Publicado 15/12/2020 07:16 | Atualizado 15/12/2020 17:29
Rio - Quem tem comércio próximo à comunidade da Serrinha, em Madureira, já sabe: toda semana vai receber uma cobrança de traficantes de acordo com o tamanho do seu comércio. Os valores cobrados, semanalmente, variam de R$ 100 a R$ 4 mil.
“Eles nunca falaram nada do que poderia ocorrer. É um terror psicológico. ‘Se não pagar, eu vou aí’, ou, ‘o dia de pagamento era ontem. Tá maluco que não pagou?’, disse um gerente de um pequeno estabelecimento na Avenida Edgar Romero.
A cobrança, que teve até aviso de que iria começar em janeiro deste ano, não cessou nem durante a pandemia. As alianças do tráfico com milicianos na região de Madureira é mais um capítulo da série sobre Narcomilícia que O DIA mostra desde domingo.
“Temos um inquérito sobre as extorsões que esses comerciantes estão sofrendo. Mas a principal dificuldade é a vítima fazer a denúncia formalmente na delegacia. Mesmo assim, estamos bem adiantados”, disse o delegado Neilson Nogueira, titular da 29ªDP (Madureira).
Segundo um comerciante, o aviso do pagamento foi feito por criminosos ligados a Wallace de Brito Trindade, o Lacoste, em novembro do ano passado, um dos chefes do Terceiro Comando Puro (TCP). Alguns lojistas foram relutantes em pagar a taxa e pediram uma reunião em um dos estabelecimentos. “Um dos bandidos disse que não teria conversa e deu uma rajada de tiros na parede”, contou.
A cobrança mais cara, cerca de R$ 1000, é feita aos diversos estacionamentos da região. Os traficantes entendem que, devido ao Mercadão de Madureira, esse comércio têm mais rotatividade de dinheiro. A reportagem tentou entrevistar alguns funcionários desses locais, mas todos se recusaram, apesar de confirmarem que são abordados por traficantes. Um deles chegou a declarar: “O pagamento está em dia”. Para não deixar rastro, o pagamento é feito em dinheiro, e recolhido em envelopes. Em alguns locais, menores de idade fazem o recolhimento.
Tenente perdeu a vida tirando barricadas fora da Serrinha
Lacoste possui longa ficha criminal e é investigado por vários homicídios. Um deles é o do tenente PM Cleiton da Costa Sales, ocorrido em junho deste ano. O policial morreu ao coordenar a retirada de barricadas que traficantes da Serrinha colocaram em ruas residenciais perto da Serrinha, para expandir sua atuação visando lucros.
Uma moradora, que pediu anonimato, disse que chegou a ser abordada por um traficante e recebeu aviso que taxas passariam a ser pagas. “Aqui é próximo ao morro, mas são casas legalizadas. Um dia, um rapaz de moto tocou a campainha e disse que queria a placa do nosso carro para permitir a circulação. Um vizinho disse que eles cobrariam mensalidade da gente”, afirmou.
Moradores tiraram fotos das barricadas e enviaram à Polícia Militar. Foi justamente na operação que o oficial, de 31 anos, foi alvejado e morreu, deixando esposa e um filho pequeno. As barricadas foram retiradas.
Lacoste cedeu homens para invasão da milícia
A parceria entre o tráfico da Serrinha e milicianos do Morro do Fubá, Campinho e Pombal começou em 2018, de acordo com a Polícia Civil. Segundo as investigações, os bandidos notaram que era mais fácil realizar um pacto de não-agressão e dividir os lucros tanto no campo da extorsão, como entretenimento.
“Temos registros de que DJs que tocam na Serrinha também tocam no Morro do Fubá, em bailes funks. Também sabemos que eles costumam frequentar os bailes uns dos outros”, disse um investigador.
A milícia do Morro do Fubá é ligada à milícia de Jacarepaguá, comandada por Edmilson Menezes, o Macaquinho. No mês passado, mais uma evidência da parceria: para uma invasão da milícia contra o Comando Vermelho, Lacoste cedeu traficantes para ajudar no número de soldados em Jacarepaguá.
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