Barrie Smith foi diagnosticado com mal de Parkinson aos 50 anos — 18 anos antes, contudo, ele desenvolveu um sintoma muito estranho e permanente.
Um dia, detectou "um cheiro forte de fumaça, como fio queimado", diz ele. Desde então, nunca mais sentiu o cheiro de nada.
Na época, desconcertado, o médico de Smith atribuiu a perda do olfato ao mergulho, já que o mergulho de profundidade, às vezes, pode provocar problemas olfativos.
Quem dera que o médico estivesse certo.
A perda do olfato pode ter origens mais sérias que vão muito além do mergulho e, no caso de Smith, isso provou ser verdade.
No mundo de hoje, a maioria atribuiria automaticamente a perda do olfato à covid-19, mas também é um sintoma comum de doenças neurodegenerativas, incluindo esclerose múltipla, Parkinson e Alzheimer.
Uma pesquisa revelou que até 38% das pessoas que sofrem de esclerose múltipla e quase metade dos adultos mais velhos diagnosticados com demência mostraram sinais de perda do olfato cinco anos antes. No caso da doença de Parkinson, algo entre 45% e 96% dos pacientes apresentam comprometimento do olfato.
Durante anos, a perda do olfato — ou anosmia, como também é conhecida — foi amplamente ignorada como marcador de doenças como Parkinson, mas, agora, alguns cientistas acreditam que usá-la como ferramenta de diagnóstico pode ter grandes vantagens.
A patologia de doenças como o Parkinson se apresenta na área olfativa do cérebro muito antes de outras áreas, e acredita-se que essa seja a razão pela qual Smith tenha perdido o olfato 18 anos antes de sentir o primeiro tremor.
Um teste de olfato preciso poderia ter identificado a doença quase duas décadas antes de seu diagnóstico oficial, e poderia ter dado a ele muito mais tempo para retardar seu avanço.
Várias iniciativas estão desenvolvendo testes que podem usar o olfato para ajudar no diagnóstico de doenças neurodegenerativas.
O Predict-PD é uma dessas iniciativas. Alastair Noyce, professor clínico da Universidade Queen Mary, em Londres, que lidera o projeto, desenvolveu um teste de olfato chamado Scratch and Sniff.
É um teste rápido que apresenta ao paciente seis odores que geralmente encontramos ao longo do dia, com base em uma lista mais ampla de 40 aromas.
A esperança é que os dados coletados possam ser usados para prever quem desenvolverá Parkinson, o que pode levar a novos tratamentos precoces que podem impedir a progressão da doença ou retardá-la.
E com um percential que varia de 0,45% a 3,4% dos indivíduos (dependendo do teste) aparentemente inconscientes de sua própria perda de olfato, ferramentas como o Predict-PD podem ajudar as pessoas a identificá-la.
O problema é que esses testes são caros atualmente.
"O teste de olfato padrão custa em média £ 25 (R$ 191) para ser realizado, mas apenas alguns centavos para ser produzido", diz Noyce.
Embora o custo possa não ser uma barreira para as muitas clínicas privadas que estão usando testes de olfato como uma ferramenta de diagnóstico, ele restringe sua utilidade para sistemas públicos de saúde com recursos limitados.
É claro que a deficiência do olfato não se desenvolve apenas como resultado de doenças neurodegenerativas. Cerca de 19% da população tem algum tipo de disfunção olfativa, com 0,3% perdendo totalmente o olfato (anosmia) e 19,1% sofrendo de redução da capacidade de detecção de odores (hiposmia).
Estudos recentes mostraram que a perda do olfato pode estar ligada a condições de saúde mental, como depressão, esquizofrenia e distonia, um distúrbio do movimento no qual os músculos de uma pessoa se contraem de forma incontrolável.
Um estudo de 2016 descobriu que os homens (mas não as mulheres) com sintomas de depressão também tendiam a ter um olfato ruim, enquanto aqueles que se sentiam sozinhos geralmente não eram tão bons em identificar cheiros diferentes.
Outra pesquisa relacionou o olfato deficiente ao aumento da mortalidade, sugerindo que pode ser um "sinal de alerta" para envelhecimento ou doença.
Um estudo com mais de 2,2 mil pessoas com idades entre 71 e 82 anos mostrou que aqueles que tinham um olfato ruim apresentavam um risco 46% maior de morrer em um período de dez anos do que aqueles com olfato normal.
Mas como é que o olfato pode ter um vínculo tão forte com a nossa saúde?
Carl Philpott, professor de rinologia e olfactologia da Universidade de East Anglia, no Reino Unido, acredita que pode haver uma ligação com o que comemos.
De acordo com sua pesquisa, "um terço dos pacientes com perda de olfato se alimentam em excesso, e outro terço dos pacientes se alimentam pouco", diz ele.
Visto que uma alimentação saudável é um dos pilares da boa saúde, é fácil ver por que isso levaria ao aumento da mortalidade.
Philpott diz que "nosso olfato representa mais de 70%" dos sabores que experimentamos (embora a proporção exata seja contestada), o que poderia explicar por que perder esse sentido pode afetar o apetite de alguém.
Isso se encaixa nas experiências pessoais de Clara O'Brien, uma neuropsiquiatra clínica independente que ajuda indivíduos que foram diagnosticados com doenças neurológicas e lesões cerebrais.
"O cheiro desempenha um papel importante na vida de um paciente, muitos perdem o prazer de atividades que são uma parte essencial de sua rotina diária", diz ela, explicando que muitas vezes pessoas próximas a seus pacientes com perda de olfato relatam que eles mudaram seu comportamento, se tornando mais introspectivos, irritados ou retraídos.
Honglei Chen, professor de epidemiologia e bioestatística da Michigan State University, nos EUA, identificou outra razão pela qual o olfato pode levar ao aumento da mortalidade — é que as deficiências olfativas estão ligadas a uma maior exposição a ambientes adversos.
Se você tem olfato, pense nas vezes em que estava caminhando por uma estrada quando sentiu o cheiro repugnante de fumaça saindo do escapamento de um carro, e apertou o passo para sair de perto. Nessa situação, a pessoa que não tem capacidade de sentir cheiro continuaria a inalar a fumaça tóxica.
Smith conta como certa vez ficou horas em seu quarto, repleto de fumaça da lareira dos vizinhos, mas não percebeu até sua esposa entrar.
A nível neurológico, as deficiências olfativas podem levar a mudanças duradouras na composição do cérebro.
As áreas do cérebro que estão envolvidas no olfato, como o bulbo olfatório e o córtex piriforme, encolhem, assim como regiões menos óbvias, como o córtex cingulado anterior, que é importante para o controle motor e o pensamento racional, e o sistema límbico, que é fundamental para o processamento emocional.
A boa notícia é que as áreas do cérebro que encolhem devido à perda do olfato podem crescer novamente, caso a pessoa recupere esse sentido.
Quando isso acontece, o bulbo olfatório, o córtex piriforme, o córtex cingulado anterior e o sistema límbico se expandem, e a alimentação da pessoa também melhora.
Isso significa que as terapias de restauração do olfato podem ser uma técnica muito eficaz. Atualmente, há pesquisadores desenvolvendo técnicas que permitiriam fazer isso.
Thomas Hummel, que dirige a Clínica do Olfato e Paladar da Universidade de Dresden, na Alemanha, inventou uma técnica chamada "treinamento do olfato".
Ela prevê que os pacientes que cheirem uma harmonização de odores, que combinam aromas de quatro categorias de cheiros, geralmente de rosa, cravo, eucalipto e limão.
O paciente deve cheirar as harmonizações por 10 minutos, duas vezes ao dia por um período de três meses.
Embora a técnica não funcione para todo mundo, ela tem se mostrado eficaz em melhorar as habilidades olfativas de 40% dos pacientes.
Terapias como a de Hummel são voltadas para pessoas que apresentam perda ou diminuição do olfato devido a uma série de condições, seja covid-19 ou doenças neurodegenerativas.
Também existem medicamentos disponíveis para restabelecer o olfato, mas não são comuns, uma vez que essas drogas podem ter efeitos colaterais, e o treinamento do olfato, não.
No entanto, novas terapias são necessárias para 60% dos pacientes que não respondem ao treinamento do olfato.
Há outras terapias sendo desenvolvidas para aqueles que perderam o olfato. Uma delas é a estimulação elétrica: estimular uma área específica do cérebro por meio de eletrodos colocados na superfície ou implantados cirurgicamente.
Esses eletrodos levam a mudanças na atividade cerebral, que por sua vez podem melhorar o olfato do paciente.
Por exemplo, a estimulação elétrica no nariz mostrou aumentar a proliferação de células receptoras olfativas, sendo estas as células responsáveis pelo cheiro.
E a estimulação das regiões do cérebro envolvidas no olfato pode levar a uma melhora desse sentido, já que é uma das maneiras pelas quais o treinamento do olfato é considerado eficaz, aumentando a atividade dentro das regiões olfativas do cérebro.
Yusuf Cakmak, professor associado de anatomia da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, explica que esses neurônios olfativos envolvidos no olfato também têm terminais em áreas do cérebro relacionadas à memória e à navegação, indicando que a proteção desses neurônios pode levar a benefícios para a memória.
Cakmak está trabalhando atualmente em um dispositivo que seria usado como um par de "óculos" para estimular o sistema nervoso olfativo, com o potencial de aliviar os sintomas ou suprimir o avanço de doenças como Alzheimer e Parkinson.
Os primeiros trabalhos de modelagem mostraram que o olfato de uma pessoa pode melhorar ao receber uma corrente elétrica direcionada de apenas um miliampere — equivalente a cerca de dois a três milésimos da energia armazenada em uma bateria padrão AA.
Os testes clínicos devem começar no fim de 2021. Se forem eficazes, um dia poderemos usar dispositivos elétricos para proteger nosso olfato.
Nesse meio tempo, talvez esse sentido por muito tempo esquecido mereça um pouco mais de consideração.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
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