Por monica.lima
Em um momento em que o mundo ocidental debate se deve exibir ou não representações de Maomé, devido aos ataques de extremistas sunitas, o Irã finaliza uma megaprodução multimilionária sobre a vida do profeta islâmico, sem mostrar o seu rosto, que deverá ser exibida no Festival Internacional de Cinema de Fajr, em Teerã, que começou ontem, coincidindo com 36º aniversário da Revolução Islâmica: “Maomé, o Mensageiro de Deus”, do aclamado diretor Majid Majidi. Os aiatolás do Irã dão apoio oficial ao filme, mas têm sido críticos vorazes da forma como o Ocidente retrata o profeta, principalmente em charges tidas como “desrespeitosas”, como as feitas pelo semanário francês “Charlie Hebdo”, que sofreu um ataque terrorista no dia 7 de janeiro, assumido pela al-Qaeda do Iêmen.
O filme “Maomé, o Mensageiro de Deus”, de cerca de US$ 30 milhões, o mais caro história do país, é uma espécie de versão xiita iraniana da vida de Maomé até a idade de 12 anos, quando ele visitou Sham, hoje na Síria, onde um monge cristão previu que ele um dia seria um profeta. O rosto de Maomé, no entanto, não é mostrado. Mesmo assim, a atitude de contar a sua história no cinema poderá irritar radicais sunitas que não aceitam qualquer tipo de representação do profeta. Os iranianos tomaram o cuidado de não incluir o filme na mostra competitiva.
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As vertentes sunita e xiita surgiram no Islamismo após a morte de Maomé, no século VII, devido a interpretações distintas sobre quem seria o seu sucessor. Mas até hoje esses sectos rivais se diferenciam na forma como expressam a sua fé. Os xiitas têm mais flexibilidade em relação a visualizações de figuras religiosas. Os grupos radicais al-Qaeda e Estado Islâmico, por exemplo, são sunitas.
Mesmo antes da estreia, vozes sunitas já criticaram a obra, como a Universidade Al-Azhar, do Egito, que pediu ao Irã que não exibisse o filme, segundo o jornal britânico “The Guardian”. Ontem, o site “Iranian Film Daily”, informava no Twitter que a exibição da obra no festival poderia ser cancelada “por motivos técnicos”.
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Originalmente em persa, o filme demorou cinco anos para ser concluído, cercado de mistérios, e com a construção de mini-cidades como cenários representando Meca e Medina. É a primeira parte de uma trilogia sobre a vida de Maomé. O lançamento internacional será em março. Entre outros sucessos, Majidi dirigiu “Filhos do Paraíso” (1999), indicado ao Oscar de filmes estrangeiros.
“A história começa na adolescência do profeta e sua infância é mostrada por meio de flashbacks. Nós escolhemos um período em que Maomé ainda não havia se tornado profeta, não havendo diferenças de interpretação entre xiitas e sunitas”, disse, contando que consultou acadêmicos xiitas e sunitas de todo o mundo antes de fazer o filme.
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Para evitar que a face de Maomé fosse mostrada, a produção investiu nas técnicas de iluminação, com claros e escuros. Para isso, foi contratado Vittorio Storaro, premiado cinematógrafo italiano que trabalhou com Bernardo Bertolucci em “O Último Tango em Paris” (1972) e com Francis Ford Coppola em “Apocalypse Now” (1979). Outro talento global foi escalado para a superprodução iraniana: o aclamado compositor indiano A.R.Rahman, autor da trilha sonora de vários filmes de sucesso, como “Quem quer ser milionário” (2008), do britânico Danny Boyle, vencedor de oito Oscars. “Ao esconder o seu rosto, eu o tornei mais intrigante para o espectador”, ressaltou Majidi.
Trata-se da segunda grande produção sobre o profeta islâmico: a primeira, “The Message” (1976), do diretor sírio Moustapha Akkad, teve no elenco o astro de Hollywood Anthony Quinn, no papel de Hamza, tio de Maomé. Mas para o diretor iraniano, a versão hollywoodiana da vida do profeta foi limitada, estereotipando a imagem do Islã, como se fosse apenas “a guerra” e a “espada”. “Existem 250 filmes sobre Jesus, 120 sobre Moisés, 80 sobre outros profetas e 40 sobre Buda. Mas há apenas um sobre Maomé. Nós infelizmente falhamos ao não apresentar o nosso profeta ao mundo ocidental”, analisou Majidi.“Vamos ajudar a abrir os seus olhos para o que realmente é o Islã . Temos muitas coisas positivas para dividir com o mundo, desde que o Ocidente esteja preparado para este diálogo”, concluiu o diretor.
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