão e busca e apreensão. Além de equivocada e injusta, a conclusão do estudo é desrespeitosa. Macula a imagem de uma Corporação composta por verdadeiros heróis, que não medem esforços para defender a sociedade. Muitos pagam com a própria vida, como demonstram os inaceitáveis índices de vitimização policial", acrescenta o texto da PM.
Já a Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol) do Rio de Janeiro diz não comenta estudos e pesquisas que não conhece ou que não sejam oficiais do governo do estado. "A Sepol destaca que, após cerca de 10 anos sem uma política de estado efetiva de combate às milícias, a atual gestão criou uma Força-Tarefa para coibir este tipo de crime. Em menos de um mês já foram realizados diversos serviços de inteligência, investigação e ação, resultando em operações complexas contra as milícias e as ações não tem prazo para terminar", afirma, por meio de nota.
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Quando questionados, os integrantes da Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos não quiseram responder sobre os envolvidos.
"Essa rede é formada por sociólogos, antropólogos, cientistas sociais, ativistas que circulam no meio de algumas ONGs, não somos especializados em investigações criminais. Nossas investigações são de natureza sociológica. Em função dessas características próprias do processo de debate que resultam nesse documento, tivemos cuidados e temos que ter cuidados em não apontar nomes, não indicar instituições específicas sobre a pena de sermos levianos. Procuramos ser cuidadosos e apresentar tendências, padrões e orientações a partir do que chegou até nós, respeitando o pacto de confiança que existe na relação entre nós da rede e a nossa relação com parceiros e colaboradores", explica João Trajano Sento-Sé, cientista político / ICS-Uerj, um dos envolvidos no estudo.
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De acordo com Trajano, alcance das milícias vai muito além do que costumava-se pensar. "Hoje, as milícias têm, há muitos indícios, de articulações orgânicas com as instituições policiais como um todo e não propriamente com núcleos, nichos de corrupção", afirma ele.
O cientista político afirma que o grupo começou as atividades, não tinha um plano definido que no final produziriam o documento que veicularam. "Queríamos auscultar autoridades, profissionais da área de segurança publica sobre o que eles pensavam e se isso convergia com o que pensávamos. Todas as informações que constam nessa nota foram recebidas por nós, na maioria dos casos, por autoridades membro da PM, Polícia Civil e Ministério Público", diz ele.
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"Isso significa que as autoridades competentes sabem o que está se passando. Significa que o que a nota traz não é novidade, ou pelo menos não deveria ser. Significa que o conhecimento e dimensão do problema que estamos lidando, pelo menos na perspectiva das autoridades públicas, é pelo menos conhecido. Isso faz com que fiquemos na expectativa de que estratégias fracassadas para lidar com o problema da criminalidade, violência e do controle territorial armada sejam finalmente sepultadas e substituídas por estratégias de políticas inteligentes e sobretudo efetivas para lidar com um problema que está crescendo e está pouco a pouco avançando sobre as instituições do estado", defende Trajano.
MILÍCIA NAS ELEIÇÕES

Segundo João Trajano Sento-Sé, cientista político /ICS-Uerj, ainda existe um dado ainda mais preocupante. “Está cada vez mais claro e evidente a intervenção das ações das milícias sobre outros poderes públicos. Essa espécie de colonização promovida pela milícia no estado se dá tanto no âmbito das municipalidades quanto nos âmbitos dos prefeitos, dos poderes legislativos de determinados municípios do RJ, tanto nas suas respectivas casas legislativas”, acusa o estudioso com base no estudo levantado a partir de depoimentos e colaborações, ao longo de quase um ano, de promotores, policiais, jornalistas, ativistas e especialistas em dados.
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“As milícias fazem suas próprias candidaturas ao legislativo e municipais, sobretudo porque muitos dos serviços controlados hoje pelas milícias são ligados ao poder municipal, são estratégicos que a milícias tenham figuras nos centros, nos espaços do poder municipal, e tudo indica, há muitas informações, que elas estão avançando nesse sentido, tanto no legislativo, executivo, na regulação e controle de determinadas situações econômicas”, afirma ele. Segundo o cientista político, tal cenário é grave e figura uma perspectiva “muito sombria para o nosso futuro e da nossa democracia e do estado de direito”. “Estamos flertando com a possibilidade de nos vermos em um cenário em que as instituições do estado estejam tomadas e controladas pelas ações do crime organizado”, vislumbra.
DEMOCRACIA EM RISCO
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A pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Ana Paula Miranda, que também integra o grupo de estudiosos envolvidos na nota, diz que é enorme o desafio que a milícia coloca não só para o Rio de Janeiro, mas todo o país. “O que está em risco é a democracia. Não apenas o processo eleitoral”, afirma ela.
Ana Paula defende que o papel deles, estudiosos, não é buscar uma solução pronta. “Não acho que esse é o lugar da universidade. Me incomoda muito essa coisa de que pensam: ‘Ah, vocês são os pesquisadores, então vocês sabem a verdade’. Não, não sabemos. O que a gente pode ajudar é, primeiro, ser um espaço democrático, para que certas coisas sejam ditas. Alguns estão aqui aparecendo, mas sabemos que alguns profissionais conversaram com a gente por razões institucionais não vão poder falar publicamente certas coisas. Falar como pesquisadores, nos garante esse poder de compartilhar experiências protegendo nossos interlocutores. Nosso objetivo aqui não é fazer denúncia, mas garantir que a pluralidade de opiniões seja feita, reproduzida e abrir os caminhos. Muitas cabeças pensando podem ajudar um caminho diferente, coisas que nenhum de nós sozinho será capaz”, explica.
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IGREJAS EVANGÉLICAS PENTECOSTAIS
José Claudio de Souza Alves, pesquisador da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), explica um pouco mais sobre a relação das igrejas evangélicas pentecostais com a milícia. “A igreja evangélica sobreviveu ao longo do tempo pela capacidade popular de se organizar e se proteger, e muitos projetos de vida destruída, desemprego, doenças, separação, dependência química, tudo de sofrimento daqueles que são lançados na bacia das almas, do abandono de um estado criminoso e assassino como o nosso, essa população se viu nas igrejas evangélicas e pentecostais, como aqueles que os protege e os ajuda”, inicia o professor.
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“É claro que essas igrejas vão fazer eleições efetivas junto aqueles que dominam aquele território também. Os grupos de extermínio e a milícia passaram a dominar essas mesmas áreas onde as igrejas estão. Há uma convivência incontornável em relação as igrejas pentecostais e a milícia. Mas não se pode de forma alguma depreender que milícias e igrejas pentecostais evangélicas sejam a mesma coisa. Há uma disputa. Tem igrejas que não fazem parte desse projeto. E projeto evangélico pentecostal é uma resposta à violência do tráfico e da milícia. É muito mais complexo do que dizer que existe uma aliança entre religiões específicas ou a própria policia”, afirma Alves.