
A família mudou para a cidade do Rio em 1908, período de relevante expansão na capital. Com a República recém-instalada, estados e municípios tinham obrigação de oferecer ensino primário às camadas pobres da população, mas a verdade é que apenas 29 a cada mil crianças tinham acesso à educação - Clementina estava nessa minoria. “Alfabetizou-se e conseguiu acesso a uma cultura tão inacessível quanto distante dos negros e pobres daquela época”, destacam os biógrafos Janaína Marquesini, Felipe Castro, Luana Costa e Raquel Munhoz. Quando a mãe passou a trabalhar como doméstica, Clementina entrou em regime de semi-internato, teve aulas de canto e entrou para o coro do orfanato Santo Antônio. Nessa época surge o apelido Quelé, dado por um barbeiro espanhol que adorava ouvi-la cantar. Apesar de provavelmente desconhecer a origem banto do apelido, ele acabou devolvendo à jovem a forma original de seu nome. Conforme explica o historiador Jacques Raymundo, palavras africanas passaram por alterações fonéticas (mulatização), inclusive nomes próprios. No caso de Clementina, a forma original era Quelementina.
Clementina deixa o trabalho de doméstica em 1964 e estreia profissionalmente no espetáculo produzido por Hermínio, dividindo o palco com artistas como Turíbio Santos. No ano seguinte estreia novo show, ao lado de Araci de Almeida, Paulinho da Viola e Elton Medeiros. A primeira viagem internacional aconteceu em 1966, quando Quelé representou o Brasil no I Festival de Artes Negras de Dacar, no Senegal. Em seguida foi convidada para o Festival de Cannes, na França. “Recebida como uma rainha, com batedores”, relatou Mario Borges, chefe da comitiva.
Premiada e homenageada, Clementina praticamente vivia apenas da aposentadoria do INPS nos últimos anos de vida. Em 1985, amigos como Luiz Melodia e Dona Zica estrelaram show beneficente cuja arrecadação foi suficiente para quitação de dívidas. Naquele mesmo ano, a cantora foi homenageada com a Comenda da Ordem dos Artistas do Ministério da Cultura da França, ao lado de Caetano Veloso e Tom Jobim. Em junho de 1987, após sofrer seu quinto derrame, Quelé foi internada na UTI da Casa de Saúde de Bonsucesso, com despesas pagas pela Sociedade dos Intérpretes e Produtores Fonográficos. Após dias em coma, morreu em 19 de dezembro. No ano seguinte, a Vila Isabel venceu o Carnaval do Rio com “Kizomba, Festa da Raça”, cujo samba-enredo cita Clementina. As homenagens seguem até hoje: Clementina virou peça de teatro em 1994, interpretada por Ruth de Souza; ganhou documentários em 2011 (de Wertinon Kermes) e 2018 (de Ana Rieper); três biografias e é objeto de inúmeros trabalhos acadêmicos por sua relevância para a cultura brasileira.