Publicado 09/05/2021 06:00
A pandemia da covid-19 segue causando milhões de mortes e a campanha de imunização avança numa lentidão inaceitável. O desemprego continua impondo dificuldades a milhões e milhões de famílias. A cada dia, mais empresas fecham as portas. A infraestrutura se deteriora a olhos vistos de norte a sul do país. Em meio a tudo isso, a atenção de uma parte dos parlamentares brasileiros é atraída por um tema que não leva em conta os dramas da população que os elegeu.
Na semana passada, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL) instalou em Brasília a “Comissão Especial para Análise, Estudo e Formulação de Propostas Relacionadas à Reforma Política”. O nome é pomposo e serve para esconder as intenções que trouxeram esse tema para o centro do debate. Presidido pela deputada Renata Abreu (Podemos-SP), a comissão tem o objetivo declarado de resolver aquele que, aos olhos de uma parte expressiva dos políticos brasileiros, parece ser o pai de todos os problemas: o financiamento das campanhas eleitorais.
A ideia da comissão não é eliminar o Fundo Partidário — o ralo pelo qual escoam a cada ano R$ 2 bilhões em dinheiro público e que serve para financiar os partidos. Esses recursos já estão contabilizados e neles ninguém mexe! Por maior que essa bolada pareça aos olhos de um país onde falta recursos para tudo, os deputados querem mais e, para isso, pretendem ressuscitar um mecanismo que o STF tirou de cena há seis anos: o financiamento das campanhas por pessoas jurídicas. A intenção de Suas Excelências é permitir que cada CNPJ brasileiro possa doar valores de até R$ 1 milhão para engordar os caixas das campanhas eleitorais.
INSULTO À INTELIGÊNCIA — É lógico que, nos salões de Brasília, se ouvem dezenas de argumentos em defesa dessa prática. Os mais eloquentes dizem que o dinheiro do Fundo Partidário é uma ninharia e que, ao bancar as campanhas eleitorais, as empresas estariam, na prática, financiando a democracia. Com todo respeito que os parlamentares merecem esse argumento, além de cabotino, é um insulto à inteligência do país.
INSULTO À INTELIGÊNCIA — É lógico que, nos salões de Brasília, se ouvem dezenas de argumentos em defesa dessa prática. Os mais eloquentes dizem que o dinheiro do Fundo Partidário é uma ninharia e que, ao bancar as campanhas eleitorais, as empresas estariam, na prática, financiando a democracia. Com todo respeito que os parlamentares merecem esse argumento, além de cabotino, é um insulto à inteligência do país.
Ninguém aqui está dizendo que todos os políticos brasileiros se movem apenas por esse tipo de interesse. Nada disso: muitos entre eles se dedicam aos problemas mais urgentes mas não são, infelizmente, capazes de conter o apetite da turma que encara a política meramente como um negócio. Ninguém está, também, negando a importância das campanhas eleitorais!
Até onde se sabe, porém, a democracia não se resume às disputas nas urnas. Muito mais importante do que dispor de recursos financeiros para tentar conquistar o voto do eleitor a cada dois anos é cuidar bem do próprio mandato. Isso mesmo! A principal ferramenta que um político tem para tornar seu nome conhecido e respeitado pelos eleitores é fazer com que seu mandato se torne útil aos olhos da população. O que se vê da parte de muitos deles, no entanto, é um esforço enorme para fazer com a que população se torne cada vez mais útil a seus interesses.
Isso mesmo. Aos olhos da população, há várias providências mais urgentes do que o financiamento das campanhas — que sempre aparece no topo da lista das prioridades. E mais: a cada dia que passa, eles parecem mais preocupados em ampliar seus direitos, que já são muitos, e ao mesmo tempo reduzir as obrigações, que não são tantas assim.
O mesmo ato que proibiu o financiamento das campanhas com dinheiro de pessoas jurídicas, seis anos atrás, estabeleceu critérios para que as pessoas físicas fizessem doações legais aos políticos. Isso seria, pelo menos em teoria, uma forma de estabelecer um vínculo mais estreito entre os partidos e os cidadãos. Afinal, pelo menos por enquanto, empresa não vota — direito facultado apenas às pessoas físicas. Só que, desde então, os partidos mais fisiológicos nada fizeram para atrair os cidadãos — e vivem se queixado da proibição de doações por empresas.
DUE DILIGENCE — Ao invés de procurar meios de se mostrar úteis aos eleitores e atrair doações por meios lícitos e transparentes — como acontece, por exemplo, nos Estados Unidos —, a impressão que se tem é a de que esse grupo de políticos está sempre atrás de mecanismos que lhe permita continuar agindo por baixo dos panos. Eles fariam muito mais pela população, pela democracia e pelo prestígio da atividade política caso deixassem de pensar em si mesmos e procurassem olhar para a população.
DUE DILIGENCE — Ao invés de procurar meios de se mostrar úteis aos eleitores e atrair doações por meios lícitos e transparentes — como acontece, por exemplo, nos Estados Unidos —, a impressão que se tem é a de que esse grupo de políticos está sempre atrás de mecanismos que lhe permita continuar agindo por baixo dos panos. Eles fariam muito mais pela população, pela democracia e pelo prestígio da atividade política caso deixassem de pensar em si mesmos e procurassem olhar para a população.
Semanas atrás, foi apresentada neste espaço a ideia de tornar os partidos políticos responsáveis civil e penalmente pelos atos de seus filiados no exercício de mandatos ou com algum cargo de direção na estrutura partidária. A ideia dessa proposta é fazer com que as agremiações, que são financiadas com recursos públicos, passem a responder pelos desvios de conduta ou por eventuais crimes cometidos por seus filiados. E que deixem de ter acesso a esse dinheiro caso algum de seus integrantes cometa alguma irregularidade que lese o interesse público.
A ideia nada tem de original. Desde o ano passado, os bancos brasileiros respondem pela legalidade do dinheiro de seus clientes. Se em algum momento ficar provado que um correntista guardou na instituição recursos obtidos, por exemplo, com a corrupção ou o tráfico de drogas, o banco é punido. A intenção da lei foi obrigar o sistema financeiro a adotar práticas mais rigorosas de compliance e fazer due diligences detalhadas a cada vez que alguém abrir conta em alguma de suas agências.
Assim como os bancos, os partidos políticos são Pessoas Jurídicas de Direito Privado. Além disso, são financiados por dinheiro público. Nada mais justo, portanto, do que torná-los responsáveis pelos atos dos filiados que se beneficiam dos recursos públicos que arrecadam. Isso pode ter algumas consequências positivas como, por exemplo, a de obrigar que as instituições sejam mais criteriosas na avaliação das pessoas que admitem entre seus filiados.
Há consequências possíveis. Uma delas seria a de coibir as movimentações de políticos que trocam de partido como trocam de gravatas — muitas vezes em busca de uma legenda de aluguel que os acolham depois que alguma irregularidade os afastam de outras agremiações. Outra seria oferecer algum risco para os políticos que tratam os partidos apenas como um negócio pessoal, do qual tiram seu sustento e o de suas famílias. Tomar atitudes nessa direção talvez possa inverter essa lógica perversa e colocar os partidos e os políticos para trabalhar em benefício da população. E não de querer que todos trabalhem sempre para eles.
(Siga os comentários de Nuno Vasconcellos no twitter e no instagram: @nuno_vccls)
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