André GabehLuciano Belford/Agência O Dia
Por André Gabeh
Rio - Outro dia estava numa reunião de amigos da Zona Sul e a conversa descambou pra assuntos sobrenaturais.

Se você morou no subúrbio dos anos 60 e 70 e fim dos 80, quando tudo era mato, buracos de obra e lojas
Sapasso, sabe que o sobrenatural, pra gente, era tão normal que nossos fantasmas, encostos, amigos invisíveis e espíritos guardiões tinham até nome e aniversário anotados nas nossas agendas Tilibra.

Meus amigos estavam muito impressionados com um caso de “aparição” num centro espírita olístico namastê raio de luz Danoninho quântico astral. Disseram que viram uma vibração na chama de uma vela. Ai Deus... Gente!

Aqui no subúrbio tratamos vibração com Luftal e, se a chama de alguma vela começar a fazer muita graça ou a gente apaga ou pede o WhatsApp do ser que está ali queimando a rabiola na labareda tentando mandar um áudio.

As pessoas se arrepiavam com a narrativa estilo “MANOEL CARLOS visita o Gantois” dos caras que viveram a
experiência mística e eu ouvia aquele tralalá água com açúcar fazendo cara de “conte-me mais, Donzela Tiodora”.

Mas não havia nada mais pra contar, era só tremelique de vela mesmo.

Resolvi chocar: - Essas coisas eram super normais lá na casa da minha vó. Lá tinha um espírito, ou dois, ou
quinze... Enfim, lá na casa da minha vó a gente acordava de madrugada com barulhos de panelas caindo, porta de geladeira batendo, cochichos... Uma vez a gente ouviu alguém cantar parabéns e bater palmas.

Umas três da manhã.

As pessoas acharam que era brincadeira minha, mas perguntaram o que a gente fazia nessas situações.
Respondi que minha vó, do quarto dela mesmo, fazia um monte de conjurações e orações de banimento pra coisa ruim, ordenava que quem estivesse bagunçado a cozinha deveria arrumar tudo em nome de Oxalá e chamava IANSÃ pra levar as quiumbas embora. Mas no dia do “parabéns” ela pediu bolo. Minha vó sempre queria bolo.

Uma das meninas presentes estava tão incrédula que por debaixo da mesa devia estar solicitando uma internação psiquiátrica pra mim.

Continuei: - Pilares era pros fortes. Na porta das Sendas tinha um homem que engolia pintos. A moça resignada comentou: - Ah... eu também faço isso. Inclusive gosto. Fingimos costume. Expliquei que era pintinho, filhote de galinha. Todos se arrepiaram e reviraram olhos. - Ele engolia o pinto. O pinto sumia em sua boca e ficava fazendo piu piu piu piu, no bucho do homem. Aí, dava dois minutos e ele cuspia o pinto de volta. Vivinho. As expressões eram de total pavor.

- Aqui na Zona Sul as assombrações se confundem com as pessoas e as vezes você está falando com
um desencarnado e acha que é algum figurante da primeira versão de Saramandaia.

As pessoas concordaram comigo e um moço perguntou: - E ninguém tem medo??

Respondi que a gente se assusta, lógico, mas que resolvemos com uma limpeza da casa com anil,
umas velas acesas no cruzeiro, uns bate-folhas... Contei que a gente já nasce no meio da linha de
mistura das religiões e que na minha infância todo mundo era católico devoto de Oxalá.

A vela treme-treme já estava mais sem valor que guardanapo de bolo de aniversário quando dei o
golpe de misericórdia:

- Mas nada na minha infância era mais assustador que o mão pelada, o Pondê e o LOBISOMEM DE
CAVALCANTI.

Gente. Eles pareciam os canarinhos de Petrópolis quando perguntaram juntinhos: LOBISOMEM DE
CAVALVANTI??

Respondi que era isso mesmo: O LOBISOMEM DE CAVALCANTI acabou com o resto de inocência e
paz que eu possuía e fez a mesma coisa com todos os moradores da Barbosa Rodrigues do começo
dos anos oitenta até o início da década de noventa.

Meus amiguinhos ficaram em silêncio. Ao mesmo tempo que tentavam acreditar eles achavam tudo
muito absurdo e improvável.

No meio deles tinha um rapaz recém incluído no grupo que estava em silêncio desde o início da noite.
Após tantas revelações ele resolveu falar:

- Minha mãe morava em Olaria e ela disse que lá corria a lenda de que um monstro feito de cocô
assombrava a rua dela.

Choque!

Me recolhi a minha insignificância. Zerou a noite.