Rio - ‘Depois de te perder, te encontro, com certeza / Talvez num tempo da delicadeza.’ Ao contrário do tempo indeterminado da canção do Chico Buarque, o tempo em que vivemos não tem nada de delicado. Ao invés do amor devagar do poeta, é o ódio urgente e voraz, onde todo o sentimento é pequeno. Vinganças menores, cusparadas na cara da poesia. Neste momento, todo tempo é contratempo, é perigoso, é contramão. Pacientes (e impacientes) de todas as áreas continuam se estapeando, enquanto a dengue, a zika, a chicungunha e demais mazelas sorrateiras estão unidas e coesas.
Briga-se na plateia, no palco, na arquibancada. Briga-se sem saber como a briga começou, minando a paz e dando sustança à intolerância. Escreveu outro dia o angolano Agualusa: “Nenhuma democracia é tão má que consiga ser pior do que a melhor ditadura”. Pensemos nisto. Cuidemos com carinho de nossa democracia. A turma que está gastando por conta não sabe quanto ela nos custou.
No tempo da indelicadeza, o jovem pai, com a criança no ombro, grita durante a manifestação:
— Cadeia e porrada no ladrão e na vagabunda, para servir de exemplo!
Que exemplo do jovem pai. Que horror.
No tempo da indelicadeza ninguém dá bom-dia, pois o interlocutor pode ser um inimigo. No lar, no trabalho, nas esquinas, no mercado, o tempo inspira temores. Até em escolas, leio, há meninos e meninas se mordendo e trocando ofensas na fila do bebedouro. Xingam-se as mães, mas não é nada pessoal. Claro, quando o irracional se impõe o pessoal desaparece.
Pipocam agressões, palavrões e ameaças nas redes sociais criadas para a troca amiga ou profissional de entendimentos. Fogo nos olhos, faca nos dentes, unhas afiadas. E segue o baile do medo, porque no tempo da indelicadeza todos pagam a conta pelo que os políticos fizeram da política. Uns pagam com cargos, prestígio, poder. Outros, até com bens mais preciosos: sua dignidade, a serenidade, seus empregos e fiapos de esperança.
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Começou esta semana o outono, a estação mais luminosa de todas. Que sua luz nos traga serenidade. Nos dias mais claros, a clareza.
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