Publicado 17/09/2021 06:00
Rio - Entre junho de 2019 e agosto de 2020, 1.250 pessoas presas em flagrante relataram terem sofrido agressões e tortura. Nesse universo, a maioria é constituída por homens (96%), jovens entre 18 e 25 anos (52,8%), negros ou pardos (cerca de 80%) e de baixa escolaridade - 89,3% não completaram o ensino fundamental. Os dados pertencem a um relatório da Defensoria Pública do Estado do Rio (DPE), que será divulgado na íntegra, nesta sexta-feira, às 14h, no evento 'Pelo Fim da Tortura: o Impacto dos Relatos de Agressão nas Sentenças Criminais', que terá transmissão pelo canal no YouTube da DPE.
"O perfil dos que relatam agressão ou tortura demonstra um viés social de racismo em nossa sociedade, e ele está atrelado também ao baixo nível de renda e de escolaridade dessas pessoas, pois esses casos de violação acontecem, em sua maioria, fora da Zona Sul, quando observamos as ocorrências na cidade do Rio", aponta Lúcia Helena Oliveira, coordenadora de Defesa Criminal da DPE.
As informações foram compiladas a partir dos relatos que chegaram ao Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da DPE, a maior parte (93%) proveniente das audiências de custódia. Em relação aos apontados pelos acusados como agressores ou torturadores, a maior parte são policiais militares (85,6%). Num recorte mais amplo, de agentes de estado, considerando policiais, guardas municipais, agentes socioeducativos e penitenciários, o percentual é de cerca de 96%.
Em relação aos tipos mais comuns de agressão, constam chute (477 casos), soco (438), tapa na cara (337) e tapa na cabeça e no pescoço (153). Há, ainda, relatos de sufocamento por sacos plásticos, enforcamentos, queimaduras, madeiradas e coronhadas.
"A tortura ainda é uma realidade em nossa sociedade, e ela é praticada das mais diversas formas, tanto física quanto psicologicamente. Não é razoável que tenhamos esse tipo de prática. Esses tipos de agressões não mais deveriam existir entre nós. Infelizmente, o panorama deste relatório é bem semelhante ao anterior, produzido entre agosto de 2018 e maio de 2019", diz Lúcia Helena.
No período, um relato de tortura se refere ao caso de Jefferson Luiz Rangel Marconi, de 23 anos. Ele conta que foi abordado por militares do Exército na Vila Cruzeiro em 2018, quando saía de um show na comunidade. Após ser apontado como traficante pelos militares, ele conta que foi levado para uma região de mata, onde teve início uma sessão de tortura.
"Eu disse que era trabalhador, que não era bandido. Mas, mesmo assim, fui torturado e preso. Me deram tiros com balas de borracha, me colocaram de costas e me fizeram de alvo para tiros com armas de airsoft. Me deram socos, chutes e colocaram a arma na minha cabeça e disseram para eu olhar para a igreja da Penha e rezar, pois eu iria ser morto. Queriam que eu dissesse onde estavam os bandidos, armas e drogas, mas eu não sabia, não tinha envolvimento", relata o jovem.
Jefferson conta que foi torturado por três dias:
"Depois me levaram para uma base do Exército na Maré, onde a tortura prosseguiu, e depois para um lugar chamado por eles de sala vermelha, na Vila Militar de Deodoro. Tinha uma luz vermelha nessa sala, onde estavam militares à paisana, que me agrediram com taco de baseball. Na audiência de custódia, a juíza fotografou meus ferimentos, mas fui preso mesmo assim. Fui solto mais de um ano depois por falta de provas".
O relato de Jefferson, que responde ao processo em liberdade, ilustra parte do relatório da DPE que avalia efeitos dos relatos de agressões nos processos judiciais. Foram analisadas 534 sentenças em primeira instância, das quais 467 resultaram em condenação total ou parcial: 56% dos casos com base na Lei de Drogas. Segundo Lúcia Helena, os relatos de agressão são poucos considerados nos processos.
"É preciso que haja um encaminhamento desses relatos para órgãos de investigação, o que acontece muito pouco. Quando há relato de agressões por parte de policiais feito por um acusado de tráfico de drogas, por exemplo, e a única prova do crime é o relato desses mesmos policiais, deveria se ter uma atenção mais criteriosa por parte da Justiça, o que poderia ensejar um abrandamento da pena do acusado ou até mesmo o benefício de se responder em liberdade. No entanto, a Súmula 70 do Tribunal de Justiça, que autoriza a condenação de réus quando a prova se restringe a depoimento de policiais, pode resultar em vício no processo judicial, e em injustiças".
"O perfil dos que relatam agressão ou tortura demonstra um viés social de racismo em nossa sociedade, e ele está atrelado também ao baixo nível de renda e de escolaridade dessas pessoas, pois esses casos de violação acontecem, em sua maioria, fora da Zona Sul, quando observamos as ocorrências na cidade do Rio", aponta Lúcia Helena Oliveira, coordenadora de Defesa Criminal da DPE.
As informações foram compiladas a partir dos relatos que chegaram ao Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da DPE, a maior parte (93%) proveniente das audiências de custódia. Em relação aos apontados pelos acusados como agressores ou torturadores, a maior parte são policiais militares (85,6%). Num recorte mais amplo, de agentes de estado, considerando policiais, guardas municipais, agentes socioeducativos e penitenciários, o percentual é de cerca de 96%.
Em relação aos tipos mais comuns de agressão, constam chute (477 casos), soco (438), tapa na cara (337) e tapa na cabeça e no pescoço (153). Há, ainda, relatos de sufocamento por sacos plásticos, enforcamentos, queimaduras, madeiradas e coronhadas.
"A tortura ainda é uma realidade em nossa sociedade, e ela é praticada das mais diversas formas, tanto física quanto psicologicamente. Não é razoável que tenhamos esse tipo de prática. Esses tipos de agressões não mais deveriam existir entre nós. Infelizmente, o panorama deste relatório é bem semelhante ao anterior, produzido entre agosto de 2018 e maio de 2019", diz Lúcia Helena.
No período, um relato de tortura se refere ao caso de Jefferson Luiz Rangel Marconi, de 23 anos. Ele conta que foi abordado por militares do Exército na Vila Cruzeiro em 2018, quando saía de um show na comunidade. Após ser apontado como traficante pelos militares, ele conta que foi levado para uma região de mata, onde teve início uma sessão de tortura.
"Eu disse que era trabalhador, que não era bandido. Mas, mesmo assim, fui torturado e preso. Me deram tiros com balas de borracha, me colocaram de costas e me fizeram de alvo para tiros com armas de airsoft. Me deram socos, chutes e colocaram a arma na minha cabeça e disseram para eu olhar para a igreja da Penha e rezar, pois eu iria ser morto. Queriam que eu dissesse onde estavam os bandidos, armas e drogas, mas eu não sabia, não tinha envolvimento", relata o jovem.
Jefferson conta que foi torturado por três dias:
"Depois me levaram para uma base do Exército na Maré, onde a tortura prosseguiu, e depois para um lugar chamado por eles de sala vermelha, na Vila Militar de Deodoro. Tinha uma luz vermelha nessa sala, onde estavam militares à paisana, que me agrediram com taco de baseball. Na audiência de custódia, a juíza fotografou meus ferimentos, mas fui preso mesmo assim. Fui solto mais de um ano depois por falta de provas".
O relato de Jefferson, que responde ao processo em liberdade, ilustra parte do relatório da DPE que avalia efeitos dos relatos de agressões nos processos judiciais. Foram analisadas 534 sentenças em primeira instância, das quais 467 resultaram em condenação total ou parcial: 56% dos casos com base na Lei de Drogas. Segundo Lúcia Helena, os relatos de agressão são poucos considerados nos processos.
"É preciso que haja um encaminhamento desses relatos para órgãos de investigação, o que acontece muito pouco. Quando há relato de agressões por parte de policiais feito por um acusado de tráfico de drogas, por exemplo, e a única prova do crime é o relato desses mesmos policiais, deveria se ter uma atenção mais criteriosa por parte da Justiça, o que poderia ensejar um abrandamento da pena do acusado ou até mesmo o benefício de se responder em liberdade. No entanto, a Súmula 70 do Tribunal de Justiça, que autoriza a condenação de réus quando a prova se restringe a depoimento de policiais, pode resultar em vício no processo judicial, e em injustiças".
Segundo o Comando Militar do Leste (CML), o Ministério Público Militar (MPM), após investigação minuciosa e independente, decidiu pelo arquivamento, em primeira instância, das denúncias relativas ao caso de Jefferson Luiz Rangel Marconi. A nota afirma que não cabe ao CML comentar decisões judiciais.
"É importante reiterar que o Exército Brasileiro não compactua com qualquer tipo de irregularidade, repudiando veementemente atitudes e comportamentos em conflito com a lei, com os valores militares ou com a ética castrense", acrescenta a nota do CML.
O DIA também procurou a Polícia Militar, a Polícia Civil, a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) e o Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) para repercutir os dados e declarações contidas nesta reportagem, mas ainda não obteve respostas.
O DIA também procurou a Polícia Militar, a Polícia Civil, a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) e o Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) para repercutir os dados e declarações contidas nesta reportagem, mas ainda não obteve respostas.
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