Por bianca.lobianco

Rio - Um grupo de pessoas se aproxima de uma vidraça na Rua Ary Leão, principal via do Parque União, no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio. Do lado de dentro, homens cortam cabelos de clientes usando gravata borboleta, suspensório e chapéu tipo panamá. Era uma barbearia retrô, que estava sendo inaugurada ali. Nos primeiros dias, a cena arrancou gargalhadas dos moradores, que não estavam acostumados a ter um tipo de comércio que só faz parte do universo de quem vive no asfalto.

Fazia. Um ano depois, a Cool Barber Shop já passou a fazer parte do cenário local. Três barbeiros fazem barba, cabelo e bigode no estabelecimento, que também funciona como loja. Outras duas pessoas atendem clientes, vendendo café, refrigerantes e até roupas.

O barbeiro Clayton Guimarães pretende levar a Cool Barber Shop para outras comunidades do Rio%2C como Rocinha%2C Alemão e JacarezinhoDivulgação

“Nos primeiros dias, as pessoas apontavam para a barbearia, rindo. Com o tempo, se acostumaram. Adotei esse figurino para criar um personagem dentro do conceito de barbearia retrô. E isso acaba sendo um diferencial, atraindo a atenção. Foi uma aposta que acabou dando certo”, explica o cabeleireiro Clayton Fernandes Guimarães, dono da barbearia.

A ideia não só deu certo como irá se expandir para outras comunidades. No próximo mês, uma nova barbearia será inaugurada na Vila dos Pinheiros, também na Maré. Um empresário da Rocinha, uma das maiores favelas da América Latina, já abriu negociações para abrir uma franquia do negócio. Também há a chance de novas barbearias da marca no Complexo do Alemão e no Jacarezinho. “Vejo muito potencial nas comunidades. E quero manter essa identidade”, explica Clayton.

Um caso de sucesso que não passava nem em sonho para aquele moleque de 15 anos, que começou cortando o cabelo dos amigos por R$ 2, na laje da mãe. Com diploma de cabeleireiro no Senai RJ na parede, Clayton percebeu que o hobby tinha virado profissão ao ver se formar fila de espera por corte.

Clayton também atende celebridades como o pagodeiro Ferrugem%2C na foto%2C em barbearia na BarraDivulgação

O atendimento não se limitava apenas aos amigos. Pegou dinheiro emprestado com a tia para comprar equipamento usado, como cadeira e lavatório, abrindo um salão improvisado na laje. Depois, expandiu o negócio. Fez uma pequena obra para abrir uma lojinha com roupas e produtos de academia.

Mas foi só há um ano que decidiu trazer uma tendência do asfalto para a favela, em parceria com um sócio. Alugou um espaço na principal rua do Parque União e montou a barbearia retrô na favela. “A ideia é mostrar que na comunidade também é possível ter coisa bacana. O morador gosta de dispor de bons serviços. A barbearia retrô se tornou um diferencial”, argumenta.

Hoje, quem debochava da barbearia na comunidade virou cliente. São até 50 pessoas atendidas por dia. Segundo Clayton, é gente que vem da Penha, Cordovil, Realengo e até de Niterói.

Agora, quando um grupo de moradores se aproxima daquela vidraça na Rua Ary Leão, não é para rir: é para fazer barba, cabelo e bigode com estilo e atendimento VIP, dentro da favela.

O corte que faz a cabeça dos famosos

Cabelos e barbas estilizadas, em degradê, com pigmentação, undercut ou pompadour. Na favela, o cabelo custa até R$ 30. A barba sai por R$ 20. No asfalto, esse tipo de serviço custa bem mais.

O corte que faz a cabeça dos moradores da Maré, incluindo designs com estrelas e listras com formatos tribais, também está conquistando jogadores de futebol e pagodeiros que frequentam uma barbearia na Barra, onde Clayton trabalha três vezes por semana. O pagodeiro Ferrugem e os flamenguistas Juan, Marcelo Cirino e Juan são clientes assíduos. “O que tem de moderno no mercado é o que procuro fazer. Meus cortes são os mais atuais possíveis, e podem levar até duas horas, incluindo a linha de barbas estilizadas. Isso atrai público, da favela ao asfalto”, orgulha-se.

Clayton diz que trabalha na barbearia da Barra para ajudar na qualificação dos profissionais de lá. O público mais elitizado de um dos bairros mais nobres do Rio busca a qualidade de atendimento na favela.
Clayton também atende celebridades como o pagodeiro Ferrugem, na foto, em barbearia na Barra. 

Parceria com Cufa e página com mais de 2 mil curtidas

A Cool Barber é um caso de sucesso em comunidades. A página no Facebook, com mais de 2,2 mil curtidas e selo de qualidade com cinco estrelas, na avaliação dos próprios internautas, despertou a atenção da Central Única de Favelas (Cufa).

No mês passado, Clayton foi convidado para contar a história da barbearia em uma palestra no Complexo do Alemão durante a maratona do Facebook de empreendedorismo, em parceria com a Cufa. “Ensinei todos os barbeiros que trabalham comigo”, diz.

Tudo começou com uma ideia: sair da laje e abrir loja na principal rua do Parque União. Foi então que alugou um espaço onde funcionava uma loja feminina, por R$ 1,7 mil por mês.

“Pensei: ‘chegou a hora de investir e dar um passo adiante’. No começo, as pessoas paravam na porta e ficavam dando risada. O legal de tudo isso é que hoje tem uma barbearia que seguiu o mesmo padrão. Aquilo que no início foi engraçado, agora serve de exemplo para os outros”, orgulha-se.


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