Completando 20 anos de carreira, Leonardo Lobo ganhou de presente uma Moção de Aplauso da Câmara Municipal de Niterói, cidade onde mora, por iniciativa do vereador Milton Cal
Completando 20 anos de carreira, Leonardo Lobo ganhou de presente uma Moção de Aplauso da Câmara Municipal de Niterói, cidade onde mora, por iniciativa do vereador Milton CalDivulgação
Por Irma Lasmar
SÃO GONÇALO - Pianista concursado da Orquestra Sinfônica Municipal de São Gonçalo desde 2013, Leonardo Lobo, 38 anos, é uma exceção a várias regras. Instrumentista, cantor, arranjador e exímio compositor, além de um inspirador professor de música, ele consegue sobreviver no Brasil trabalhando com o que ama, e com a estabilidade de um servidor público da rede de ensino na área que escolheu. E mais: sendo cego desde os 17 anos, quando a doença gradual e irreversível chegou ao ápice. Com um portfólio de dois discos gravados e muitos shows, próprios ou compondo bandas, Leo comemora vinte anos de carreira com a simpatia, a humildade e o vigor que lhe são marca registrada. E nesta semana, veio o presente: uma Moção de Aplauso da Câmara Municipal de Niterói, cidade onde mora, por iniciativa do vereador Milton Cal (PP). 
Composta por 27 músicos com instrumentos de percussão, sopro e base, a orquestra municipal gonçalense voltou a se apresentar presencialmente após a flexibilização do isolamento social em São Gonçalo, tocando às sextas-feiras durante o pôr do sol da Praia das Pedrinhas, no Boa Vista. No repertório, clássicos de Wilson Simonal, Lulu Santos, Alcione, Elba Ramalho e Gonzaguinha. O grupo tem a regência dos maestros Gerly Sueth, Leandro Campanate e Gustavo Fernandes.
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"Toda a formação do Leonardo ocorreu em instituições públicas. A história de vida dele é um exemplo de que não existem barreiras quando a vontade encontra a oportunidade. A honraria do Legislativo niteroiense é uma singela homenagem perto do merecimento desse artista", declarou o vereador Cal.
Em duas décadas dedicadas à carreira artística, Leo gravou em 2012 um disco instrumental ao piano e outro em 2014 de pop rock com teclado e voz, além de participar de mais de trinta produções como músico, arranjador e/ou produtor de diversos cantores. Sem pandemia, continua se apresentando em shows intimistas, porém é o magistério sua maior ocupação atual: ele é professor de música da Educação Infantil e do Ensino Fundamental em Niterói, atuando no momento nos colégios Objetivo, no bairro de Camboinhas, e Smirna, no Maceió, entre outros pelos quais já passou, além de dar aulas de piano e teclado para alunos particulares.
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“O palco representa no momento uma parcela pequena da minha agenda, tomada pela atuação em salas de aula, mas ainda domina a maior parcela do meu coração. Sinto muita falta dos shows. Mas, sendo músico em um país cujos governantes não valorizam a cultura, a carreira acadêmica se mostrou mais sólida. Posso dizer que sou uma exceção no meio, pois vivo de música de maneira formal, como concursado público e tendo mais dois contratos em regime de CLT, e tudo isso sendo deficiente visual, o que neste país é um agravante para a escassez de oportunidades. Minha satisfação é inenarrável, porém lamento não ser a regra”, desabafa ele, atribuindo sua vitória pessoal à paixão e à dedicação ao caminho que escolheu trilhar.
Bacharel em Música Popular Brasileira pela Unirio, sua formação acadêmica inclui Teoria Musical e Solfejo pelo Instituto Benjamim Constant e Técnico em Piano pela Escola de Música Villa Lobos, além da tutoria em Piano Erudito com o Prof. Dr. Marcelo Verzzoni e em Harmonia e Improvisação com o maestro, arranjador e guitarrista Fred Rios. Ademais, desde criança, Leonardo Lobo conviveu com a influência musical do pai, o instrumentista e compositor Alberto Carlos da Silva, 64 anos, e também da mãe, a pastora evangélica e cantora gospel Maria Luíza Lobo, também de 64. Ao mesmo tempo, vivenciou o glaucoma congênito iniciado na infância que se agravou até a perda total da visão aos 17 anos de idade – um processo de preparação para a vida diferenciada que teria à frente por toda a sua jornada.
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Com a baixa visão comprometendo seus estudos já aos dez anos, Leonardo foi transferido de uma escola regular em Niterói para o Instituto Benjamin Constant, no Rio, especializado no ensino a deficientes visuais com base no sistema braille. “A experiência é delicada e traumática. Um fator importante que ressalto foi a atitude de minha família, que se desprendeu da superproteção e me colocou prontamente em um colégio preparatório específico às minhas novas necessidades. Foi doloroso, claro, mas não havia outra solução”, relembra ele, que tem uma irmã, a analista de sistemas Priscila Lobo, de 36 anos, e há cinco anos é pai do esperto Vinícius.
Leonardo Lobo acredita que o ser humano é gentil na sua essência, mas que precisa ser instruído quanto às melhores práticas - o que inclui um olhar mais empático e proativo diante dos portadores de deficiência, focado em acesso a estudo, trabalho e desenvolvimento pessoal. "A desinformação faz com que as pessoas não saibam lidar com os cegos. E as novelas, quando não reforçam o estereótipo, mostram uma realidade de inserção na sociedade que não existe, onde o deficiente pode tudo. Faço parte de uma pequena exceção: tive oportunidades e as agarrei. Mas o padrão do portador de deficiência no Brasil é ser semianalfabeto, desempregado, sozinho. Fico triste, pois não é culpa dele se pede dinheiro ou comida pelas ruas. Chamá-lo de 'vagabundo' e 'preguiçoso' é cinismo e covardia. Pois o ponto de partida entre todos nós não é o mesmo e essa diferença precisa ser sanada com políticas públicas de acesso a ensino, emprego e todo tipo de serviço público", dispara o artista.