Rio - Há uma máxima da filosofia das ruas que garante: “Quer conhecer verdadeiramente um indivíduo? Dê a ele uma migalha de poder”.Quem viveu em cidade pequena já acompanhou a farsa e o drama, que se dão mais ou menos assim:
Delegado chama o guarda e diz:
— Vai lá e traz o sujeito para depor.
Autoridade ajeita o quepe, cofia o bigode, confere cassetete e revólver e parte para a diligência, doido para repetir o bordão “Teje preso!” Retorna horas depois, carregando um estropiado, e se justifica:
— Sujeitinho teimoso esse, doutor! Disse que só vinha à força...
A prepotência é irmã da violência. Quem viveu na roça sabe como é que a umburana geme. Coronel manda os jagunços trazerem o desafeto para uma prosa. Às vezes, para evitar qualquer engano, mostra a foto do indigitado. Capanga amarra a cartucheira no bucho e decreta: “Já estou com raiva dele”. Doido para repetir o bordão “Vai nem que seja debaixo de vara!”
Como observou o Pedro Aleixo, diante da decretação do AI-5, o perigo não está no comandante que dá a ordem, mas no guardinha da esquina designado para cumpri-la.Responsáveis pela manutenção da lei são responsáveis, também, pela ordem. Procedimentos policiais, mesmo considerados legais, mas que podem facilmente se transformar em desordem de proporções incalculáveis devem ser pesados e medidos.
Decisões da Justiça são soberanas, “mas isso não exclui a discussão dos seus procedimentos”, como alertou Elio Gaspari, acrescentando: “... tristes experiências passadas já mostraram que a conversão de ‘cortina de fumaça’ pode ser facilmente transformada num manto protetor da onipotência e do seu inexorável filhote, o arbítrio”.
Neste momento tão triste e tenso de nossa história, em que mandar prender é ação corriqueira, o bom senso deve acompanhar as algemas, para evitar farsas ou dramas maiores. O “prendo e arrebento”, de triste memória, não foi além da bravata, não levou a nada. Mas o “faço-porque-posso” pode levar a tudo. De ruim.
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