Ofensas contra Renata Souza nas redes sociais. Autores foram denunciados na Delegacia de Repressão a Crimes de InternetReprodução
Publicado 14/11/2021 06:00 | Atualizado 15/11/2021 10:49
A postura agressiva nas redes sociais já é uma realidade consolidada e ganha uma polarização maior quando envolve assuntos políticos, gerando ataques, ofensas e ameaças. Esse tipo de ataques chama atenção entre as mulheres no âmbito da política. De acordo com o Instituto Marielle Franco, cerca de 78% das mulheres negras que se candidataram a cargos políticos sofreram ataques na internet. Diante deste cenário, a Comissão dos Direitos da Mulher da Alerj apresentou um projeto que caracterize as agressões ocorridas no âmbito da política como falta de decoro.

De acordo com a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, 45% dos autores dos ataques contra as candidatas não foram identificados. Cerca de 25% dos responsáveis eram candidatos de grupos políticos adversários e 15% eram integrantes de grupos racistas e neonazistas.
"No cotidiano da luta política, essas violências tentam atacar a nossa legitimidade nos movimentos sociais de defesa dos direitos humanos, em especial na luta antirracista e antimachista. Não à toa, são violências recheadas de racismo e misoginia. Para mudar essa realidade de tamanha desigualdade precisamos nos organizar coletivamente para fazer isso juntas, na política. Não vão nos calar", afirma a deputada estadual Renata Souza (PSol), vice-presidente da Comissão de Direitos da Mulher.
Ataques à deputada estadual Renata Souza - Reprodução
Ataques à deputada estadual Renata SouzaReprodução
De acordo com o titular da Delegacia de Repressão aos Crimes de Internet (DRCI), Pablo Sartori, somente em 2020 a especializada registrou 4 mil denúncias de crimes na internet. Em 2021 são 1800 denúncias. Segundo ele, os números na DRCI vem caindo porque as pessoas estão fazendo registro online, muito por causa da pandemia. 
"As pessoas têm feito as denúncias online depois que a pandemia começou, por isso os números deram uma diminuída porque os registros vão para as delegacias do bairro. Em relação a ameaças, ofensas diretamente a políticos, isso costuma acontecer com mais frequência em época de campanha ou eleição. Nesta época, os números crescem três ou quatro vezes mais, com todos os tipos de ataque", explica.
As denúncias mais comuns são as que envolvem publicações no meio virtual são de ameaça, ofensa e crimes contra a honra e injúria. "A gente percebe que as pessoas começam a acreditar que porque estão em casa, atrás do computador, elas não serão descobertas e vão ficar impune. Mas, a polícia sempre descobre o autor. Uma problemática é a sensação de impunidade. Este tipo de crime, só pode ser denunciado pelo ofendido e aí a situação complica. Geralmente, o ofendido não leva a acusação em frente e aí quem cometeu o crime não é punido", afirma Sartori.
Ele alerta ainda quanto a criminalização dos ataques na internet. "Efetivamente, principalmente em relação à pena, não há diferença em se fazer ameaça pela internet, pessoalmente ou por outro meio. O crime é o mesmo. Os efeitos acabam sendo os mesmos de meios tradicionais. Não há diferenciação de ofensas no Código Penal".
Para Lígia Fabris, professora de Direito da FGV, a polarização política aliada a facilidade de uma pessoa se esconder atrás de um computador contribuem para os ataques virtuais.
"O que acontece é que a polarização política entra em uma disputa fora dos parâmetros democráticos e vai para uma lógica de combate e cria-se a ideia de que quem está do outro lado é inimigo. Isso fomenta a ideia de que você tem que atacar. A polarização amplifica e normaliza os ataques a quem não concorda com você. A internet tem sido um ambiente onde as pessoas se sentem confortáveis para serem violentas porque acreditam que estão anônimas e, portanto, sairão impunes".
A especialista alerta que os crimes de internet contra mulheres envolvidas na política é uma ameaça à democracia.
"Esses ataques a parlamentares são absolutamente graves. Eles comprometem a democracia, já que foram eleitas para representar as pessoas que a elegeram. Essas parlamentares têm legitimidade para exercer a função e veicular suas ideias. É importante combater estes ataques para que essas mulheres possam fazer o trabalho para o qual elas foram eleitas e para que elas possam defender as ideias que as elegeram. Esses ataques são crimes contra a pessoa e contra a democracia".
Parlamentares denunciaram ataques 
Em dezembro do ano passado, Renata Souza (PSol) chegou a registrar uma ocorrência denunciando ameaças sofrida por ela pelas redes sociais. Segundo a parlamentar, a sequência de mensagens teria sido iniciada em abril. Na época, além de ameaças, foi identificado ainda o crime de injúria racial.
Ameaças recebidas pela deputada Renata Souza pelas redes sociaisDivulgação
Benny Briolly(PSol) foi alvo de ameaças de morte e LGBTfobia ainda como candidata a vereadora em Niterói. Em outubro de 2020, ela registrou um boletim de ocorrência na Polícia Civil alegando ter recebido mensagens de ódio nas redes sociais e ameaças de morte. Já como a primeira vereadora trans eleita e a quinta parlamentar mais votada do município, as ameaças continuaram e uma delas fazia menção ao Ronnie Lessa, acusado de executar vereadora Marielle Franco (PSol) em março de 2018, no Rio. "Ronnie Lessa vai te pegar. Metralhadora nela ", dizia o texto.
Diante da gravidade das ameaças, em maio, a vereadora teve que sair do Brasil. Uma das mais sérias, foi um e-mail citando o endereço da vereadora e exigindo que ela renunciasse ao cargo, ou, caso contrário, iriam até casa dela para matá-la. A decisão para que ela deixasse o país foi tomada pelo PSol.
Em agosto desse ano, a vereadora do Rio Monica Benício (Psol), viúva de Marielle Franco, registrou boletim de ocorrência após sofrer ataques lesbofóbicos na internet. As ofensas foram feitas nos comentários das transmissões da TV Câmara no Youtube, durante um discurso da vereadora. O perfil denunciado usou a imagem de um sapato para se referir à Monica Benicio. Foram pelo menos 10 mensagens com dizeres ofensivos. A queixa foi feita na Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI). 
Comentários ofensivos contra Monica Benicio em chat da Câmara dos VereadoresReprodução
"Não tem nem 100 anos que as mulheres conquistaram o direito de votar no Brasil. Embora sejamos 52% da população, não passamos de 15% em nossa representatividade no Congresso. No caso das mulheres negras, somos 2% no Congresso. Nesse contexto, a ascensão do movimento de ocupação da política pelas mulheres, que se acentuou a partir de 2016, é um fenômeno que incomoda por demais. Pois o machismo estrutural é sustentáculo desse modelo de sociedade violento e excludente. Então nossa presença ativa na política desperta a ira de quem quer manter tudo como está e que se expressa desde a violência verbal gratuita nas redes até o feminicídio político, como no caso do assassinato de Marielle", ressalta a deputada estadual Renata Souza.


Ataques podem ser vistos como falta de decoro

Na última semana, a Comissão dos Direitos da Mulher apresentou a proposta de criação de um projeto que caracterize as agressões ocorridas no âmbito da política como falta de decoro. O projeto, da deputada estadual Renata Souza (PSOL), visa adotar medidas com a finalidade de reprimir a violência política de gênero, nos espaços e atividades relacionadas ao exercício de seus direitos políticos.

No texto, algumas ações que devem ser consideradas como falta de decoro foram listadas: empregar a palavra para depreciar a condição de gênero da parlamentar, usar linguagem imprópria, ou que utilizar o expediente final para manifestações de violência política e perseguição, que, direta ou indiretamente, afetam a condição de gênero no exercício de atividade parlamentar e de funções públicas, usar a palavra para praticar violência política de gênero, dentre outras.

"Precisamos realizar uma reflexão profunda. Esse espaço de poder é nosso. Somos 53% da população e estamos vivenciando a violência todos os dias. Seja com a roupa, com o cabelo, com o jeito de viver, tudo. Não adianta trabalharmos isoladamente. Essa luta tem que ser feita coletivamente", ressalta a Enfermeira Rejane.
Em agosto de 2020, a deputada Renata Souza, vice-presidente da Comissão dos Direitos da Mulher na Alerj denunciou o vereador Rodrigo Amorim (PSL) por falta de decoro. Na denúncia ela afirma que o parlamentar "desviou-se propositalmente da questão em discussão para veicular notícia falsa no Plenário da Assembleia Legislativa e desferir ataques injustificados e insinuações ofensivas ". As mesmas ofensas foram feitas ainda nas redes sociais, segundo a deputada.
Rodrigo Amorim em discussão com a deputada Renata SouzaReprodução

Alterações propostas no Código de Ética e Decoro Parlamentar
Art. 18. (...)- Adotar medidas com a finalidade de reprimir a violência política de gênero, nos espaços e atividades relacionadas ao exercício de seus direitos políticos.


Art. 20 (...) alínea f, do inciso I- Interromper o orador que se desviar da questão, ou que empregar a palavra para depreciar a condição de gênero da parlamentar, estimulando sua discriminação em razão de gênero, cor, raça ou etnia, advertindo-o; em caso de insistência, retirar-lhe a palavra.


Art. 79. (...)- O parlamentar que empregar linguagem imprópria, ou que utilizar o expediente final para manifestações de violência política e perseguição, que, direta ou indiretamente, afetam a condição de gênero no exercício de atividade parlamentar e de funções públicas terá sua palavra imediatamente interrompida.

Art. 149 (...)- É vedada a utilização da palavra para praticar violência política de gênero.

Art. 8º (...) — O Código de Ética e Decoro Parlamentar-
Assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de gênero ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar o desempenho de seu mandato eletivo.
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