Após reintegração de posse em Itaguaí, terreno recebe funcionários da prefeitura e da PetrobrasEstefan Radovicz / Agencia O Dia

Rio - A Defensoria Pública do Rio pediu à Justiça uma audiência especial urgente envolvendo o Estado do Rio e o Município de Itaguaí no processo da Ação de Reintegração de Posse do terreno da Petrobras, naquele município.
Cerca de 350 famílias estão desabrigadas desde o dia 1º de julho e estão alojadas em um CIEP da região, "sem condições de salubridade e sem estrutura de higiene pessoal e alimentação adequadas", segundo a Defensoria.
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Em duas ações no local, a Defensoria Pública já ouviu 435 pessoas. Um levantamento feito pelos defensores mostra que 40% dos desabrigados não tem qualquer tipo de moradia e cerca de 51% disseram depender do pagamento de aluguel social.
Cerca de 96 crianças e adolescentes, 14 idosos e 21 pessoas com deficiência viviam no terreno da Petrobras.
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A pesquisa feita pela Defensoria mostra que 36% das famílias não recebem nenhum benefício social. Dentre os que recebem, 46% auferem auxílio emergencial e 44% Bolsa Família, o que denota a extrema vulnerabilidade dessas pessoas. Um total de 94% das famílias entrevistadas perderam bens durante a desocupação, 27% perderam documentos durante a desocupação e 58% relataram ter sofrido alguma agressão física ou verbal no ato da reintegração de posse.

"Esses dados consolidados do 'cadastramento' realizado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro revela um diagnóstico social que desmonta muitas das conjecturas, preconceitos e ilações construídas ao redor da coletividade 'acolhida' no CIEP 496. E denuncia, ao fundo, a realidade vulnerável e miserável de grande parte da população brasileira em situação de risco social e desalojados em sua essência das políticas sociais e de sua própria dignidade humana", disse a defensora e coordenadora Cível da DPRJ, Patrícia Cardoso.
RESPEITO

Na petição, a Defensoria pede "respeito aos direitos dos cidadãos e que seja apresentado um diagnóstico e um cadastro único com a identificação e mapeamento das necessidades e demandas das famílias e dos indivíduos para que seja possível a sua inserção nas políticas socioassistenciais e habitacionais".
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O órgão quer que o Estado e o Município de Itaguaí apresentem informações em audiência assim como as ofertas de serviços e benefícios socioassistenciais identificados para cada família e indivíduo acolhido.
Por fim, a instituição requer a intimação da Fundação Leão XIII para que apresente, em audiência, o relatório prometido sobre a inclusão dessas pessoas em programas sociais de renda, e da Secretaria de Assistência Social do Município do Rio de Janeiro para que colabore nos desdobramentos necessários ao efetivo cumprimento das decisões judiciais já incluídas aos autos.

"É premente que o Estado o Município de Itaguaí assumam de imediato a responsabilidade social assumida, inclusive perante o juízo, acolhendo, levantando a história de vida, as necessidades e demandas de cada indivíduo a fim de realizarem um efetivo trabalho de inclusão social. A simples disponibilização de uma escola em condições inadequadas não se confunde com acolhimento e em muito se distancia de um papel efetivo de assistência social. Sem uma escuta e diálogo com empatia e implicação na relação com o outro só há aumento da tensão e do histórico de vulnerabilidade que marca cada um que se sujeita a uma condição indigna apenas para comer e ter um local para dormir", afirmou a defensora e coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva, Thaisa Guerreiro.
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CIEP PASSA POR VISTORIA

Representantes da Defensoria Pública realizaram vistoria no CIEP onde as famílias estão alojadas e encontraram várias irregularidades.
"Não há chuveiro e locais para armazenamento dos bens pessoais e alimentos; não há privacidade individual e/ou familiar; não há espaço para realização de refeições; há falta de leite, alimentação adequada, fraldas e pomadas contra assaduras para as crianças pequenas; há intermitência no fornecimento de água para higienização pessoal; insuficiência de água potável e problemas no esgotamento sanitário, com frequentes alagamentos dos banheiros", aponta o órgão. 

Desempregada, Janaína Ribeiro da Silva conta que ela e a família ficam numa sala com mais de 40 pessoas no CIEP, sem privacidade e em péssimas condições.

- Eu trabalhava com carteira assinada, mas fiquei desempregada na pandemia. Não tive condições de manter o aluguel e fui despejada, com dois filhos menores. Fiquei sabendo da ocupação por meio de parentes e amigos. Vi ali um meio de ter um lugar para ficar. Fiz o meu barraco e me senti abrigada.Meus filhos almoçavam, tomavam café por meio da organização que tinha lá. E eu tinha onde ficar. Era a esperança de construir algo melhor - conta Janaína.

A defensora pública Viviane Tardelli, coordenadora do Núcleo de Terras e Habitação (NUTH), destacou que o problema vivenciado pelas famílias que se encontram no CIEP revelam o grave problema do déficit habitacional que atinge pessoas mais vulneráveis.

- A falta de políticas públicas habitacionais agrava esse cenário. Com 30 anos de existência, o NUTH vem atuando em diferentes casos de violações do direito social à moradia: Vila Autódromo, Providência, Casarão Azul, Arroio Pavuna, Canal do Anil, Indiana, Solar da Montanha, Rodrigues Alves e Trapicheiros. Observa-se que famílias sem moradia compõem um dos grupos mais vulneráveis da sociedade, com diversos outros direitos violados. Sem moradia, a realização de outros direitos fundamentais é ainda mais difícil - afirmou Viviane.