Rio - Acusado de ser o chefe de uma ‘sociedade empresária da propina’, o ex-comandante do Comando de Operações Especiais (COE), coronel Alexandre Fontenelle, é também investigado por patrimônio milionário. Na casa dele, agentes da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança apreenderam comprovantes de depósitos bancários de altos valores. Só dois eram equivalentes a R$ 2 milhões, na conta de um parente oficial do Exército. Ontem, Fontenelle, que tem salário de mais de R$ 32 mil e está preso, foi exonerado do COE. Em seu lugar assume o coronel Rogério Luiz Teixeira Leitão.
Major da Polícia Militar envolvido em esquema de corrupção é preso
Milícia infiltrada na cúpula da PM cobrava propina a partir de R$ 10
Quadrilha de PMs endurecia fiscalização para receber propina, diz investigação
Estão presos os 25 denunciados à Justiça — entre eles cinco oficiais — por envolvimento no megaesquema de corrupção na operação batizada de Amigos S/A, da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público. Na manhã desta terça-feira, o major Edson Alexandre Pinto de Góes se entregou na 1ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar (DPJM), no Méier.
Durante a operação, na segunda-feira, foram encontrados na casa de Góes, subcomandante do COE, R$ 287 mil e joias. O mototaxista José Ricardo de Jesus Oliveira, único do esquema que não era PM, também foi preso ontem, na Vila Aliança. Impressiona o volume de dinheiro movimentado por Fontenelle, segundo as investigações. Comprovantes bancários revelam, em dois extratos, depósitos que somados chegam a R$ 2 milhões, além de outros de R$ 150 mil, R$ 20 mil e R$ 10 mil.
No apartamento de Fontenelle no Leme, em nome da mãe dele e estimado em R$ 1,5 milhão, foram apreendidas anotações com lista de imóveis nos valores de R$ 2 milhões. Suspeita-se que ele procurava cobertura no condomínio Mandarim e Península, na Barra, além de ser dono de mansão fora do Rio. Sem dar detalhes do material, o subsecretário de Inteligência da Seseg, Fábio Galvão, informou que os documentos serão encaminhados à Corregedoria Geral Unificada (CGU) e à 1ª Vara Criminal de Bangu.
“Será instaurada sindicância para verificar a incompatibilidade entre o que ele recebia e o patrimônio”, explicou Galvão. Com isso, o oficial deverá ter seus sigilos bancário e telefônico quebrados. A investigação pode constatar ainda lavagem de dinheiro e subsidiar ação de improbidade administrativa, com devolução de parte dos valores aos cofres públicos.
“Todos os militares poderão responder por concussão (extorsão praticada por servidor público)”, explicou o promotor Cláudio Calo, do Gaeco. Segundo ele, será investigado ainda o período de Fontenelle à frente do BPM 41º (Irajá) no período de 2010 a 2012, e também a passagem do oficial pelo Batalhão de Policiamento de Vias Especiais (BPVE). Foi aberto Inquérito Policial Militar para apurar o envolvimento dos policiais no esquema. Eles serão submetidos a processo administrativo disciplinar, que pode resultar na exclusão da corporação.
Gravações telefônicas
Em uma das escutas autorizadas pela Justiça, os PMs comemoram a nomeação do coronel Alexandre Fontenelle, então comandante do 14º BPM (Bangu), para o 2º Comando de Policiamento de Área (CPA), responsável pelos batalhões da capital. Disseram que, com a permanência do oficial na região, poderiam fazer financiamento dos carros porque estariam ‘empregados’ por mais um ano, referindo-se a permanência deles na Aptran, equipe que mais arrecadava propina para os oficiais.
PM 1- Oi
PM2 - Fiquei sabendo que o coronel aqui não vai sair não, parceiro. O coronel vai ficar aí mais uma temprada. Só deve sair daqui para o CPA
PM1 - E agora eu posso fazer o financiamento do New Civic?
PM2 - Como é que é?
PM1 - E agora eu posso fazer o financiamento do New Civic que eu continuo empregado
PM2 - Pode fazer o financiamento do New Civic e o Coelho da Ecosport que a gente tá empregado. Mais um aninho, hein
O outra interceptação telefônica mostra como eles liberavam os veículos irregulares abordados mas que faziam parte do esquema de propinas. Os policiais tinham que falar entre si quando interceptavam algum veículo para ter a certeza de que eles faziam ou não parte do esquema. Se pagassem propina, eram liberados.
Na ocasião do diálogo, um PM pede que o carro seja liberado porque o motorista já pagava o arrego e que o dinheiro arrecadado ia para a administração (como era chamado o Estado Maior do 14º BPM formado por cinco oficiais, entre eles, coronel Fontenelle).
A.Rocha - Irmão, vou te pedir um negócio aí. Tu tá parado com um carro aí, tipo van. É da administração, cara, isso aí, quebra um galho
Rocha - Lá de Santa Cruz?
A.Silva - Isso, o cara falou em teu nome, Rocha. Falei: ‘é meu amigo’. Aí, achei que ele tava em outro lugar. Ele: ‘não tô na Vila Kennedy’. Aí, falei: ‘valeu. Falar com ele aqui’
Rocha - O primo dele, o que tá aqui... tá, vou deixar lá então. Vou complementar aqui. Vou deixar ele só aqui. Vou resolver da melhor forma aqui
A.Silva - Parceiro só tô te pedindo isso, é da administração, aí o cara vai desenrolar contigo aí, depois manda faltando, aí vai ser f. vê isso aí
Rocha - Então já é, já é
Propina para autorização de eventos
Investigações mostraram que o grupo cobrava propinas de produtores de eventos na área do 14º BPM (Bangu) em troca do ‘nada a opor’ do batalhão para a realização de shows e festas. O documento com o aval da unidade militar da área é obrigatório para a realização de eventos, em locais fechados ou ao ar livre.
Em gravações telefônicas, um PM identificado como Campos pede ao sargento Oldair (também acusado) uma indicação para “desenrolar” (pagar propina) o documento. Oldair indica o major Edson Alexandre Pinto de Góes, a quem chama de “vaca velha”, termo usado para corruptos de longa data.
Briga interna pelos ‘arregos’
Tamanha era a organização do esquema de propina montado pelos PMs que, em algumas ocasiões, havia conflitos entre as equipes responsáveis pela arrecadação dos ‘arregos’, quando um determinado grupo invadia a área do outro, e até entre oficiais.
Segundo as investigações, o sargento William Jeferson Ferreira Bicego, que atuava com o cabo Leonardo Rocha Figueiredo de Mello, disputava a propina de um mesmo ponto de mototáxis Bangu com o sargento Rafael Renan Costa Pontes e o cabo Jefferson Machado de Souza Campo. O local fica numa área limítrofe entre as regiões patrulhadas pelos dois grupos. De acordo com o MP, o ponto “era” da equipe do cabo Rocha, com quem o mototaxista responsável por recolher a propina mantinha contatos e fazia a escolta quando ia buscar o dinheiro.
“Em sendo assim, havia discordância sobre qual equipe deveria atuar, não na repressão e fiscalização, mas na exigência e arrecadação de propinas para a associação criminosa do 14º BPM”, diz a denúncia.
Já entre os oficiais, o mal-estar pela disputa de propina foi entre os sargentos Marcelo Valim dos Santos e Luiz Fernando Paganinni. De licença, devido a um atropelamento, o sargento Valim continuou a receber a propina, o que desagradou ao sargento Paganinni. Foi preciso o coronel Fontenelle ordenar que o dinheiro continuasse sendo pago ao PM.
Trinta caixas de cerveja serviam como propina para policiais
Nem só de propina em dinheiro viviam os policias. Os ‘arregos’ também eram pagos em bebidas. A quantidade era estipulada pela quadrilha. Segundo a investigação, um dos alvos era a Ambev, obrigada a entregar ao bando, por mês, 30 caixas de cerveja. Já um motorista da Julio Simões Logística S/A, empresa que loca carros para a PM, tinha que dar ao grupo engradados de seis garrafas de um litro e meio de refrigerante.
Para chegar aos oficiais, a Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança percorreu um longo caminho de investigação e cruzamento de dados. Em maio de 2013, a Subsecretaria desbaratou esquema de propina envolvendo policiais civis e militares em feiras de Bangu e Honório Gurgel, na Zona Oeste, na operação batizada de Compadre.
O grupo também era chamado de ‘Tropa da Mixaria’ por tomar até baldes de R$ 1,99 de trabalhadores ambulantes nas feiras. Roubar mercadorias era a punição a quem não tinha dinheiro para pagar a propina de R$ 5 a R$ 70, o ‘alvará’ do bando que permitia a venda em pontos irregulares. Do esquema, faziam parte 53 PMs, do 14º BPM (Bangu) e 9º BPM (Rocha Miranda), e sete civis, da 34ª DP (Bangu) e Delegacia de Repressão aos Crimes de Propriedade Imaterial (DRCPIm), além de 18 ‘cobradores’.
Em agosto de 2013, foi a vez da deflagração da operação Perigo Selvagem. Nela, foram identificados dez PMs, entre eles Walter Colchone, e o tenente-coronel Marcos Bastos Leal. Outros 15 acusados, entre eles o bicheiro Fernando Iggnácio, foram denunciados pelo Ministério Público à Justiça. “O trabalho foi sendo feito e, à medida que fomos comprovando, ocorreram as prisões. Fomos dos praças aos oficiais, num processo de investigação contínuo até culminar com a responsabilização do alto escalão”, explicou o subsecretário de Inteligência, Fábio Galvão.
Na ocasião, os agentes encontraram R$ 25 mil e lista de propinas no apartamento, em Olaria, do major Edson Alexandre Pinto de Goes, ligado ao coronel Alexandre Fontenelle. Porém, Edson não foi denunciado pelo Ministério Público à Justiça na época por falta de mais provas. A estratégia de continuar investigando será mantida pela subsecretaria e o Gaeco. “Com o material apreendido, vamos alimentar outras investigações, como, por exemplo, a partir de 2010, quando o coronel Fontenelle estava à frente do 41ª BPM (Irajá) ”, exemplificou o promotor Cláudio Calo.
Fontenelle não quis julgar PM Colchone
Sorteado para integrar o Conselho Especial para julgar o capitão Walter Colchone, seu braço-direito no esquema de corrupção, e outros nove réus, como juiz da Auditoria de Justiça Militar, o coronel Alexandre Fontenelle, como a coluna ‘Justiça e Cidadania’ publicou ontem, foi à audiência no dia 30 de agosto do ano passado. Mas limitou-se a assinar a assentada, que relata o que ocorreu no dia. Isso porque o interrogatório dos acusados foi adiado, como esclareceu ontem a Auditoria de Justiça Militar. Fontenelle pediu para sair do Conselho. Na ocasião, o oficial alegou “motivo de ordem pessoal”
Na auditoria, Colchone é acusado de integrar a máfia dos caça-níqueis. O grupo — suspeito de ligação com o bicheiro Fernando Iggnácio — teria montado ainda plano para matar o ex-comandante da PM, coronel Erir Ribeiro, quando ele estava à frente do 2º Comando de Policiamento de Área (CPA), na Zona Oeste, por combater o jogo do bicho. O julgamento ainda não foi concluído.
PM pode ter novo comando
A revelação do megaesquema de corrupção que levou à prisão de seis oficiais e 16 praças balançou as estruturas da Polícia Militar. Durante toda esta terça, o clima dentro do Quartel General foi de incerteza diante dos boatos de que o comandante-geral da corporação, coronel José Luiz Castro, seria exonerado do cargo.
Pressionado, o governador Luiz Fernando Pezão jogou a decisão sobre os ombros do secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, a quem atribuiu as nomeações e demissões de sua pasta. Até o fim da noite de ontem, o nome mais cotado para assumir o comando da tropa era o do coronel Waldyr Soares, ex-corregedor e atual chefe de gabinete da PM. Ele negou ter sido convocado.