Publicado 24/01/2021 00:00
A última segunda-feira foi um dia atípico no Abrigo Cristo Redentor, em Higienópolis, na Zona Norte do Rio. Por volta de 18h, todos se reuniram na área externa, diante da TV, para acompanhar ao vivo a vacinação de Terezinha da Conceição, de 80 anos, a primeira cidadã fluminense, ao lado da técnica de enfermagem Dulcineia da Silva Lopes, de 59 anos, a ser imunizada contra a covid-19 no Estado do Rio. Terezinha vive há cinco anos no abrigo, e foi vacinada em cerimônia transmitida para todo o país, aos pés do Cristo Redentor.
"Foi uma choradeira. Meus colegas ficaram todos emocionados. Lá no Cristo, os médicos que estavam em volta de mim e funcionários do abrigo que me acompanharam também choraram todos. Virei para eles e disse: "O que é, gente? Eu não morri não", relembra Terezinha, sentada em um banco do Abrigo Cristo Redentor, na última terça-feira, enquanto acompanhava a vacinação dos outros idosos que vivem no local: são 206 e todos já receberam a primeira dose da vacina. A segunda está prevista para daqui a 21 dias.
A resposta bem-humorada de dona Terezinha é traço de sua personalidade extrovertida. Com o início da vacinação no Rio, ela conta que começa a enxergar uma luz no fim do túnel com a possibilidade de retornar às suas atividades em breve, como o trabalho que exerce na Secretaria municipal de Assistência Social desde julho de 2010.
Ela integra o programa "Agente Experiente", auxilia os projetos sociais da secretaria e presta suporte administrativo no Centro de Referência de Assistência Social (Cras) Ismênia, no Centro do Rio.
"Sou muito ativa e não tomo remédio nenhum. Gosto de acordar cedo, tomar banho e fazer minha ginástica. Senão, acabo indo para a cadeira de rodas, e isso não é para mim, não", diz Terezinha.
Além dos colegas do Abrigo Cristo Redentor, que desde 2008 é gerido pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, a comunidade da Escola de Samba Estácio de Sá, no Estácio, também ficou de olho na TV para acompanhar a vacinação de Terezinha, que desfila como baiana na agremiação. A mensagem dos colegas da agremiação, ela conta, foi a que mais a emocionou:
"Eles disseram: 'parabéns para a primeira baiana do carnaval carioca a ser vacinada contra a covid-19 no Rio'. Fiquei muito feliz".
Agora, Terezinha conta os dias para poder voltar a frequentar a quadra da escola, em feijoadas, disputas de samba e ensaios para o carnaval, que foi cancelado este ano devido a impossibilidade de vacinação em alta escala no Rio até julho, para os quando os desfiles estavam previstos:
"Espero voltar a desfilar em breve. Primeiro me convidaram na Estácio para fazer parte da Velha Guarda, mas não quis e escolhi fazer parte da aladas baianas. Quem fica parado é poste, gosto de dançar".
Mas as oficinas de artesanato e dança no Abrigo Cristo Redentor, outras duas de suas atividades preferidas, estão mantidas, segundo a direção da unidade, mantendo as adaptações necessárias para evitar riscos de contaminação.
Terezinha chegou ao abrigo há cinco anos, após a casa dela, no bairro do santo Cristo, ter sido interditada pela Defesa Civil. Ela morava próxima a uma ribanceira e, com as chuvas, sua casa estava cedendo.
"Fui retirada de casa pelos meus vizinhos, havia risco de ela desabar e o esgoto estava invadindo. Teve uma audiência na Justiça e o juiz determinou que eu viesse para o abrigo", diz Terezinha, que não teve filhos e nunca foi casada: "Não estou aqui para sofrer. Ainda mais agora que a gente vê pela TV casos de mortes entre casais... Uma coisa horrível".
No abrigo, ela fez boas amizades. Uma delas foi com a assistente social Aline, ex-funcionária do abrigo e que vive em Saquarema, na Região dos Lagos, para onde Terezinha costuma ir com frequência antes da pandemia, chegando a passar temporadas de até um mês na casa da amiga. Outras visitas frequentes nos fins de semana eram idas às casas dos amigos do Santo Cristo.
"A dona Terezinha é uma pessoa muito ativa e tem uma vida comunitária muito rica fora do abrigo. Por isso, quando recebemos a consulta para a vacinação pelo estado, a escolhemos para ser a primeira a ser vacinada. Ela sentiu muito o isolamento imposto pela pandemia. Ela tem o trabalho dela, e gosta muito de sair, principalmente para ir à escola de samba", diz Lícia Mattesco, diretora do Abrigo Cristo Redentor.
Terezinha sente-se orgulhosa de ter sido uma das primeiras pessoas a serem vacinadas no Rio, em cerimônia cujas fotos rodaram o mundo.
"Só não vale pendurar meu retrato na parede para espantar mosquito", brinca Terezinha.
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