Flavio Nery e Karla Barcellos, em campanhas anteriores à pandemia
Flavio Nery e Karla Barcellos, em campanhas anteriores à pandemiaDivulgação
Por Irma Lasmar
Dez de maio é o dia internacional de atenção ao lúpus, sendo a cor roxa o símbolo mundial dessa luta, iluminando monumentos em diversos países, inclusive o Brasil, durante todo o mês. Em formato virtual pelo segundo ano consecutivo devido à permanência da pandemia, a campanha Maio Roxo ostenta em 2021 o tema Eu luto por atenção e direitos dos pacientes com lúpus. Devido ao isolamento domiciliar e à vulnerabilidade deste público frente ao coronavírus, o tradicional encontro presencial no pátio do Museu de Arte Contemporânea (MAC) precisou ser novamente suspenso. Porém, apesar da limitação imposta pelas circunstâncias, diante do grande poder da internet em disseminar informações e interligar pessoas distantes, o movimento ganha ainda mais força, alcance e impacto. E a vacinação anti-Covid, que prioriza apenas os lúpicos em crise, é questionada pelos reumatologistas - os especialistas que tratam destes casos.
À frente da "onda roxa" está a jornalista Karla Barcellos, de 48 anos, coordenadora nacional desde 2016. "Por tudo o que vivemos nos últimos 14 meses, como o medo do contágio, a falta da hidroxicloroquina (medicamento fundamental dos lúpicos) devido ao boato de sua possível eficácia contra a Covid-19 e os ambulatórios e consultórios fechados para o fornecimento da receita médica obrigatória para a aquisição do remédio, elegemos esse tema para a campanha deste ano porque concluímos que a luta do nosso segmento não pode parar", afirma ela, indignada com a ausência de estatística sobre o número de pacientes com lúpus entre os mortos da pandemia. Não há registro no mundo de testes e estudos com doentes autoimunes expostos ao coronavírus. "O ano de 2020 foi de muita pressão psicológica e muito medo, em que nos sentimos ainda mais invisíveis e desprotegidos. Vi muitos lúpicos morrerem à minha volta", desabafa. 
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O lúpus é uma doença inflamatória autoimune, que pode afetar múltiplos órgãos e tecidos, como pele, articulações, rins e cérebro. Em casos mais graves, se não tratada adequadamente, pode matar. O sistema imunológico ataca tecidos saudáveis do próprio corpo por engano. O público feminino representa 90% dos 65 mil lúpicos em todo o Brasil. As causas ainda são desconhecidas, mas a teoria mais aceita é de que fatores externos estejam envolvidos na ocorrência dessa condição, principalmente quando há predisposição genética e o uso de alguns medicamentos. A maioria das doenças autoimunes são crônicas, ou seja, não são transmissíveis, no entanto muitas delas podem ser controladas com tratamento. Além disso, os sintomas podem aparecer e desaparecer continuamente, sem causa aparente, agravadas em situações de estresse.
“O lúpus se torna silencioso e invisível com tão pouca informação disponível para a grande parte da população, que não sabe o que é e trata errada e preconceituosamente seus doentes. Muitos lúpicos têm benefícios negados pelo INSS devido à perícia não ser qualificada o bastante para identificar essa patologia reumática, que é grave e séria. Um dia se está super bem, noutro se está com fortes dores articulares e fadiga. O movimento nacional dá voz a essas vítimas da desinformação e do preconceito”, revela Karla. 
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A campanha presencial em maio de 2019 - Divulgação
A campanha presencial em maio de 2019Divulgação
Agravante tão perigoso quanto a suscetibilidade dos lúpicos, a informação sem comprovação científica que atribuía cura e prevenção do novo vírus por meio do uso da hidroxicloroquina, o medicamento utilizado no tratamento do lúpus saiu de circulação ao longo do ano passado após o aumento da procura e o consumo enganoso por pessoas em geral, o que gerou pânico nos pacientes que realmente precisavam da substância. 
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"O paciente autoimune sofre muito nessas situações, porque a saúde fica exposta e a população não compreende por falta de informação, daí a importância do Maio Roxo. Por outro lado, o decreto sobre o uso da máscara de proteção, sua indicação e seus benefícios, foi fundamental para derrubar o tabu envolvendo os lúpicos, que se constrangiam de sair de máscara, quando precisavam, pois as pessoas nas ruas acreditavam que se tratava de doença transmissível, quando na verdade era uma autoproteção”, conta ela, que tem o apoio e a adesão de voluntários de outros movimentos sociais ligados à saúde, como o Outubro Rosa Niterói e o Davida Samaritanos, além de médicos reumatologistas. 
Karla conta que somente doentes em tratamento puderam entrar na fila prioritária da vacinação contra a Covid-19, o que fugiria da realidade dos lúpicos, cujo tratamento não é contínuo, mesmo sendo constantemente vulneráveis. "Os pacientes de lúpus não estão incluídos no Plano Nacional de Imunização (PNI), apesar de acharem que estão. E aqueles que tomam uma quantidade maior de medicamento não podem tomar a vacina porque a mesma não seria absorvida pelo organismo. Trata-se de um público numeroso, em situação específica e delicada", preocupa-se a coordenadora da campanha.
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Os únicos pacientes reumáticos que entraram na fase prioritária da imunização foram os doentes de lúpus em uso de Prednisona e Ciclofosfamida, o que para a maioria dos reumatologistas é um grande equívoco. Um deles é o Dr. Flavio Nery,  diretor técnico da Clínica BYO, responsável pelo Comitê de Reumatologia da Associação Médica Fluminense e reumatologista do Hospital Federal da Lagoa. "O paciente com doença grave em atividade potencializa a imunossupressão da própria doença com o uso de medicamentos, o que pode anular o efeito da vacina e ainda expõe o paciente ao público na fila de vacinação. O lúpico deveria vacinar quando estivesse com a doença em baixa atividade. O mesmo para pessoas com doenças inflamatórias e autoimunes. Estes pacientes deveriam controlar primeiro suas doenças antes de receber o imunizante contra o coronavírus. É melhor uma mínima reação vacinal do que nenhuma", explica o especialista, que também se engaja nas ações do Maio Roxo.
Trecho do Programa Nacional de Imunização (PNI) - Reprodução / Internet
Trecho do Programa Nacional de Imunização (PNI)Reprodução / Internet
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Quanto às ações do movimento, as camisas da campanha, confeccionadas todo ano com a ajuda de empresas parceiras e presenteadas aos pacientes de lúpus e seus familiares a cada dia primeiro de maio pessoalmente no MAC, foram novamente substituídas por cestas básicas a serem distribuídas pela equipe do projeto social Anjos da Rua, também fundado e comandado por Karla Barcellos. As doações irão para lúpicos e suas famílias, residentes na região de São Gonçalo, Niterói e municípios adjacentes. Quem quiser ajudar pode procurar as redes sociais da campanha, intituladas Lúpus Maio Roxo.
Através desses eventos, foram gerados projetos de lei municipais, estaduais e federais que garantem a proteção legal a esses pacientes. De quatro anos para cá, duas propostas engavetadas sobre o assunto em Brasília foram reapresentadas pela deputada federal Soraya Santos para votação: uma (apenso à lei nº 7797/2010) que inclui portadores de lúpus e de epilepsia no plano de benefícios da Previdência e outra (nº 1136/2011) garantindo investimento em pesquisa, distribuição de material informativo e atendimento psicológico para o lúpico e seus familiares na rede pública, entre outras providências. No Rio, o deputado estadual Waldeck Carneiro redigiu a lei da informação, incluindo a doença na Cartilha da Saúde da Mulher, que deve ser disponibilizada nas unidades de saúde.
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Contudo, o caminho desse movimento parece ainda longo: somente nove dos 92 cidades fluminenses possuem lei que preveja direitos aos doentes de lúpus – projetos, a propósito, sugeridos pela filantropa niteroiense ao longo dos últimos dois anos junto a prefeituras e câmaras municipais. São eles São Gonçalo, Rio, Niterói, Maricá, Mendes, Guapimirim, Barra Mansa, Macaé e Paulo de Frontin, que oferecem profissionais especializados no cuidado aos lúpicos. No entanto, o oferecimento gratuito de protetores solares como parte da medicação, precavendo o lúpico das frequentes lesões cutâneas, apesar de previsto nessas legislações municipais, ainda é objeto de reivindicação pelos pacientes e pelo grupo de defesa desse segmento. "As leis existem, mas as políticas públicas são falhas", lamenta Karla. O público pode acompanhar a campanha Maio Roxo 2021 pela internet na busca pelas hashtag #lupusmaioroxo.