'Lutei para humanizar o Rio', diz vereador Eliomar Coelho
Paraibano de 73 anos, ele gosta de se dizer cearense, mas conhece como poucos o Rio, seus sambas, belezas e problemas
Por bianca.lobianco
Rio - Os compositores Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro escreveram, num samba, que não reclamavam da “aventura”, pois era isso que os satisfazia. A política é, há 25 anos, a grande aventura de Eliomar Coelho (Psol). Em 1987, ele entrou na Câmara de Vereadores como suplente da vereadora Benedita da Silva e, combativo, fez história como o mais antigo político de esquerda na Casa. De lá para cá, só deixou de ocupar a tribuna de 1993 a 1997, e o fará a partir de 2015, quando trocará a Cinelândia pela Rua 1º de Março e a Câmara pela Assembleia Legislativa, onde será deputado estadual.
Paraibano de 73 anos, ele gosta de se dizer cearense, mas conhece como poucos o Rio, seus sambas, belezas e problemas. Em conversa com O DIA, ele passou sua trajetória a limpo, disse que Cesar Maia foi o prefeito mais preparado que a cidade já teve e fez um alerta ao Psol: a eleição de um parlamentar como o Cabo Daciolo, sem os ideais do partido, pode levar a legenda pelos mesmos caminhos do PT.
O DIA: O Rio passou por modificações profundas desde que você se tornou vereador. Hoje, há expectativa pelo resultado das obras que estão sendo feitas. Na sua avaliação, a cidade realmente mudou ?
ELIOMAR: Mudou, mas para onde? Precisamos, antes, analisar o que aconteceu. Entrei aqui em 1987, quando a sociedade estava mobilizada, querendo participar. Era o fim da ditadura militar, e vários setores estavam organizados e participaram da criação da Lei Orgânica e do Plano Diretor. As associações de moradores participaram. Com o tempo, a participação da sociedade foi diminuindo, sobretudo com Cesar Maia. Ele deu um cavalo-de-pau na política municipal.
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Cesar Maia entrou em 1993, no lugar do Marcello Allencar. O que ele fez de diferente?
Ele virou o Rio para o mercado, sem se importar se isso era bom para o morador, e minha luta sempre foi para humanizar a cidade. O Plano Diretor de que eu participei colocava “garantir o pleno desenvolvimento da cidade respeitando suas funções sociais.” O que Cesar criou falava em “transformar a metrópole em um centro de negócios para o Brasil e o exterior.” Isso criou uma cidade com presença agressiva do mercado, sem valores. É o que você vê hoje no Rio. Vivemos num laboratório de experiências para a iniciativa privada, sem atenção ao cidadão. O custo de vida subiu muito por conta disso. Exemplo: eu era assíduo no Bar Urca e não consigo mais ir lá, os aluguéis disparando, as pessoas deixando seus bairros...
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O cidadão do Rio nada ganhará com as obras que estão sendo feitas, como no caso dos BRTs e dos VLTs no Centro?
O que acontece no Rio não é da cabeça do Paes. Várias cidades passaram por isso ao redor do mundo: criar ícones para trazer empreendedores e turistas ricos para deixar dinheiro. E eu pergunto: será que essas obras vão atender à demanda dos moradores? Não. Nenhuma. Os BRTs tiraram várias linhas, são muitas as pessoas perturbadas. VLT é para inglês ver... Isso sem contar os recursos nessas obras, todas levantam suspeitas. Vide o caso das vigas da Perimetral! Como somem cinco vigas de 20 toneladas? Colocaram numa sacola? Esse caso mostra a dimensão absurda que essas obras tomam.
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Saturnino Braga, Jó Rezende, Marcello Alencar,Cesar Maia, Luiz Paulo Conde e Eduardo Paes. O senhor foi oposição a todos eles, mas qual foi o mais difícil de lidar?
O Cesar Maia, porque era o mais preparado. O Eduardo Paes, que foi vereador comigo, não tem preparo nenhum, nem história política. Pega a do Cesar e compara com a dele. Paes é incompetente. Foi o pior dos prefeitos. Hoje, quem define a política são as empreiteiras. Na época do Cesar, pelo menos ele sabia o que fazia. Eu discordei dele o tempo todo, tivemos grandes embates, mas ele era preparado. Do burro não tenho receio, só tenho dos inteligentes.
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Dos governos do Cesar, quais foram esses grandes embates?
A grande vitória, sem dúvida, foi impedir a construção do Museu Guggenheim no Pier da Praça Mauá. Em 2002, entramos com ação popular na Justiça e impedimos a obra, que seria uma fortuna, dentro da lógica da cidade para o mercado. Uma das derrotas foi no Pan-Americano, em 2007. Tentamos uma CPI. O orçamento dos jogos estourou muito, o contrato do Engenhão teve 21 aditivos. Se aquela CPI sai, esses gastos com Copa do Mundo e Olimpíada teriam outro rumo.
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Vamos falar um pouco de política. Boa parte de sua vida parlamentar foi no PT. Por que saiu?
Fui um dos fundadores do PT. Saí quando estourou o escândalo do mensalão, em 2005. Não tinha que ficar na rua me justificando de algo com o qual nada tinha a ver. Por isso, fui para o Psol. Mas não foi de repente. Comecei a denunciar desvios na década de 1990 e fui sendo jogado para escanteio. Não restou nada daquele PT.
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Há quem diga que, pelas posturas, pelos ideais e pelos parlamentares, o Psol de hoje é o PT de ontem. Você concorda com isso?
Não, mas tenho muito cuidado...Veja esse caso de um deputado federal nosso (em referência ao ex-bombeiro Cabo Daciolo), que dá declarações absurdas, que nada têm a ver com o ideário do partido. O PT começou a deteriorar assim, por pessoas com ideias desviantes. Mas sem esse deslocamento! Esse cara, no dia da diplomação, tirou fotos com o Bolsonaro (deputado federal do PP). Isso é uma invasão. Ele nada tem a ver com o nosso partido.
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Mas ele já é deputado federal... Mesmo assim, defendo que ele seja expulso do partido. A Direção Nacional precisa conversar com ele. Se não aceitar, expulsão, porque a sigla foi usada para eleger alguém. Isso é o que a gente mais combate!
Tem gente no PT que defende um apoio do partido ao deputado estadual Marcelo Freixo, para prefeitura em 2016. E aí?
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Apoio a gente não recusa de ninguém, só não pode vir com toma lá da cá. Freixo está pronto para ser prefeito.
A qualidade dos políticos do Rio de Janeiro melhorou ou piorou?
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A política precisa de renovação, mas os jovens que entram aqui são muito piores que os velhos que estão saindo. Hoje, têm filho da Lucinha (PSDB), do Bolsonaro,e eles não preparam projeto e não falam nada. Teve momentos que pensei: não é possível que a Câmara piore mais... E piora. O maior problema são os políticos ligados às igrejas evangélicas: com eles, é o poder pelo poder, sem ideologia.
Você é um dos vereadores que mais ocuparam a tribuna da Câmara. Reparo, às vezes, que quando alguém está na Tribuna, poucos vereadores param para ouvir e ficam conversando, andando...
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Isso é uma vergonha. Sempre falo “olha essa feira, senhor presidente!”. A gente está falando coisa séria para o futuro da cidade, e o cara nem aí. Depois, olha no painel, vê como o líder do partido votou, vota igual e está tudo bem. Mas eu ainda tenho muito gás para enfrentar essas coisas. Só faço política porque gosto.