O reitor da Universidade de Salford, Martin Hall, acredita que o Brasil precisa investir em qualificação profissional se quiser ter um bom desempenho econômico. E mais do que isso, para Hall, o país deve começar da educação básica. “A educação básica é, obviamente, um direito humano, garantido pela Constituição, mas também é uma questão econômica”, avalia.
Em entrevista ao Brasil Econômico, ele fala sobre as tecnologias da educação, diz que a universidade do século XXI é colaborativa e defende Manchester, na Inglaterra, onde a universidade está localizada. “Manchester é melhor que Londres para quem quer fazer um intercâmbio. O custo de vida é mais barato e a cidade tem mais alunos por quilômetro que qualquer outra na Europa”.
Martin Hall veio ao país para participar do III Encontro Internacional de Reitores Universia que acontece nestas segunda e terça-feira, mas, principalmente, para ampliar as parcerias da Universidade de Salford com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro na área de economia criativa, além de buscar novas fontes de colaboração com instituições públicas e privadas.
Atualmente a Universidade de Salford recebe cerca de 50 alunos do programa Ciência Sem Fronteiras por ano e já desenvolve pesquisas em parceria com as universidades brasileiras Unisinos e PUC-Minas, as estaduais de Londrina e de São Paulo e as federais do Ceará, Pará, Bahia e Rio Grande do Sul.
A Universidade de Salford escolheu a cidade de São Paulo como uma de suas sedes globais para a troca de conhecimento fora da Grã-Bretanha. Como essa parceria vai funcionar?
Nós já trabalhamos muito próximos do Brasil, com o programa Ciência Sem Fronteiras, e temos sido bem sucedidos nisso. Nós somos uma das cinco principais universidades na Grã-Bretanha a trazer estudantes brasileiros para estudar conosco. Cento e setenta e três alunos brasileiros já vieram estudar conosco. Esse é o primeiro ponto, o outro é que já temos parcerias com universidades no Brasil. Uma das razões de estarmos aqui [no Rio de Janeiro] é pelo trabalho que fazemos com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro na área de música e cultura. O que queremos agora é fortalecer nossa relação e buscar parcerias de longo prazo com as universidades no Brasil. Nós podemos fazer duas coisas: parceria em pesquisa e também podemos ajudar a dar aos brasileiros oportunidades educacionais.
Por que São Paulo foi escolhida?
Pela quantidade de universidades e o bom relacionamento com o consulado britânico. Mas não queremos favorecer uma cidade em vez de outra. Nós estamos discutindo muitas coisas no Rio e um dos nossos maiores projetos, na verdade, é em Porto Alegre.
Em que cidades do mundo há esse tipo de parceria?
Decidimos nos focar em quatro áreas. No Oriente Médio, temos um escritório em Abu Dhabi. A segunda área será a Malásia. No oeste da África, provavelmente, teremos uma base em Gana e começamos a fazer acordos com Angola. Um motivo por estarmos particularmente interessados lá é que somos especializados em petróleo e gás. A quarta área é o Brasil, onde queremos nos concentrar. Uma das razões é que acreditamos que a economia continuará crescendo pelos próximos anos. O século que estamos é o século do hemisfério sul. A população brasileira é muito grande, grande parte da população tem menos de 30 anos e uma coisa que estamos impressionados com os brasileiros é que eles realmente investem em educação, isso é muito importante para as famílias brasileiras. A necessidade de educação vai continuar crescendo. Então acreditamos que podemos continuar construindo essa relação com o Brasil.
Como as parcerias com universidades estrangeiras podem ajudar universidades brasileiras a atender as necessidades do mercado local?
Ainda estamos nos perguntando isso, mas nossa percepção é que, tanto aqui como na Inglaterra, os jovens acreditam que os empregos serão internacionais. Eu acho que eles necessitam de experiências internacionais e o que eu descobri é que os jovens brasileiros realmente querem compreender o restante do mundo. Isso é importante para nós. Muitas pessoas também nos disseram que brasileiros querem ter mais experiências em que falem inglês. E acreditamos que podemos ajudar com isso, ao realizar parcerias. Para ter um bom nível de inglês, em um nível que você possa ter uma conversa, o melhor meio é passar um tempo no exterior e acredito que possamos oferecer isso.
Qual a importância dos cursos de pós graduação no crescimento da economia nacional?
O que encontramos em países de rápido crescimento, como aqui, na China e em outros países dos Brics, é que mais e mais jovens estão nas universidades e isso é muito bom. Com isso, mais e mais profissionais querem se qualificar, ter um curso de pós-graduação. Isso é algo que o setor privado terá que fazer. Só há cerca de 100 universidades públicas, é muito, mas não quando você tem milhões de estudantes. Eles não terão como lidar sozinhos com essa super demanda por qualificação. Acreditamos que podemos realizar parcerias nesse sentido. No Brasil, os programas de mestrado são de dois anos, os nossos programas são de um ano. Então podemos trabalhar com as universidades brasileiras nesses programas de mestrado e oferecer um ano e eles, o segundo ano. Os alunos ganham ambos os diplomas de mestrado pelo preço de um.
Qual o papel das universidades internacionais no crescimento profissional de estudantes brasileiros?
Vocês tem uma economia em rápido crescimento, seus negócios e indústrias estão se diversificando. O setor de serviços de vocês está crescendo muito rápido, representa 60% da economia. Tudo isso gera uma necessidade de profissionais qualificados. Acredito que, para o Brasil ter sucesso no futuro, ele depende da força de trabalho.
Como a Salford University apoia os estudantes brasileiros? E qual a importância dos alunos do programa brasileiro Ciência Sem Fronteira para a Salford University?
Estamos muito satisfeitos com o programa, que representa um enorme esforço do governo de vocês, que concede 100 mil bolsas de estudo para alunos brasileiros. Esses 100 mil vão voltar com um conhecimento sobre o mundo que é muito importante. Nós estamos muito felizes em contribuir para isso. Quando um aluno do Ciências sem Fronteiras vem para nossa universidade, ele conhece pessoas de uma centena de países. Se você conhece um colega da China ou da Arábia Saudita, a única língua que tem em comum é o inglês. É um ambiente cosmopolita fantástico. Outra coisa é que estamos na cidade de Manchester. Londres é uma cidade muito cara para se viver. Manchester é mais barato e fica apenas a duas horas de trem de Londres. Além disso, Manchester tem mais alunos por quilômetro que qualquer outra cidade na Europa.
O governo brasileiro tem programas como o ProUni, que concede benefícios fiscais para as universidades que oferecem bolsas de estudo, e o Fies, de crédito universitário, que estimulam os alunos a estudar em universidades privadas. Esse tipo de programa, contudo, é criticado por aqueles que acham que o governo deveria focar seus esforços nas universidades públicas. Qual sua opinião a respeito?
Em todo lugar do mundo onde eu vou e todo o lugar onde converso com meus colegas de universidades, todos eles dizem que o governo deveria dar a eles mais dinheiro. Todos querem mais dinheiro todo o tempo. Educação é caro e as universidades são todas caras. Certamente o governo deve continuar a investir em universidades federais e estaduais. Ele obviamente não precisa investir em universidades privadas, que podem cuidar de si mesmas. Alguns dos meus colegas nas universidades brasileiras podem não gostar que eu diga, mas eu realmente acho que o principal ponto que o governo deve investir é na educação básica. Eu entendo que as pessoas estejam preocupadas com a educação pública no Ensino Superior, mas é preciso lidar com esse problema [da educação básica]. Vamos tomar a matemática como exemplo, que é importante em muitas e muitas áreas de estudo. Sabemos que, se as crianças não aprenderem matemática de forma adequada antes dos 14 anos, elas vão achar muito muito difícil de acompanhar depois. O que é realmente importante é que o governo invista em educação básica. Se ele não investe, então o funil dos alunos que entram nas faculdades públicas, especialmente os de família de baixa renda, não será suficiente. A educação básica é, obviamente, um direito humano, garantido pela Constituição de vocês, mas, também é uma questão econômica. Deve acontecer com vocês o problema que temos na Grã-Bretanha, de envelhecimento da população, e a geração jovem não será produtiva economicamente o suficiente para sustentar a população mais velha. É preciso continuar investindo em educação com equilíbrio.
O Brasil se destaca na produção de artigos científicos, mas temos um baixo desempenho em inovação. O que pode ser feito para mudar isso?
Eu acredito que isso é fácil de mudar. Muitos países em desenvolvimento tinham esse problema. Vocês têm cientistas muito bons aqui. Eu sei que vocês não têm nenhum prêmio Nobel etc, mas isso não é tudo. Vocês têm muitos cientistas reconhecidos em todo o mundo, que trabalham em colaboração com colegas americanos, britânicos, entre outros, e são muito respeitados no que eles fazem. A questão da inovação, medida por questões como patentes, pode ser resolvida com o apoio adequado do governo em relação ao registro de patentes. Os americanos são muito bons nisso e por isso eles sempre ganham. Mas vocês têm muitos advogados no Brasil e podem resolver isso.
Qual é a importância da economia criativa na Grã-Bretanha e no Brasil?
As pessoas nos disseram que o Brasil tem mais advogados que qualquer outro país. Acreditamos que algumas áreas já têm muitas graduações e não faz sentido virmos aqui para isso. O que descobrimos, conversando com as pessoas, é que a indústria criativa está crescendo rapidamente e o Brasil é um país muito criativo, com muita diversidade e experiências, muitas coisas interessantes no campo da moda, da arquitetura. Estamos interessados nisso. A indústria criativa será muito importante no futuro.
Um dos principais acadêmicos da Faculdade de Ambiente Construído, da Universidade de Salford, um brasileiro, desenvolve uma pesquisa sobre revitalização urbana. Como ela pode ser aplicada no Brasil?
Nós temos um departamento muito forte de ambiente construído e realmente estamos nos focando nisso nesse momento. Uma das coisas em que estamos muito interessados é em urbanização. No Brasil, essa é uma das principais questões. Mais de 80% da população brasileira moram em cidades. Nós estamos nos focando em questões particulares como o envelhecimento. Com uma população que vive mais, é preciso saber lidar com as questões relativas ao envelhecimento.
O senhor foi o primeiro reitor do Centro de Desenvolvimento de Ensino Superior, na África do Sul, onde aprofundou seu interesse em tecnologias acadêmicas. Como as novas tecnologias da educação podem colaborar para o ensino?
Eu acredito que isso será cada vez mais importante no futuro. Agora nós temos a internet, alcançamos as pessoas e distribuímos informação de formas que nós não podíamos antes. Isso vai continuar crescendo. O Brasil é uma sociedade muito digital. Os brasileiros são nativos do Facebook. O Brasil é muito bom em mídias sociais. Estamos aprendendo mais e mais como fazer cursos acessíveis às pessoas usando tecnologias da informação. Eu vejo esses suplementos ao ensino tradicional de forma muito interessante. Você não tem mais que ser torturado, sentado em um auditório, ouvindo alguém por 45 minutos enquanto você escreve. A tecnologia vai mudar tudo tanto no Brasil como no resto do mundo.
O III Encontro Internacional de Reitores Universia discutirá a universidade do século XXI. Para o senhor, como deve ser a universidade deste século?
Eu acredito que a universidade do século XXI é aquela em que podemos colaborar uns com os outros, mais do que competir como instituições individuais, porque é assim que as boas pesquisas funcionam, é como o ensino acontece. Eu acredito que a universidade do século será totalmente baseada nessas redes entre os países.