Rio - A sessão da Câmara na qual se votou autorização para que o Senado instaure processo de impeachment da presidente Dilma causou estranheza a quem a assistiu. Apenas dois parlamentares tocaram no fato indevidamente imputado à presidente. Os fundamentos ou dedicação dos votos foram relacionados a Deus, ao curral eleitoral ou aos familiares.
Analistas formados em universidades estadunidenses, ou sob influência de suas escolas, disseram que o Parlamento brasileiro não é aquilo que foi visto, que no dia a dia os deputados são melhores, que é ano eleitoral e por isso ele estão de olho nos respectivos currais eleitorais e que o funcionamento do Congresso se dá sob a articulação dos líderes, mais bem preparados. Mas, há profunda sinceridade em cada voto que remontou às famílias ou ao reduto eleitoral de cada um. O poder no Brasil repousa no mando local e nas famílias.
Os intérpretes do Brasil real, que buscaram explicar o funcionamento de nossas instituições, falaram da prevalência do poder local e mando pessoal, que — por vezes — se articula com o poder central. Mas, também se desarticula. É no âmbito local, berço do caciquismo e do nepotismo, que repousa o exercício do poder no Brasil. Na periferia ou no interior, ao poderoso local, pouco importa a existência de Brasília, salvo para mandar verbas a serem consumidas com a parentela.
Um único deputado deu nome ao seu compromisso com o poder local de onde é originário e falou em municipalismo. Já em 1939, Nestor Duarte publicou ‘A Ordem Privada e a Organização Política Nacional’ e em 1948 Vitor Nunes Leal publicou ‘Coronelismo, Enxada e Voto’ onde analisaram o poder local. Em 1949, Oliveira Vianna publicou ‘Instituições Políticas Brasileiras’, em 1958, Raimundo Faoro publicou ‘Os donos do poder’ e entre 1956 e 1957, Maria Isaura Pereira de Queiroz publicou ‘O Mandonismo Local na Vida Política Brasileira’.
Destas leituras resultam que, se o poder central quiser apoio, tem que pagar, sob pena de, com ressentimento, o poder local lhe impor impeachment. Em tempo de crise não há como comprar apoio. Que o digam os depostos em tempo de crise D. Pedro I, em 1831, e Floriano Peixoto, em 1894. Se o poder central não pode pagar, o capital internacional compra a tropa mercenária.
João Batista Damasceno é cientista político e juiz de Direito