Antigo Hotel Glória será transformado em prédio residencial

Edifício passará por retrofit e abrigará mais de mil moradores. Obras serão finalizadas em 2026

Rio de Janeiro

Carolina Moura
Fachada do antigo hotel Glória será mantida e passará por revitalização Divulgação

Rio - O primeiro prédio feito de concreto armado na América do Sul, que também foi o primeiro hotel cinco estrelas do Brasil, vai passar por um retrofit. O antigo Hotel Glória, na Zona Sul do Rio, conhecido pela estrutura histórica de 1920 com uma arquitetura neoclássica, será revitalizado e transformado em um condomínio residencial de luxo, com 266 apartamentos com metragens de 70 a 314 metros quadrados, além de um espaço comercial no térreo. As obras já começaram e a previsão de entrega é para 2026. Com um toque contemporâneo mas sem deixar as características históricas do local, a ideia do empreendimento, que pertence ao Opportunity Fundo de Investimento Imobiliário e a SIG Engenharia, é manter a fachada para preservar a memória.

Galeria de Fotos
Local onde era o hotel Glória ficou abandonado Sandro Vox / Agência O DIA
Moradores acreditam que o novo empreedimento irá trazer mais vida ao bairro Sandro Vox
Moradores da Glória, Zezé, Marconi e Wilson aprovam a construção de um prédio residencial no local Sandro Vox
Antigo hotel Glória era palco de Concurso de Fantasias de Carnaval Reprodução
Fachada do antigo hotel Glória será mantida e passará por revitalização Divulgação


De acordo com gestor do Opportunity Imobiliário, Jomar Monnerat, o projeto retrofit, aprovado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), terá a sua fachada preservada e recuperada, seguindo toda a legislação para o modelo de empreendimento. O investimento é de R$ 250 milhões. "O contemporâneo estará presente no residencial, mas sem deixar de lado as características icônicas do hotel. Para chegar à essência do projeto, investimos em pesquisas com especialistas, historiadores, personalidades e potenciais moradores. O resultado dessa imersão poderá ser visto em cada detalhe do empreendimento", disse Jomar.

Segundo Jomar, a obra do novo Glória vai gerar 4.500 vagas de empregos diretas e indiretas. Depois de pronto, o empreendimento terá 266 unidades, o que significa, pelo menos, 1 mil novas pessoas circulando. Além disso, ele acredita que com as lojas no térreo do residencial, o local ficará mais movimentado, contribuindo para a segurança da região.

"O bairro tem uma história que precisa ser resgatada e preservada. Vale destacar também que estamos iniciando uma série de ações para contribuir e somar às da prefeitura com a revitalização da Glória. Entre elas estão a execução de nova calçada, pintura dos balaústres, limpeza da murada, reforma e recuperação dos postes", declarou. "Além disso, vamos entregar a Enseada Adolpho Bloch com um novo paisagismo. Outra importante ação será o restauro e o retrofit do Castelinho da Glória, bem tombado nacional localizado na Rua do Russel, 734", completou.

O Hotel Glória sofreu um processo de degradação desde o seu fechamento, em 2008, e agora, segundo o Opportunity Imobiliário, o novo empreendimento vai carregar o projeto ‘Dias de Glória’, iniciativa da Secretaria Municipal de Turismo que tem como objetivo reconhecer o potencial turístico do local em 40 endereços, incluindo o hotel.

Maria José Ferreira dos Santos, conhecida como Zezé, de 64 anos, é moradora do bairro da Glória há 27 anos e torce para que o prédio seja inaugurado em breve. "Eu acho que essa notícia foi a melhor que podíamos ter nos últimos tempos. O hotel estava abandonado há muitos anos, um desperdício. Nós perdemos o teatro, que era ali do lado e, para os moradores da rua do Russel, as coisas ficaram sem movimento", disse. "Quando o hotel foi do Eike, o barulho das máquinas ali era insuportável. Muitos moradores até se mudaram daquela região porque não aguentaram", completou Zezé, que declarou apoio ao novo formato do hotel sendo residencial. "Isso nos dá esperança porque o nosso temor era aquilo ali se desmoronar. Então, esse complexo residencial será um alento. Vai dar mais movimento, gerar mais emprego, girar a economia. Hoje, ali nas redondezas do hotel é um deserto, não tem segurança", finalizou.

O vice-presidente da Associação de Moradores da Glória, José Marconi de Andrade, disse que os moradores lutaram pelo Glória até o Eike Batista falir. Ele acredita que o local tem toda uma história, mas não deu certo. "A gente acredita que, entre virar ruínas, como a maioria dos prédios históricos no Rio, que seja feito o residencial. Claro que o glamour do hotel seria mais impactante para o bairro, mas também temos consciência de que isso não ia mais acontecer", declarou. "Acho que aquela área ao redor do hotel ficou muito isolada e começou a se deteriorar por causa de um espaço sem utilização. Agora, com o prédio, vai dar um gás ali. O grupo vai bancar até a restauração de outros monumentos históricos, como a abertura dos portos, que fica em frente, então não tem como não ficar satisfeito", completou.

Como morador, Marconi é mais a favor da criação de um hotel do que de um prédio. "No hotel, existe a possibilidade de qualquer pessoa entrar, diferente do residencial, que é algo mais privado. Se eu for falar pelo meu lado amor ao patrimônio histórico da cidade, acho que foi uma perda terrível para a cidade", disse. "Ao mesmo tempo, tenho que cair na realidade que, se alguém não assumir aquela fachada, a gente vai perder aquela fachada histórica. Então, vai ser um impacto positivo e a construção desse edifício vai dar vida a toda aquela região abandonada", concluiu. "Na época que estava com o Eike, a gente achava que a Glória ia se tornar um paraíso na terra e foi decepção total. Agora, estamos confiantes", finalizou.

O Iphan informou, através de nota, que aprovou a intervenção e, embora não seja um bem cultural tombado, o antigo hotel se encontra na área de entorno de dois bens protegidos pelo instituto: o “Castelinho da Glória” e o Aterro do Flamengo.

Para o Técnico de Edificações e Gestor Empresarial, Wilson Guedes, de 63, a revitalização virá em boa hora e não tem preferência: pode ser hotel ou residência. "Acredito que será muito bom para o bairro, mas também queria que eles cuidassem ali da região ao redor. Com esse novo empreedimento, acredito que a segurança vai melhorar também", disse Guedes, que mora há 42 anos no bairro.

História

Com 150 quartos, o hotel foi inaugurado no dia 15 de agosto de 1922 e foi um sucesso. A proximidade com o centro cultural, financeiro e político da cidade do Rio de Janeiro (que na época era capital do Brasil) fez com que o estabelecimento fosse querido por grandes artistas do cinema, cantores, políticos e chefes de Estado.

Sua construção foi uma iniciativa do empresário Rocha Miranda, por meio da Companhia de Hotéis Palace, para ser o primeiro hotel cinco estrelas do Brasil. Ele foi inaugurado no centenário da independência do Brasil.
O projeto do edifício foi de Joseph Gire, o mesmo arquiteto que projetou o Copacabana Palace Hotel, em estilo neoclássico e dotado de teatro, cassino, salão de festas e de jogos e áreas de lazer. Sua construção foi auxiliada por engenheiros alemães.

Ele foi erguido para receber convidados que chegaram ao Brasil para as comemorações do centenário da Independência, mas também ficou famoso pelos eventos que eram realizados lá. Entre eles, convenções, congressos e bailes de formaturas de grande porte. Além disso, também era lá que acontecia o famoso Concurso de Fantasias de Carnaval, contando com presenças ilustres como Clóvis Bornay e Evandro de Castro Lima.

Antigo projeto de Eike

Eike Batista comprou o empreendimento em 2008, por R$ 80 milhões. A ideia dele, na época, era uma grande reforma do hotel, que seria transformado em um luxuoso seis estrelas. "Vamos resgatar o charme dos anos 1920", prometeu ele. Seu desejo era terminar a obra a tempo de aproveitar a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada Rio 2016, mas isso não aconteceu. Com a capacidade do setor hoteleiro do Rio ampliada após os grandes eventos, o desafio foi ainda maior.

Com a crise no Grupo EBX, a entrega foi adiada para a Olimpíada de 2016, mas as obras pararam em 2013 e não foram retomadas. O Mubadala, fundo de investimentos de Abu Dhabi, comprou de Eike Batista o imóvel que já se encontrava abandonado, com problemas com água parada e focos do mosquito Aedes aegypti, transmissor dos vírus da dengue, chikungunya e zika.