Arte Coluna Nuno 21 fevereiro. Ilustração Paulo EsperPaulo Esper
Por Nuno Vasconcellos
Publicado 21/02/2021 06:00
O título deste artigo reproduz a pergunta feita na primeira página de O DIA na quinta-feira passada. Ela não tem, como alguns talvez suponham, a intenção de transferir para os eleitores a responsabilidade pelo discurso de ódio que o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) proferiu no vídeo em que faz ameaças a Edson Fachin e outros ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Além das críticas inflamadas aos integrantes da Corte, o parlamentar teceu elogios ao Ato Institucional nº 5 — o mais draconiano dos instrumentos de exceção do regime militar.
A intenção com a pergunta é voltar a um tema tratado com insistência neste espaço ao longo da última campanha eleitoral: é preciso cuidado e critério na hora de escolher os integrantes das casas legislativas. Do contrário, corremos o risco de dar a quem não merece uma procuração para falar bobagens em nosso nome.
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É difícil imaginar que, hoje, os 31.789 cidadãos que deram a Silveira a última das 12 vagas conquistadas pelo PSL do Rio na Câmara dos deputados endossem a forma e o conteúdo do que ele disse. Com a provável exceção de meia dúzia de seguidores mais fanáticos, ninguém em sã consciência aprova o comportamento “virulento, rasteiro, chulo, debochado e descontrolado” como o de Silveira em seu vídeo.
Essas palavras também foram utilizadas por O DIA para qualificar os impropérios dirigidos por Silveira a Fachin e a outros integrantes do STF. A fala provocou a reação do ministro Alexandre de Moraes, que mandou prender o parlamentar em flagrante. A ordem do ministro, ao invés de encerrar o assunto, acendeu a chama de uma discussão que ainda levará algum tempo para ser apagada.

DEVER FIDUCIÁRIO — A primeira pergunta a ser feita diante da fala de Silveira é: o que a sociedade ganhou com a confusão? A resposta é: nada; absolutamente nada! Tudo o que o Brasil e o povo do Rio, que ele representa no Congresso, não precisavam neste momento era de uma crise institucional que desviasse a atenção do que realmente importa. Ou seja, da falta de vacinas contra a covid-19, da grave crise social que o país vive sob a pandemia, das balas perdidas, do aumento da criminalidade e das reformas estruturais capazes de estimular o crescimento.
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Diante da proporção que o assunto ganhou, no entanto, não há como o país tocar a vida adiante antes de resolver essa pendência. Vamos aos fatos: Silveira é, e nunca escondeu isso, um político de direita. Foi eleito de acordo com as leis do país para falar em nome de uma parcela da sociedade que, como as demais, merece ter voz no Congresso. Isso é legítimo e necessário para o equilíbrio da representação parlamentar.
Na condição de deputado, no entanto, ele tem um dever fiduciário não só para com seus eleitores mas para com toda a sociedade. E o mínimo que se esperava dele é que agisse com serenidade e honradez — e fosse digno do mandato que lhe foi temporariamente conferido. No episódio do vídeo, no entanto, ele extrapolou os poderes que lhe foram conferidos ao descer suas críticas ao Poder Judiciário ao nível mais inadmissível das ofensas pessoais. E atraiu, com isso, a reação previsível dos que foram atacados.
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Correligionários se apressaram em dizer que as ameaças que Silveira dirigiu a Fachin e ao STF não eram para valer e a única intenção do deputado era “causar” — gíria que se refere a atos estapafúrdios de pessoas em busca de notoriedade instantânea. Ele tinha uma razão para isso: eleito em 2018, não precisou de muito tempo para perceber que Brasília, assim como dá projeção aos parlamentares mais influentes, esconde aqueles que, como ele, não ultrapassam os limites do “Baixo Clero”.
Os integrantes do bloco, visto como uma espécie de segunda divisão parlamentar, só permanecem vivos na política quando são capazes de manter seus nomes em evidência junto às bases que o elegeram. Isso exige traquejo, toma tempo e dá trabalho. Ex-militar, com a carreira marcada por atos de insubordinação e uma trajetória política construída pelo ativismo nas redes sociais, ele vinha perdendo prestígio e se mostrava preocupado com as eleições de 2022. Para melhorar suas chances, estava em busca de um fato capaz de manter seu nome vivo entre os eleitores.

“PRERROGATIVAS CONSTITUCIONAIS’’ — A notoriedade que ele perseguia foi alcançada, mas as consequências de seu ato talvez não tenham sido as desejadas. Enquadrado na Lei de Segurança Nacional (LSN), Silveira foi preso em flagrante por ordem de Moraes — decisão confirmada no dia seguinte pelo plenário do STF. Por unanimidade. Na quinta-feira, o deputado passou por uma audiência de custódia, que o manteve na prisão. Na sexta-feira, a Câmara se pronunciou a respeito e Silveira continuou preso.
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Alguns juristas chegaram a apontar uma contradição no processo iniciado por decisão de Moraes: em nome da democracia, o ministro apelou para o arcabouço jurídico da ditadura. Assinada em 1983 pelo general João Figueiredo, a LSN faz parte do “entulho autoritário” que sobreviveu à Constituição de 1988. Deixando, porém, os aspectos jurídicos para serem tratados no foro apropriado, é preciso focar no aspecto pedagógico da medida. Ao enquadrar Silveira na LSN, Moraes mostrou aos que pensam como ele o que significa suportar o jugo dos instrumentos de um regime de exceção.
Isso, claro, tem uma ponta de ironia. Da mesma forma, não deixa de ser irônico o fato de Silveira argumentar em sua defesa que suas palavras de apoio à ditadura estavam protegidas pelas “prerrogativas constitucionais” que ele desfruta como um deputado que exerce o mandato num regime democrático. O inciso I do Artigo 5º do AI-5 elogiado por ele previa, entre outras medidas duras, a “cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função”.
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O tema é complexo e a decisão não morrerá aqui. Por mais longe que tenha ido — e sem que isso signifique aprovação ao que ele disse — Silveira tem, como parlamentar e como cidadão, o direito de ter argumentos de sua defesa levados em conta antes de um veredito definitivo. Condenar alguém antes do julgamento não é próprio das democracias. Negar ao deputado ou a qualquer acusado o direito à ampla defesa significa admitir que o Brasil vive sob o regime de exceção que acusam Silveira de querer implantar no país. O STF precisa fazer sua parte e demonstrar que isso não é verdade.
 (Siga os comentários de Nuno Vasconcellos no twitter e no instagram: @nuno_vccls)

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