Publicado 13/12/2020 06:51 | Atualizado 13/12/2020 12:22
Rio -- Em abril de 2010, as chuvas deixaram 251 mortos no Rio. No Morro do Urubu, em Pilares, local de risco de deslizamentos, a Prefeitura passou a demolir casas com a promessa de entrega de apartamentos novos. Em 2016, após a tragédia, a conquista da casa própria: 140 apartamentos do programa Minha Casa Minha Vida foram entregues a moradores de baixa renda do local. Este ano, em plena pandemia, o final feliz, no entanto, virou pesadelo: traficantes passaram a cobrar taxas dos residentes do Minha Casa e Minha Vida, a checarem os celulares, e até obrigá-los a cozinhar e lavar suas roupas.
A tática de traficantes se assemelha a de milicianos e vem se consolidando como o novo modelo do crime organizado no Rio: a narcomilícia, tema da série de reportagens do O DIA.
No Morro do Urubu, alguns moradores, desesperados, tentaram alugar os apartamentos. Mas, foram proibidos de escolher os inquilinos. Além disso, não podem deixar a casa vazia nem por um final de semana, senão são expulsos. Uma pichação lembra a regra. "Quem alugar a casa sem falar com nós vai perde a casa, p/ não morre o papo é 1 só (sic)". De acordo com uma ex-moradora, que foi expulsa, a pichação pode ser encontrada em várias favelas que têm o domínio do grupo de traficantes, espalhadas pela Zona Norte.
À reportagem, ela relatou como foi expulsa, em junho. "Larguei tudo que eu tinha. Casa bem equipada, tive que deixar para trás por ordem do tráfico. Tive que sair com a roupa do corpo, não pude nem entrar para pegar as minhas coisas todas. Saí com uma bolsa e documentos. Eles deram cinco minutos para descer o morro".
A balconista, de 35 anos, morava com sua filha, de 9 anos, no conjunto habitacional Itália D'Incau, desde outubro 2016. Ao ficar três semanas fora por conta de uma viagem, perdeu seu imóvel. Ao retornar com a criança encontrou um cadeado na porta de casa.
"Estava com a minha filha quando fui expulsa e lembro dela chorando, me perguntando 'mamãe, vamos para onde?'. Eles alegam que se você sai, você não pode voltar. (...) Fui morar de favor na casa dos outros, largando o que eu construí e conquistei", disse.
Antes da expulsão, a realidade já tinha mudado com a cobrança de taxas, boca de fumo dentro do condomínio e bailes. Até fevereiro, os moradores do conjunto habitacional pagavam R$ 100 para manutenção do prédio e pagamento de funcionários. Agora, o valor passou para R$ 110 e o dinheiro é destinado somente para os traficantes.
"Eles dividem em R$ 10 para associação de moradores e R$ 100 para a mão deles para que eles possam patrocinar os bailes que acontecem dentro do condomínio. Eles também montaram boca de fumo dentro do condomínio", explicou.
A vítima conta que, agora, sofre de depressão. "É uma sensação de impotência, uma dor muito grande. Você olha tudo aquilo que você sonhou, você planejou cada pedaço, cada metro quadrado, a forma como ia arrumar a casa, e tudo que comprei não pude pegar".
Tropa do Urso: Traficante Pedro Bala é quem manda realizar as cobranças
Ainda de acordo com os relatos da ex-moradora, os traficantes que aterrorizam o conjunto habitacional afirmam ser da Tropa do Urso, em referência ao traficante Pedro Paulo Guedes, o Pedro Bala ou Urso, que é apontado pela polícia como o chefe do tráfico de drogas da Vila Cruzeiro e de parte do Complexo do Alemão.
Os traficantes ligados ao Comando Vermelho (CV) chegaram na região, em março, depois de uma guerra contra os rivais do Terceiro Comando Puro (TCP), que até então, dominavam a criminalidade local. A nova facção, além das taxas, segundo a vítima, obriga os moradores a lavarem as suas as roupas e cozinhar para eles. Também tomam banho em suas casas. Se os moradores não pagarem as taxas impostas tem a água cortada e, na reincidência, são expulsos.
João Trajano, especialista em segurança pública, acredita que, embora traficantes estejam aderindo práticas criminosas da milícia, a estrutura organizacional e e logística dos paramilitares ainda é mais sofisticada e organizada. "O tráfico de drogas atua comercializando drogas no varejo e, em algumas áreas, estende essa atividade a outras. (...) As milícias não, elas diversificam mais suas atividades, e tem mais agentes do Estado envolvidos", opinou.
Investigação
O caso foi denunciado pela vítima e está sendo investigado pela 44ª DP (Inhaúma). Em nota, a Polícia Civil informou que há um inquérito em andamento que apura os crimes de organização criminosa, tráfico de drogas e porte de arma de fogo de uso restrito, no conjunto habitacional. Ainda segundo a corporação, os agentes da distrital têm realizado diligências para ajudar a esclarecer os fatos e identificar os suspeitos. O delegado não quis dar entrevistas.
A Polícia Militar informou que a denúncia dos moradores, repassadas à corporação por O DIA foram encaminhadas ao comando do 3º BPM (Méier) para apreciação e tomada das medidas cabíveis. A corporação ainda orientou que a população formalize as denúncias nas delegacias ou através do Disque-Denúncia. Além disso, a PM disse que policiais do 3º BPM (Méier) fazem policiamento ostensivo na região, realizando abordagens e prisões em flagrante. Procurada, a Polícia Federal não se manifestou.
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