Por gabriela.mattos

Rio - Mídia, polícia, punitivistas raivosos e raivosas, moralistas e políticos oportunistas mais uma vez agiram simultaneamente para tirar os proveitos possíveis diante do estupro coletivo de adolescente na Zona Oeste do Rio. Agravou-se a situação da vítima, quando sua proteção é dever legal.

O delegado titular da DRCI avocou o caso para si, de plano afastou a possibilidade de violência sexual e o tratou como mera exposição de imagem na internet. É também acusado de haver submetido a vítima a constrangimento, crime tipificado no Estatuto da Criança e do Adolescente. No interrogatório da vítima, teria recebido carinho da namorada. Teve apoio do chefe de polícia. O governador interino sugeriu pena exemplar que a Constituição não permite, mas os mantém no cargo. A mídia exagerou em sentido contrário. Expôs a imagem de suspeitos, antes mesmo de indiciamentos, acusações ou julgamentos. Fez, portanto, o seu julgamento em caráter irrecorrível.

Estupro não é prática sexual. É violência; é crime contra a dignidade sexual, caracterizada por desejo e consentimento. Qualquer um com capacidade de consentir pode estabelecer relação com outro ou outros para o que dê prazer e tem o direito de cessar o que faz quando não mais desejar. O consentimento cessa quando não mais se quer, assim como no caso de perda da capacidade de consentir. Sexo sem consentimento é estupro. Contato sexual com pessoa que promete sexo em troca de droga e perde a capacidade de consentir, após uso, é estupro. A intenção de prática sexual com diversos parceiros simultânea ou sucessivamente não obriga continuar com uns depois de ter feito com outros. A ideia de que “o bonde não pode parar” é expressão da cultura do estupro vigente numa sociedade machista e misógina, capaz de tratar mulheres como objeto de prazer, retirando-lhes a qualidade de pessoa e as tratando como coisa.

Moralistas atribuem responsabilidade às vítimas e justificam violências. Punitivistas aproveitam para, sadicamente, aumentar penas. Políticos oportunistas editam leis de ocasião, desconsiderando que o Direito Penal não melhora a realidade. É preciso educar para a consideração ao outro, para a liberdade, para a sociabilidade e para o respeito. Sem isto a cultura do estupro remanescerá.

?João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política e juiz de Direito

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