Publicado 04/06/2021 11:01
dRio - O juiz Marcelo Bretas, conhecido pela atuação na Operação Lava Jato no Rio, é acusado de relevante parcialidade na condução dos processos da força-tarefa. Em um acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR), o advogado criminalista Nythalmar Dias Ferreira Filho revelou que Bretas negociava penas, combinava estratégias e direcionava acordos com o Ministério Público durante a operação. As informações foram reveladas com exclusividade pela revista Veja nesta sexta-feira.
Segundo a reportagem, Nythalmar apresentou a PGR um áudio no qual Marcelo Bretas conta sobre um acordo com o então coordenador da Lava Jato no Rio, Leonardo Cardoso, para 'aliviar' a pena do empresário Fernando Cavendish, ex-dono da Delta Construtora. O intuito do áudio era fazer com que o advogado convencesse o empresário a confessar o crime em troca da redução da pena. Na época, Nythalmar representava Cavendish.
"Você pode falar que conversei com ele, com o Leo, que fizemos uma videoconferência lá, e o procurador me garantiu que aqui mantém o interesse, aqui não vai embarreirar", diz o juiz na gravação.
"E aí deixa comigo também que eu vou aliviar. Não vou botar 43 anos no cara. Cara tá assustado com os 43 anos", completou Bretas, se referindo a decisão que condenou o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear.
Na ocasião, a influência de Marcelo Bretas funcionou e o empresário Fernando Cavendish assinou um acordo de delação premiada. Além de confessar o pagamento de cerca de R$ 370 milhões em propina, o empresário recebeu a chance de responder ao processo em liberdade.
"O diálogo demonstra claramente que o juiz não só tinha ciência das colaborações antes de serem fechadas, bem como participava, negociava e intermediava com a ciência, participação e cooperação do MPF nas investigações, fato este gravíssimo", afirmou Nythalmar.
Ainda segundo o advogado, Bretas teria feito um acordo com o ex-governador Sérgio Cabral, no qual ele garantia não investigar a esposa de Cabral, Adriana Ancelmo.
Influência nas eleições
De acordo com o delator, nas vésperas das eleições de 2018 para o Governo do Rio, Marcelo Bretas vazou o depoimento de um ex-assessor do atual prefeito Eduardo Paes (PSD) que o acusava de envolvimento em fraude de licitações e recebimento de propina. Essa seria uma tentativa do juiz de prejudicar o então candidato a prefeito para apoiar o ex-governador do estado, Wilson Witzel.
Nythalmar relatou, ainda, que Paes teria feito um acordo com Bretas e, caso fosse eleito, iria nomear a irmã do juiz para uma secretaria "em troca de não ser perseguido".
Gilmar Mendes
Os procuradores da Lava Jato, segundo o advogado, estavam tentando afastar do cargo de relator dos casos da operação que envolviam o Rio o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, por isso o grupo teria tentado a transferência da investigação para São Paulo. Assim, abririam o "caminho, na visão deles, para a Lava Jato de São Paulo ocorrer no Rio de Janeiro com mais tranquilidade, sem ser tolhida ou vigiada pelo ministro Gilmar Mendes".
Caso a delação seja homologada pela Justiça, a operação deve ser alvo de um novo julgamento como o do juiz Sergio Moro, que foi acusado de parcialidade na condução na condução da ação penal que culminou na condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro referentes ao triplex em Guarujá (SP).
Em nota, o MPF refutou as informações do suposto acordo de colaboração entre a Procuradoria Geral da República (PGR) e o advogado Nythalmar Dias. Confira a nota na íntegra:
"Com relação à matéria divulgada na revista Veja no dia 04/06/2021, os subscritores vêm a público rechaçar informações mentirosas referidas em suposto acordo de colaboração entre a Procuradoria Geral da República (PGR) e o advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho, bem como esclarecer o que segue.
1. A investigação contra o advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho pela prática de crimes de tráfico de influência e exploração de prestígio iniciou-se a partir de iniciativa da própria Forçatarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro.
2. Diversos advogados já apresentaram representações na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acusando Nythalmar Filho de captar ilegalmente clientes com base em alegações de proximidade com juízes e membros do Ministério Público.
3. A partir de uma dessas representações, a extinta Força-Tarefa Lava Jato/RJ solicitou investigação ao Núcleo de Combate à Corrupção do MPF/RJ ainda em abril de 2019, para a devida apuração dos fatos.
4. As investigações contra Nythalmar Filho foram, então, regularmente conduzidas por outro membro do Ministério Público, não vinculado à extinta Força-Tarefa Lava Jato/RJ, em outro juízo diferente da 7ª Vara Federal Criminal-Rio, tendo culminado, ante os fartos elementos de prova quanto a prática de diversos crimes, entre eles tráfico de influência e exploração de prestígio, com a execução de medida de busca e apreensão contra o advogado Nythalmar Filho em outubro de 2020.
5. Entre os 180 acordos de colaborações firmados pela extinta força-tarefa para o aprofundamento de investigações junto à 7ª Vara Federal Criminal-Rio, apenas um foi intermediado pelo referido advogado, em contraste com a narrativa de supostos favorecimentos a seus clientes. Saliente-se que todos os acordos foram firmados dentro da legalidade, sem qualquer tipo de intervenção de qualquer magistrado na fase de tratativas. As investigações feitas pela extinta força-tarefa levaram à condenação de dezenas de pessoas e à recuperação de significativos valores, e a tentativa de impor uma narrativa distorcida, sem qualquer base nos fatos, é preocupante, merecendo a atenção da sociedade.
6. Nesse contexto fático, é surpreendente que a Procuradoria-Geral da República tenha celebrado acordo de colaboração com Nythalmar Dias Ferreira Filho, figura conhecida por distorcer a realidade de fatos para obter benefícios pessoais.
7. Convertidos de vítimas de Nythalmar Filho em ora investigados, os procuradores subscritores não tiveram acesso ao inteiro teor do suposto acordo, mas uma leitura do que foi veiculado pela revista Veja mostra que a narrativa exposta por Nythalmar Filho é confusa (confunde o nome do investigado “Paulo Preto” com “Paulo Pedro”), incongruente (afirma que os procuradores combinaram a revogação de prisão domiciliar de Adriana Ancelmo, mas recorreram) e mentirosa (investigadores teriam tentado transferir uma investigação de São Paulo para o Rio de Janeiro, quando na verdade o processo foi declinado de forma espontânea pela Justiça paulista), porém condizente com o que parece ser a forma com que conduz sua atividade profissional, moldada à base de mentiras para tentar obter benefícios pessoais.
8. Os procuradores da República subscritores nada têm a esconder, reafirmam seu atuar correto em todos os processos da extinta Lava Jato e continuarão a atuar de maneira independente no combate à corrupção, livres de pautas políticas".
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